Opinião

2019 deve ser encarado com otimismo pelo setor aeronáutico

Autores

  • Rita Taliba

    é sócia coordenadora do Departamento de Direito Aeronáutico do Braga Nascimento e Zilio Advogados. Mestre em Direito das Relações do Consumo pela PUC/SP.

  • Carlos Ebner

    é consultor do Departamento de Direito Aeronáutico do Braga Nascimento e Zilio Advogados.

27 de dezembro de 2018, 6h05

Selo Retrospectiva 2018A indústria aérea global transportou 4 bilhões de passageiros e 56 milhões de toneladas de carga em 2017. O transporte aéreo exerce um papel único na conexão do mercado global, unindo familiares e amigos e reunindo líderes do mundo inteiro para enfrentar grandes desafios do nosso tempo, além de ser um grande facilitador do crescimento econômico, turístico e do mercado de trabalho.

Segundo a IATA, no Brasil, a aviação emprega 1,1 milhão de pessoas com US$ 32,9 bilhões de contribuição para o PIB, representando 1,4% do PIB total.

Por ser um país com classe média em expansão e vasta geografia, o transporte aéreo no Brasil apresenta um enorme potencial de crescimento e está entre os cinco maiores mercados domésticos do mundo.

A cadeia do transporte aéreo reúne vários parceiros, pois, para levar uma pessoa ou carga do ponto A ao ponto B, é necessário o envolvimento de empresas aéreas, aeroportos, fabricantes de aeronaves, controle do tráfego aéreo, agências de viagem, apenas citando alguns, dentre os mais importantes.

Por sua características operativas e transnacionais, tornou-se um dos sistemas de transporte mais regulados do mundo, pela Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci), um braço da ONU cujos principais objetivos são o desenvolvimento dos princípios e técnicas da navegação aérea internacional e a organização e o progresso dos transportes aéreos, de modo a favorecer a segurança, a eficiência, a economia e o desenvolvimento dos serviços aéreos.

O Brasil, além de seguir as regras e recomendações da Oaci, tem na  Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) o órgão regulador principal, que emite normas, certifica e fiscaliza empresas aéreas e aeroportos, entre outras empresas do setor.

Neste desenho institucional, cabe à Secretaria de Aviação Civil (SAC) do Ministério dos Transportes o propósito de coordenar e supervisionar ações voltadas ao desenvolvimento estratégico do setor da aviação civil e da infraestrutura aeroportuária e aeronáutica no Brasil.

O transporte aéreo doméstico e internacional no Brasil encerra com pé direito o ano de 2018, refletido pela recuperação da demanda, oferta e movimento de passageiros.

No aspecto legal, foram várias novidades – marcadas por questões polêmicas. Dentre as quais, podemos citar a alteração da regulação no que diz respeito à cobrança de bagagem e assento em aeronaves, a entrada em vigor da Nova Lei do Aeronauta e o Novo Código Brasileiro de Aeronáutica, que já conta com a aprovação das comissões do Senado, devendo ir a plenário no próximo ano.

Desafios para 2019
Previsões otimistas para 2019 tornam os desafios ainda maiores.

Como toda indústria, a do transporte aéreo precisa se inovar constantemente, seja no aspecto tecnológico, com aviões mais econômicos, seguros, e menos poluentes, seja pela racionalização do ambiente regulatório, a fim de que se removam barreiras de inovação de mercado.

A aviação vem sendo desafiada pela revolução digital e a inovação constante é crítica para sua sobrevivência. Entretanto, são ainda muitas as barreiras para inovação por falta de conhecimento de como funciona a indústria pelo imediatismo de alguns setores ou simplesmente por razões políticas.

Um exemplo é o fato de que, no Brasil, a cobrança de bagagem despachada gerou grande polêmica e, além da judicialização da questão, cobram-se contrapartidas, como a redução do preço da passagem etc.

Por isso, é necessário que os órgãos de proteção de defesa do consumidor e os legisladores vislumbrem que o maior benefício desta regra é a criação de tarifas diferenciadas que permitam ao passageiro escolher aquela que melhor se enquadre à sua expectativa, sua necessidade e ao seu bolso. Ademais, não se vislumbra qualquer ilegalidade na cobrança da bagagem, não se podendo falar em cobrança abusiva numa norma “in abstrato” e que entendemos que está em consonância com a harmonização das relações de consumo prevista no artigo 4º, CDC.

O preço da passagem aérea tem em sua estrutura dois elementos chaves – combustível e câmbio – sobre os quais as empresas não têm controle e que representam mais de 60% do preço da passagem. Obviamente, os preços serão ditados pela variação destes dois componentes de custo, além da concorrência de mercado. Por outro lado, cabe às empresas aéreas dar transparência às tarifas e ser coerente com a flutuação do preço dos insumos. Assim, se é justificável que a tarifa de bagagem aumente quando os insumos estão mais caros, é justo que a mesma tarifa caia se houver redução no valor deles.

No mesmo diapasão, a liberdade de cobrança da bagagem, assim como a cobrança pela marcação do assento na aeronave, são alterações que fazem parte de um processo de desregulamentação do setor, iniciado há mais de 10 anos pela Anac.

Aos reguladores e órgãos de defesa do consumidor, cabe, isso sim, exigir o cumprimento das leis aplicáveis, no caso em concreto, principalmente daquelas que dizem respeito à segurança e qualidade do serviço, aos direitos e deveres do passageiro, aos passageiros com necessidade especial e aos atos ilícitos, por exemplo. A esse respeito, é importante lembrar que tramita no congresso projeto de lei para regulamentar as regras em caso de passageiros que, por atitudes temerárias, possam colocar em risco a segurança do voo (unrulled passengers).

Ainda no que concerne à inovação, um exemplo de sucesso são as chamadas empresas de “ultrabaixo custo” (ultra low cost) que já deixaram bem claro o enorme apetite do mercado para uma viagem aérea estritamente básica. Entretanto, a judicialização e a edição de leis que proíbem os atos que visam desregulamentar o setor limitam as possibilidades e dificultam a entrada, no mercado brasileiro, dessas iniciativas de baixo custo. O que ocorre é uma tentativa de fixar, por lei ou decisão judicial, as tarifas, quando, num mercado saudável, o preço do serviço deve ser regulado pelo próprio mercado, ou seja, pela concorrência entre os prestadores do serviço.

Note-se ainda que, além da resistência à desregulamentação do setor, há outros desafios a serem enfrentados no mercado brasileiro. Com efeito, duas empresas aéreas estrangeiras de baixo custo já se colocaram para o mercado brasileiro, a Norwegian Airlines e a Sky Airlines, para performar voos internacionais.

No entanto, como afirmou Jerome Cadier, CEO da LATAM Brasil, “hoje é mais barato para empresa estrangeira operar no Brasil do que uma nacional”, referindo-se ao custo associado às leis trabalhistas e tributárias no Brasil. [1]

Por outro lado, depois de sete anos de tramitação no Congresso Nacional e após sanção presidencial, foi finalmente aprovado o acordo de céus abertos entre Brasil e Estados Unidos.

O acordo aumentará o tráfego aéreo entre os dois países. o que impactará positivamente o mercado doméstico. Com a ampliação no número de voos, o Acordo de Céus Abertos contribui para o fortalecimento da competição entre as companhias aéreas, que podem abrir voos para cidades ainda não atendidas, oferecer melhores horários e conexões, expandir e fortalecer o transporte de carga e aumentar a oferta de empregos – todos estes fatores resultam em crescimento econômico do país.

O “Céus Abertos” também facilita o comércio e atrai novos negócios e investimentos, encorajando o aumento da produtividade e investimentos em infraestrutura no país. Além disso, o acordo irá beneficiar as empresas brasileiras em razão do aumento do número de passageiros em voos entre os dois países o que, por sua vez, alimentará o mercado doméstico, e reduzirá a interferência do governo nas decisões de aviação comercial, de modo que as companhias aéreas possam oferecer um serviço mais em conta, conveniente e eficiente.

Importante salientar que, pelo acordo, as companhias aéreas americanas continuam proibidas de fazer voos domésticos entre aeroportos brasileiros e vice-versa (chamado direito de cabotagem).

O texto também não altera o limite de 20% de capital estrangeiro nas empresas aéreas brasileiras, mas abre espaço para, no futuro, poder ampliar a participação das aéreas norte-americanas no Brasil. Isto porque o órgão antitruste dos Estados Unidos só autoriza fusões e aquisições se houver acordo de céus abertos com o país da companhia envolvida.

O projeto de lei que altera a participação do capital estrangeiro em empresas aéreas brasileiras está em discussão no Congresso Nacional, com grandes chances de ser aprovado no ano de 2019.

Já nos últimos dias úteis desse ano, a Anac liberou a licitação de mais doze aeroportos, abrindo assim o sexto round das concessões aeroportuárias, que tiveram início em 2011 com os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília.

A concessão de aeroportos tem como objetivo atrair investimentos para ampliar e aperfeiçoar a infraestrutura aeroportuária brasileira e, consequentemente, promover melhorias no atendimento aos usuários do transporte aéreo no Brasil. Os níveis de qualidade dos serviços determinados para esses aeroportos, baseados em padrões internacionais, estão previstos nos contratos de concessão, que são geridos e fiscalizados pela Anac.

O valor pago pelas outorgas de concessão, por força de lei, é recolhido ao FNAC, o Fundo Nacional da Aviação Civil, que tem como objetivo o desenvolvimento e o fomento do próprio setor. Na prática, parte dos recursos é empregada nas reformas dos aeroportos regionais, ainda sob gestão pública.

A curva de aprendizado ao longo dos sete anos foi muito importante para a definição das regras das concessões. Uma das mais importantes foi a retirada da Infraero na participação acionária dos novos consórcios – durante asas primeiras rodadas, a estatal mantinha 49%. Foram concessões feitas para angariar recursos para União Federal, como primeira prioridade. Os valores arrecadados foram substanciais, mas incompatíveis com a sustentabilidade do negócio. O foco, que se mostrou distorcido, era muito mais voltado para a construção do que para a operação dos aeroportos.

O caso mais emblemático é o aeroporto de Viracopos, sobre o qual se trava uma batalha judicial, entre os acionistas e a agência reguladora. A concessionária utilizou-se de vários instrumentos para manter a concessão e evitar o pedido de recuperação judicial ou a rescisão unilateral do contrato, tendo inclusive a Aeroportos Brasil Viracopos (ABV) requerido liminar no STJ para obrigar o governo federal a analisar o pedido de devolução do aeroporto, além de tentar suspender o processo de caducidade da concessão aberto pela Anac.

Em maio de 2018, quase um ano depois de tentar devolver a concessão ao governo federal, a ABV sucumbiu ao acúmulo de problemas e entrou com o pedido de recuperação judicial para tentar escapar do processo de caducidade, que extingue o contrato de concessão, aberto pela Anac. Alia-se a isso a demora do Governo Federal para regulamentar a nova regra de “relicitação” para concessões deficitárias, como foi o caso de Viracopos. A judicialização da questão dificulta uma solução de mercado para o caso, que seria o mais apropriado.

As concessões atuais e futuras já absorveram estes ensinamentos e têm muito mais chances de sucesso. De forma diversa da rodada de concessões passadas, desta vez os Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental foram submetidos ao processo de consulta pública em conjunto com os documentos jurídicos relativos.

É de se ressaltar, nesse ponto, que, muito embora a concessão dos aeroportos tenha sido para a iniciativa privada, não se pode olvidar que as atividades essenciais dos aeroportos são eminentemente públicas, sendo importante que se estenda, às concessionárias, os mesmos benefícios que eram outorgados à Infraero , como por exemplo, isenção do IPTU.

Novos marcos legais
O Projeto de Lei 258/2016, que trata da modernização do Código Brasileiro de Aeronáutico, já foi aprovado pela comissão especial do Senado, e deverá ir ao plenário no próximo ano. O Código passou por uma criteriosa revisão de uma comissão formada por 25 técnicos e especialistas do setor, atualizando e ajustando os potenciais cenários vislumbrados no marco legal da aviação brasileira. O novo CBAer inclui no marco legal novidades que não estão contempladas no atual, que data de 1986, como as concessões da infraestrutura, a abertura de capital das empresas aéreas, as aeronaves não tripuladas, além de contextualizar o marco legal em diversos aspectos que foram se modificando ao longos de mais de 30 anos, como a criação da Anac.

Além disso, considerando que em 2020 entrará em vigor no Brasil a nova Lei Geral de Proteção de Dados, todas as empresas que efetuam tratamento de informações pessoais em suas atividades terão esse exíguo prazo para as adaptações necessárias à adoção das medidas de proteção, sob pena de lhe serem imputadas multas elevadas, além de condenações judiciais de grande monta. Empresas aéreas, agências de turismo, sistemas globais de distribuição (GDS) e aeroportos, terão que se preparar e se habituar a uma nova realidade.

Com efeito, enquanto a desejável e necessária aceleração dos processos – que se iniciam com a compra do bilhete até o efetivo embarque – demandam sistemas modernos como o salvamento de dados pessoais e sensíveis no sistema para a próxima compra, e o reconhecimento de passageiros por biometria facial nos aeroportos, é certo que a nova lei, visando dar efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, restringe ao máximo a utilização destes dados dissociada da efetiva necessidade à prestação do serviço e/ou interesse público.

Portanto, não serão poucos os desafios ao setor no ano 2019 que, no entanto, deverá ser encarado com otimismo, dado o crescimento da atividade e significativos avanços nos últimos anos.


[1] Valor Econômico, 30 de novembro de 2018.

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