Opinião

Reforma rompe lógica perversa e abre caminho para as relações sindicais 4.0

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31 de dezembro de 2018, 6h05

O final do ano é sempre uma época propícia para fazermos retrospectivas, análises, pensar o passado. Mas, pensar no Direito do Trabalho, em especial, no Direito Coletivo do Trabalho, em 2018 — com a consolidação de alguns dos institutos da Reforma Trabalhista — nos convida, com muito mais gosto, a refletir o futuro. Vamos a ele.

Nos últimos anos, a expressão “Indústria 4.0” vem ganhando força e notoriedade para definir a utilização, em maior escala, de tecnologias para automação de processos e troca de dados.

Uma das principais diferenças dessa 4ª Revolução Industrial para as anteriores é a rapidez da transformação, muitas vezes observada em progressão geométrica, de modo que uma tecnologia recém-lançada é quase imediatamente superada e substituída por outra, com maior valor agregado e novas funcionalidades.

Apenas para ter melhor ideia da dimensão, dados da CNI[1] indicam que, em 2018, sete entre dez grandes indústrias já utilizam tecnologias digitais[2] para aumentar a eficiência de seu processo de produção e melhorar a gestão dos negócios.

A pesquisa demonstra ainda que os investimentos a serem realizados pelas empresas têm, dentre os principais objetivos: (i) a melhoria do processo produtivo atual em 65% dos casos; e (ii) o aumento da capacidade da linha atual em 58% das vezes[3].

Fica fácil perceber que o avanço da tecnologia influencia e vem escrevendo um novo capítulo das relações de trabalho: seja por estabelecer outra dinâmica (quantitativa e qualitativa) dos postos; seja por contribuir, de modo decisivo, para a descentralização da força de trabalho.

A clássica relação de trabalho tende a se modificar para uma relação de maior flexibilidade tanto em relação ao local onde o serviço é prestado, quanto no que diz respeito ao horário e meios de controle.

Temos, aqui no Brasil, uma garantia constitucional[4] que se propõe, quase que de modo romântico, a frear os efeitos do progresso.

Contudo, o sempre atual pensamento de Georges Ripert nos lembra que “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”. E, assim, temos observado um processo natural nos últimos tempos: profissões, empresas e até mesmo atividades econômicas simplesmente desaparecendo (e é natural que seja assim!).

É só lembrar, por exemplo, que os serviços de streaming praticamente extinguiram todo o segmento de videolocadoras ou, ainda, o gradual desuso da telefonia fixa.

O surgimento do sindicalismo, (dito) “moderno” no Brasil, deu-se no transcorrer dos anos 80, não por acaso, época de forte expansão da atividade industrial, com o surgimento de grandes conglomerados e a potencialização do sentimento de espírito coletivo dentre os trabalhadores.

A realidade, hoje, é bem diferente. O setor de serviços, que costuma reunir menor quantidade de empregados por estabelecimento, é o grande e crescente protagonista da atividade econômica. A atividade industrial, em sentido oposto, encolhe ano após ano. Basta dizer que no final de 2017 (último dado disponível) a participação do segmento industrial no PIB recuou para 11,8%, atingindo índices similares aos da década de 1950[5].

Some-se a tudo isso a chegada, em peso, da Geração Y (ou “Millenials”, nascidos na década de 80 e meados dos anos 90) ao mercado de trabalho, que já representa cerca de 50% dos atuais profissionais e deve, em até 10 anos, representar 75% da força de trabalho global.[6]

Estudiosos indicam essa geração com características individualistas e independentes. São informais, desprezam hierarquias rígidas, buscam equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e, obviamente, cresceram imersos em tecnologia.

Quando comparados aos Baby Boomers e Geração X, no campo profissional são, em geral, menos resignados e mais imediatistas; são orientados pelo pensamento de que a empresa precisa se adaptar ao indivíduo, e não o contrário, o que faz com que o trabalho atual, por vezes, seja só mais um degrau da carreira. Já não se pensa mais no “emprego da vida”.

Pronto: tudo o que foi dito acima é, em resumo, o pano de fundo no qual se desenvolverão as “Relações Sindicais 4.0”.

A pergunta que vem, na sequência, é:

E os sindicatos, estão preparados para lidar com essa nova realidade?

A proposta de resposta (e a reflexão que se quer fazer) passa por uma brevíssima análise da nossa — merecidamente criticada — estrutura sindical “reformada”. Vejamos:

Até aqui (leia-se: antes da Reforma Trabalhista), o modelo sindical brasileiro, com características fortemente corporativistas, foi suportado pelo binômio da unicidade sindical e contribuição obrigatória.

Viveu, assim, uma falsa e artificial autossuficiência. Diz-se “falsa e artificial” autossuficiência porque bastava à entidade possuir uma carta sindical (unicidade) e… “PLIM”, como num passe de mágica, o dinheiro da contribuição obrigatória aparecia.

Era juridicamente possível — embora nunca tenha sido moralmente aceitável — o “nada fazer sindical”. Os dados do Ministério do Trabalho mostram um sem-número de sindicatos profissionais que, nos últimos anos, não celebraram nenhum (repetindo: nenhum) Acordo Coletivo de Trabalho.

Não fizeram nada: não prestaram serviços à categoria; não buscaram melhores condições de trabalho; não exerceram sua função negocial; nem defenderam os interesses individuais e coletivos.

A Reforma Trabalhista, contudo, ao tornar a contribuição sindical facultativa — assim como quaisquer outras contribuições às entidades sindicais — e, ainda, ao condicionar seu desconto ou recolhimento à prévia autorização da parte interessada, rompeu com essa lógica perversa.

Daqui por diante, o sindicato, seja ele patronal ou profissional, que desejar se manter ativo, deverá, antes, provar seu valor e convencer ao representado de que é um bom investimento.

Deverá demonstrar que merece — à vista do que está entregando — que cada um dos integrantes da categoria contribua, voluntariamente, para ele.

Aliás, que categoria mesmo é essa?

Para começar, deixemos de lado cerca de 40% de toda força de trabalho no Brasil, uma vez que somente os contratados “formalmente” dialogam com nosso modelo sindical.

Ficamos, então, com a categoria composta pelos trabalhadores “Millenials”, que atuam em um mercado de trabalho cada vez mais descentralizado e tecnológico, orientados por um sentimento de individualismo (em contraposição ao antigo ideal de classe), menor vínculo emocional à empresa e que, cada vez mais, trabalharão em jornadas variadas (ou até mesmo sem uma jornada previamente fixada, como no caso dos intermitentes) e, quando não, de suas próprias casas.

Esse é o futuro: essas serão as “Relações Sindicais 4.0”. Que grande desafio!


[1] CNI: Confederação Nacional da Indústria. Disponível para consulta em http://www.portaldaindustria.com.br/estatisticas/pqt-investimentos-em-industria-40/

[2] Ao menos uma, dentre um rol de treze tipos de tecnologias apresentadas.

[3] A soma é superior a 100%, porque o mesmo investimento pode atender, simultaneamente, a mais de uma finalidade.

[4] CF, art. 7º, XXVII. “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei.”

[5] FIESP/CIESP. Panorama da Indústria de Transformação Brasileira. 14ª Edição, junho/2017. Disponível em https://www.fiesp.com.br/arquivo-download/?id=248686

[6] Maiores informações sobre o mercado de trabalho no Brasil poderão ser obtidas no Sumário Executivo da RAIS, divulgado em Setembro/2018, disponível em ftp://ftp.mtps.gov.br/pdet/caged/2018/outubro/nacionais/1-sumarioexecutivo.doc

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