Ambiente jurídico

O plano de ação climática da Alemanha para 2050

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29 de dezembro de 2018, 9h47

Spacca
O governo alemão elaborou o Programa de Ação Climática 2020 (AktionsprogrammKlimaschutz 2020), aprovado em dezembro de 2014, que abrange o período compreendido até o ano de 2020 (EGENTER & WETTENGEL, 2016) e tem como característica significativa o compromisso de corte de emissões no setor elétrico. Para atingir este objetivo, a Alemanha propôs cortar a emissão de 22 milhões de toneladas de CO2 entre 2016 e 2020, ou seja, 4,4 milhões de toneladas por ano. O Plano, em pleno andamento, está focado no cap-and-trade. Ou seja, aquelas companhias que cortam as suas próprias emissões podem comercializar as suas licenças restantes que originariamente são outorgadas pelo governo, podendo lucrar, portanto, com a diminuição e o corte das suas próprias emissões. O Plano igualmente engloba o aumento da eficiência energética na economia, especialmente no setor de transporte (HOPE, 2014).

Relatório da PriceWaterHouseCoopers, de novembro de 2016, avaliou os efeitos ecológicos e econômicos do Programa de Ação Climática 2020 e chegou à conclusão de que os benefícios superaram os custos das medidas propostas para o corte das emissões.[1] Baseada no relatório, a Ministra Barbara Hendricks, em nome do governo, afirmou que serão criados 430 mil novos empregos e o PIB alemão, movido pelas energias renováveis, aumentará em 1% até o ano de 2020 (CLEAN ENERGY WIRE, 2016). Aliás, o país tem a sua Lei de Fontes de Energias Renováveis, perfeitamente compatível com planos de ações climáticas (FRÄSS-EHRFELD, 2009, p.375), que possui, de acordo com a autora, como diretrizes básicas:

a – Credibilidade- planejamento de longo prazo como segurança e modo de atrair investidores; b- Inovação- incentivos para tecnologias específicas para criar mercados líderes; c- Flexibilidade- legislação adaptada ao desenvolvimento tecnológico e de mercado(FRÄSS-EHRFELD, 2009, p.376).

A referida legislação ainda introduziu: a- tarifas subsidiadas para compra de energia proveniente de energias renováveis como eólica (on-shore e off-shore), solar, biomassa, decorrente de produção de gases de aterro e lixo, hidroelétrica e geotermal; b- grandes subsídios provenientes do Deutsche Augleichsbank’s para o Programa Ambiental e de Eficiência Energética; c- programas de financiamento no total de 1,4 bilhões por ano disponíveis para a reforma de residências e indústrias visando o aumento da eficiência energética (FRÄSS-EHRFELD, 2009, p.378).

Posteriormente, o Governo alemão aprovou, em 14 de novembro de 2016, o Plano de Ação Climática 2050 (Klimaschutzplan 2050).[2] O documento traça metas a serem alcançadas no âmbito nacional para a redução das emissões dos gases de efeito estufa até os anos de 2030 e 2050, respectivamente, estando em consonância com o Acordo de Paris (AMELANG; WEHRMANN & WETTENGEL, 2016). O Ministério Federal para o Ambiente, Conservação da Natureza, Construção e Segurança Nuclear (BMUD), capitaneou o desenvolvimento e a estruturação do documento. O plano deve ser suplementado por um programa de medidas legislativas a serem elaboradas pelo Parlamento Alemão (Bundestag).[3]

O Preâmbulo do Plano compromete-se com uma ação progressiva e com o fato de que este não pode e nem pretende ser uma planificação detalhada e definitiva, por isso não está estruturado em provisões rígidas. É um Plano aberto, tecnologicamente neutro e sujeito as inovações. Consta no Preâmbulo que o governo vai, ao mesmo tempo em que implementa uma política de ação climática, manter a competitividade alemã na área econômica. A intenção manifestada no Plano é no sentido de avançar na implementação das mudanças sem rupturas estruturais. Ou seja, está calcado na utilização da força e na criatividade da economia de mercado alemã para alcançar as metas nacionais, europeias e internacionais de proteção climática (AMELANG; WEHRMANN & WETTENGEL, 2016).

Está embasado em princípios básicos para implementar uma ação climática estratégica de longo prazo e providenciar guias de ação para todos os atores da economia, sociedade e da comunidade científica e acadêmica. Elaborado para ser capaz de incorporar novas ideias e desenvolvimentos, a sua filosofia básica está focada em uma revisão geral, contínuo aprendizado e constante melhoria. Neste sentido, o Plano não busca ser do tipo master, detalhado e definitivo, para as décadas que virão.[4]

Faz parte do Plano a intenção de manter o aquecimento global bem abaixo de 2º Celsius, tendo como marco inicial a era pré-industrial, e limitar o aumento das temperaturas em 1,5º Celsius tal qual previsto no Acordo de Paris. Relevante lembrar que, em 2010, bem antes da Conferência de Paris (COP21), o governo alemão decidiu reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 80 e 95 por cento, considerando os anos de 1990 até o ano de 2030. Este objetivo de longo prazo foi reafirmado, buscando-se atingir a neutralidade nas emissões de gases de efeito estufa na segunda metade do século.[5]

Para a adoção desses objetivos o Governo aprovou leis e atos administrativos como a Lei de Energia Renovável para o Aquecimento (Erneuerbare- Energien- Wärmegesetz). Esta lei obriga os proprietários de novos edifícios a usar certa percentagem de energia renovável para aquecer as edificações. A percentagem exigida depende de qual a fonte de energia renovável o proprietário pretende utilizar (por exemplo, a energia solar deve alimentar pelo menos 15% da energia consumida nos prédios e a biomassa deve satisfazer pelo menos 50%). Entre estas, outras medidas podem ser adotadas, como o aumento da exposição da edificação ao sol (FUDER; ELSPAß& WILCOCK, 2018) o que reduz a necessidade de consumo de energia.

Os objetivos do Plano de redução das emissões por setor, levando em consideração como termo inicial o ano de 1990, são os seguintes (FEDERAL MINISTRY FOR THE CONSERVATION, BUILDING AND NUCLEAR SAFETY, 2016):

Setor

1990

2014

2030

Redução (2030 em relação a 1990)

Energia

466

358

175–183

61–62%

Edificações

209

119

70–72

66–67%

Transporte

163

160

95–98

40–42%

Indústria

283

181

140–143

49–51%

Agricultura

88

72

58–61

31–34%

Outros

39

12

5

87%

Total

1248

902

543–562

55–56%

  • Unidades: milhões de toneladas CO2eq.
  • Entre 1990 e 2014 os valores são exatos.

As políticas para o clima e energia da União Europeia[6], por seu turno, afetam as políticas nacionais na Alemanha e com estas devem harmonizar-se. As emissões de gases de efeito estufa são reguladas igualmente pelo Sistema de Mercado Europeu de Emissões (EuropeanEmissions Trading System- ETS) e pelo Esforço na Divisão de Decisões da União Europeia (EU EffortSharingDecision- ESD). Existem vários instrumentos jurídicos climáticos adicionais na UE como a redução da Redução de CO2 nos Automóveis (CO2andCarsRegulation) ou a Diretiva de Ecodesign para os Produtos Relacionados à Energia (EcodesignDirective for Energy- RelatedProducts).[7]

O Governo da Alemanha está comprometido com a efetividade e funcionamento do mercado de emissões como um importante instrumento da União Europeia para ação climática, para o setor energético e alguns segmentos do setor industrial. O Plano defende o fortalecimento do mercado de emissões, que oferece um caminho para utilizar a precificação do CO2 para criar incentivos de preços centralizados e reduzir as emissões e, por consequência, alcançar objetivos climáticos nacionais.[8]

A Moldura Regulatória do Clima e da Energia da União Europeia, que almeja alcançar como objetivo, ao menos, a redução de 40% nas emissões, de Acordo com o Plano 2050, deve ser consistentemente implementada de acordo com as conclusões do Acordo de Paris. Um importante passo a este respeito foi a introdução do Mercado de Reserva de Estabilidade (Market Stability Reserve-MSR), e este deve ser complementado por outras medidas para se criar um sinal de precificação baseado na escassez. Será necessário, de acordo com o governo alemão, assegurar que os setores, cobertos pelo Esforço na Divisão de Decisões (EffortSharingDecision – ESD), especialmente de transporte, da construção e da agricultura, estejam também engajados em implementar os objetivos fixados até 2030. Setores de fora do comércio de emissões, pela primeira vez, devem também contribuir para a descarbonização da economia e progredir na modernização do Quadro Regulatório Climático da União Europeia.[9]

O Governo alemão busca, além de desenvolver o comércio de emissões e o ESD, alcançar os objetivos da União Europeia para as energias renováveis e eficiência energética até 2030. Meta que é vital para a ação climática na Europa. Esses objetivos precisam ser atingidos sem falhas. Além disso, a expansão das energias renováveis na Europa deve ser apoiada por uma robusta base legal que a União Europeia planeja ajustar. O governo alemão defende, de acordo com o Plano 2050, o aumento do objetivo de eficiência na União Europeia de 27% para 30%. [10]

O Plano pode ser considerado, de modo amplo, para além de uma estratégia para modernizar a economia alemã com padrões de sustentabilidade, como inserido no contexto internacional (global e da União Europeia), sendo uma moldura legal e programática multilateral. Neste aspecto, está estruturado para um diálogo integrador com o Acordo de Paris e com as políticas climáticas europeias.

Fixa objetivos, como referido, para duas datas limite, 2030 e 2050. Neste sentido, traça expressamente o caminho da Alemanha para a neutralidade do carbono e alinha uma transformação da economia e da sociedade no rumo do desenvolvimento sustentável[11]até o ano de 2050. Para isto ajusta os objetivos e traça os rumos até esta data para alcançá-los. Fixa metas e medidas de ação climática nos setores da energia, da construção, da mobilidade urbana, dos transportes, da indústria, dos negócios, da agricultura, do uso da terra e do manejo e preservação das florestas, além da adoção de objetivos e medidas abrangentes de implementação. Discrimina, por fim, de modo detalhado, a implementação do mesmo, mas, ao mesmo tempo, o deixa aberto para constantes atualizações que se fizerem necessárias o que, aliás, demonstra ser medida de boa técnica, de acordo com uma visão de longo prazo, e com uma perspectiva intergeracional.


Referências bibliográficas

AMELANG, Sören; WEHRMANN, Benjamin; WETTENGEL, Julian. Germany'sClimateActionPlan 2050, 2016. Disponível em: <https://www.cleanenergywire.org/factsheets/germanys-climate-action-plan-2050>. Acesso em: 23 dez. 2018.

CLEAN ENERGY WIRE. Climate Action Programme works like a stimulus package. Berlin, Germany, 2016. Disponível em<https://www.cleanenergywire.org/news/climate-protection-stimulates-economy-study-grid-fee-disparities/climate-action-programme-works-stimulus-package> Acesso em: 23 dez. 2018.

FEDERAL MINISTRY FOR THE CONSERVATION, BUILDING AND NUCLEAR SAFETY. Climate Action Plan. Disponívelem: <http://www.bmub.bund.de/fileadmin/Daten_BMU/Download_PDF/Klimaschutz/klimaschutzplan_2050_kurzf_en_bf.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2018.

FRÄSS-EHRFELD, Clarisse. Renewable Energy Sources: a chance to combat climate change. The Netherlands: Wolters Kluwer, 2009.

FUDER, Amrei; ELSPAß, Mathias; WILCOCK, Mira; CLIFFORD CHANCE. Environmental law and practice in Germany: overview. Disponível em: <https://ca.practicallaw.thomsonreuters.com/4-503-0486?transitionType=Default&contextData=(sc.Default)&firstPage=true&bhcp=1>. Acessoem: 22 dez. 2018.

EGENTER, Sven; WETTENGEL, Julian. Ministry projections highlight risk of Germany missing emissions goal. In: Clean Energy Wire. Berlin, Germany, 2016. Disponívelem: https://www.cleanenergywire.org/news/ministry-projections-highlight-risk-germany-missing-emissions-goal. Acessoem: 20 dez. 2018.

HOPE, Mat. Dissecting Germany's new climate action plan. CarbonBrief. London, UK, 2014. Disponível em: https://www.carbonbrief.org/dissecting-germanys-new-climate-action-plan. Acesso em: 21 dez. 2018.

KRÄMER, Ludwig. EU Environmental Law. London: Sweet & Maxwell, 2012.

PRICEWATERHOUSECOOPERS – PWC. WirtschaftlicheBewertung des AktionsprogrammKlimaschutz 2020 [Economic assessment of the Climate Action Action Program 2020 — Final Report], 2016. Disponível em: <http://m.bmu.de/fileadmin/Daten_BMU/Download_PDF/Aktionsprogramm_Klimaschutz/aktionsprogramm_klimaschutz_2020_abschlussbericht_bf.pdf>. Acessoem: 24 dez. 2018.

SCOTFORD, Eloise. Environmental Principles and the Evolution of Environmental Law. Oxford:HartPublishing, 2017.

UNITED NATIONS. Climate Action Plan 2050. Disponível em: <https://unfccc.int/files/focus/application/pdf/161114_climate_action_plan_2050.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2018.


[1]PRICEWATERHOUSECOOPERS – PWC. WirtschaftlicheBewertung des AktionsprogrammKlimaschutz 2020 [Economic assessment of the Climate Action Action Program 2020 — Final Report], 2016. Disponível em: <http://m.bmu.de/fileadmin/Daten_BMU/Download_PDF/Aktionsprogramm_Klimaschutz/aktionsprogramm_klimaschutz_2020_abschlussbericht_bf.pdf>. Acesso em: 04 set. 2018.

[2] UNITED NATIONS,[2016].

[3]UNITED NATIONS,[2016].

[4] UNITED NATIONS, [2016].

[5]UNITED NATIONS, [2016].

[6]Sobre os objetivos, princípios e condições do Direito Comunitário Europeu e o meio ambiente refere Krämer(2012.p. 1) que o Tratado de Lisboa sobre a União Europeia, que entrou em vigor em dezembro de 2009, fixou no seu art. 3º, como um dos seus objetivos o alto nível de proteção e melhoria da qualidade do ambiente e, no mesmo parágrafo, o desenvolvimento sustentável foi fixado como um dos objetivos da União, e ambos, proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, são também mencionados no Recital 9 do Tratado. Os objetivos do art. 3º são complementados pelos objetivos específicos do art. 191, que regulamentam o funcionamento da União, que são o alto nível de proteção ambiental, o prudente uso dos recursos naturais, a proteção da saúde humana e a promoção da proteção ambiental em nível internacional.

[7] UNITED NATIONS, [2016].

[8]UNITED NATIONS, [2016].

[9]UNITED NATIONS, [2016].

[10]UNITED NATIONS, [2016].

[11] Sobre o princípio do desenvolvimento sustentável no âmbito da União Europeia, ver: SCOTFORD, 2017.

Autores

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    é juiz federal, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), pós-doutor, doutor e mestre em Direito e visiting scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA.

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