Opinião

2018 guardou boas notícias para o Direito Desportivo

Autor

  • Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga

    é advogado Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa Professor CBF Academy; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; Secretário Geral da Comissão de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB.

25 de dezembro de 2018, 6h05

Preocupação, receio e temor talvez sejam as palavras mais adequadas para se referir ao futuro do desporto no Brasil, fato este que certamente acarretará impactos no Direito Desportivo a longo prazo.

Isso porque em que pesem as esperanças depositadas no novo governo que terá início em 1.1.2019, o esporte está longe de ser prioridade. No plano apresentado pelo futuro presidente, o esporte aparece em citações relacionadas à educação e à saúde, com a inclusão de profissionais de educação física em programas pontuais.

A anunciada extinção do Ministério do Esporte pode ser considerada como um grande retrocesso, nada obstante ainda ser cedo para se fazer uma análise criteriosa e objetiva. Não há dúvidas de que a aproximação do esporte com a educação traz benefícios diretos para o desporto de base e o desporto educacional, entretanto, reduz os investimentos no desporto de alto rendimento.

Não se pode perder de vista que é fundamental que o homem compreenda através do desporto a importância da submissão às regras dos jogos e o respeito à autoridade da ordem hierárquica, tal fato predispõe a aceitar o chefe e a abominar o tirano ou o ditador (Lyra Filho: 1952).

É umbilical a ligação do desporto com a saúde, a democracia, a cultura e a educação, o que autoriza uma atenção especial dos governantes para esta área tão importante.

Felizmente o ano de 2018 guardou boas notícias para o Direito Desportivo e que merecem ser comemoradas.

A principal delas foi a afirmação da autonomia dessa área do Direito mediante o reconhecimento atribuído pelo Ministério da Educação, conforme publicação ocorrida no Diário Oficial da União de 18.12.2018, com a homologação da Resolução do Conselho Nacional de Educação das novas diretrizes dos cursos de Direito, na qual o Direito Desportivo passa a ser recomendado e incluído nos Projetos Pedagógicos do Cursos de Direito (PPC) como uma das "novas competências e saberes necessários aos novos desafios que se apresentem ao mundo do Direito". Tal fato demonstra o prestígio e reconhecimento da importância dessa área, mas com respeito à autonomia universitária na definição das respetivas matrizes curriculares. De acordo com a resolução, ficam mantidos os núcleos obrigatórios nos currículos, (Direito do Trabalho, Direito Constitucional, Direito Penal e outros).

Mais uma vez a Justiça do Trabalho foi protagonista no que se refere ao Direito do Trabalho Desportivo, tendo em vista as decisões proferidas, principalmente o Tribunal Superior do Trabalho que teve relevante papel ao se pronunciar em Habeas Corpus impetrados no âmbito daquela Corte.

Os eventos de direito desportivo no país se multiplicaram e difundem o conhecimento do Direito Desportivo Brasil afora.

No âmbito do Poder Legislativo pode se dizer que não houve avanços. Por se tratar de um ano com eleições para escolha do presidente da República, governadores, deputados e senadores, as reformas da Lei Pelé que tramitam no Congresso Nacional não tiveram movimentações relevantes, o que é de se lastimar.

Direito do Trabalho Desportivo
Já se conhece que a quantidade de processos ajuizados em face de clubes de futebol em trâmite perante a Justiça do Trabalho não é elevada (cerca de 3 mil processos), porém, a grande maioria das decisões é destacada pelos veículos de comunicação dos próprios tribunais e pela imprensa.

A própria Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) criada pela CBF tem sido utilizada como forma alternativa de solução de conflitos trabalhistas. Em que pese o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário, se uma das partes não contestar a decisão judicialmente, a vontade das partes deve ser respeitada. O que não pode ocorrer é coação ou pressão para atletas se valerem exclusivamente da CNRD, conforme já relatado em denúncias de contratos com tais previsões.

Neste ano de 2018, podem ser destacadas duas decisões que terão grande impacto na relação de trabalho desportivo. São duas decisões que tratam de um mesmo tema e que foram decididas em sentidos diametralmente opostos, ambas em Habeas Corpus impetrados no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho.

No final de junho de 2018, o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, deferiu liminar em HC para autorizar o atleta Gustavo Scarpa a exercer suas atividades profissionais perante o clube que escolher. O atleta buscava a rescisão indireta do contrato com o Fluminense, do Rio de Janeiro, em virtude do atraso de salários e das parcelas relativas ao direito de imagem. De acordo com o magistrado, manter atleta aprisionado a um contrato deteriorado pela mora atenta contra os princípios da boa-fé e da liberdade de trabalho.

Em que pese a interposição de Agravo Regimental pelo clube, a maioria dos ministros da SDI-II (órgão responsável pelo julgamento de Ações Rescisórias, Mandados de Segurança e Habeas Corpus), já havia se posicionamento em conformidade com a decisão do ministro Relator, sendo que no dia 21 de agosto, os ministros Alexandre de Souza Agra Belmonte, Delaíde Miranda Arantes, Maria Helena Mallmann e Emmanoel Pereira, do TST, votaram no sentido de confirmar liminar que. Naquela data o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Douglas Alencar Rodrigues. Todavia, mesmo que houvesse divergência, os ministros faltantes à proferir voto não seriam suficientes para alterar a maioria formada, a favor do atleta, ainda mais se considerado o fato da ministra Delaíde ter presidido aquela sessão e seu voto, em caso de empate, ser de qualidade. Pouco tempo depois as partes chegaram a um acordo (Processo: 1000462-85.2018.5.00.0000).

Todavia, essa não foi a última palavra proferida pela mais alta corte trabalhista do país.

Poucos meses depois houve uma guinada de 180º e a jurisprudência foi alterada.

No dia 19.12.2018, foi publicado acórdão da SDI-II no qual restou fixada a tese de que o habeas corpus tem cabimento restrito nas hipóteses de defesa da liberdade de locomoção primária, sendo esta entendida como o direito de ir, vir e permanecer. Portanto, sua admissibilidade somente poderia ser utilizada como meio de proteção de direitos que tenham na liberdade física condição necessária para o seu exercício.

Tal posicionamento foi fixado no julgamento do HC-1000678-46.2018.5.00.0000 que teve como paciente o atleta Felipe Camargo de Souza.

Na decisão, o relator do processo ministro Alexandre Ramos afirmou que contraria o entendimento majoritário do STF e do STJ a admissão de habeas corpus para discutir cláusula contratual de atleta profissional, com pedido de transferência imediata para outra agremiação desportiva e de rescisão indireta do contrato de trabalho, por não afetar restrição ou privação da liberdade de locomoção. Logo, se a discussão afeta somente secundariamente a liberdade de locomoção, decorrente de liberdade de exercício de profissão ou trabalho, não cabe habeas corpus, caso em que o direito deve ser tutelado por outro meio admitido em Direito.

A restrição do cabimento do remédio heroico pode significar abrir mão de uma competência que foi dilatada pela Emenda Constitucional 45/2004. Outrossim, a curta duração da carreira do atleta autoriza medidas de urgência e uma manifestação as instâncias superiores de forma célere, sob pena de inviabilizar a carreira desse profissional.

À guisa de exemplo, em relação ao atleta Gustavo Scarpa, se prevalecesse o entendimento atual, o jogador não teria sido campeão brasileiro pelo Palmeiras e não estaria jogando no seu clube anterior em razão do próprio desgaste da relação, nada obstante o incontroverso atraso de salários.

Logo, acertada a decisão do ministro Alexandre Belmonte que avaliou que naquele caso, o Habeas Corpus era cabível tendo em vista o contrato de trabalho deteriorado pela mora contumaz.

Em se tratando de atleta profissional, cada caso é único e merece uma atenção individualizada, pois a decisão que vier a ser proferida pela Justiça do Trabalho poderá inviabilizar a carreira do atleta para sempre.

Eventos de Direito Desportivo
Inúmeros foram os eventos realizados por instituições de Direito Desportivo nacionais, no Brasil e no exterior. Seriam necessárias várias páginas para registrar todos os eventos, razão pela qual apenas alguns serão retratados.

Já em fevereiro, a Academia da Federação Paulista de Futebol promoveu o Seminário “A Reforma Trabalhista e o Futebol”, com especialistas que debateram a temática de forma ampla e abrangente.

No mês de março o tradicional Simpósio Internacional de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Aasp, contou com paineis dedicados ao Direito Desportivo com temas relacionados ao Contrato Especial de Trabalho Desportivo.

Em abril a Academia Nacional de Direito Desportivo realizou o seu tradicional Jurisports que ocorreu em Orlando, no estádio do Orlando City e que contou com a presença de seu proprietário Flávio Augusto Silva e vários profissionais que militam na área, com palestrantes americanos e brasileiros.

O Grupo de Pesquisa sobre Dupla Carreira Esportiva da UnB realizou um evento inédito no mês de maio que foi o I Seminário Internacional sobre Dupla Carreira Esportiva, com temas ligados à Legislação Esportiva Brasileira e a Dupla Carreira, bem como os Aspectos Práticos que envolvem o desafio de conciliar estudos com a prática desportiva.

O Ministério do Esporte realizou o Seminário Internacional de Gestão e Governança no Futebol no mês de maio, que contou com a presença de profissionais de gestão e governança, do Brasil e da Inglaterra .

A Escola Judicial do TRT da 6ª Região promoveu o Seminário Direito Desportivo Trabalhista no mês de junho. O evento contemplou temas variados, afetos aos desportos, com renomados especialistas na área e tendo como público-alvo magistrados, servidores e estagiários.

No mês de setembro foi realizado em Brasília um evento que reuniu Ministros de todas as Cortes Superiores para debaterem temas relacionados às suas áreas de atuação. Em “O Desporto que os Tribunais Superiores Praticam”, integrantes do TST, STJ e TCU levaram questões relacionadas à tributação no desporte, direito de imagem, governança e contrato de trabalho do atleta. A abertura do evento contou com a presença do Presidente do STF e do TST.

O 5º Simpósio de Direito Desportivo e Esporte da Baixada Santista ocorreu no mês de outubro, em Santos. A abertura oficial aconteceu no salão do Conselho Deliberativo do Santos Futebol Clube, enquanto que nos dias seguintes os painéis foram realizados no Museu Pelé. O evento contou com palestrantes de mais de 15 países.

O mês de novembro foi marcado pelo Jurisports-Buenos Aires, em evento no qual se debateram temas como o e-sports, criptomoedas como forma de remuneração de atletas, formação desportiva, dentre outros. Participaram da abertura o Embaixador do Brasil na Argentina e da Presidente da Suprema Corte da Colômbia.

Para encerrar o calendário desportivo de 2018, o mês de dezembro foi reservado ao tradicional evento do IBDD, que reuniu autoridades do esporte e do Direito Desportivo para debater temas sensíveis e polêmicos.

É importante destacar o papel das Comissões de Direito Desportivo das OABs que realizaram grandes eventos neste ano de 2018, valendo aqui destacar, a OAB do Paraná, Santa Catarina, Goiás, Alagoas, Pernambuco, Bahia e do Distrito Federal.

Justiça Desportiva
O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) realizou sessões itinerantes em várias cidades do território nacional. A iniciativa é louvável, na medida em que propicia uma maior interação fora do eixo Rio-São Paulo.

Durante o ano de 2018 muitos atletas e dirigentes foram condenados com pagamento de multas e cumprimento de suspensões em razão de condutas praticadas durante jogos.

Os membros do STJD do Futebol participaram do Workshop Novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva. O evento foi realizado no Auditório do Maracanã e os participantes puderam debater possíveis atualizações no CBJD. O evento foi organizado em parceria com a Comissão de Direito Desportivo da OAB-RJ.

O Pleno do STJD do Futebol concluiu no mês de dezembro o julgamento do ex-presidente da Federação Paraibana de Futebol, Amadeu Rodrigues, por suposto envolvimento na operação cartola. Por unanimidade dos votos, Amadeu foi multado em R$ 20 mil e banido do futebol.

Outras modalidades desportivas, como o basquete, por exemplo, pleitearam a aplicação de contratos de trabalho desportivos para os atletas, com previsões de direitos e obrigações para todos. Caso seja implementada será uma medida louvável, tendo em vista que o registro deste contrato na entidade de administração do desporto fará com que a Lex Sportiva passe a reger esses contratos.

Direito Desportivo nas Universidades
Uma grande vitória para o Direito Desportivo foi o reconhecimento pelo MEC do Direito Desportivo como possibilidade de inserção nos planos pedagógicos dos cursos de direito.

Tal fato decorre da notoriedade e importância que o Direito Desportivo amealhou com o passar dos tempos.

Há muitos anos a inclusão do Direito Desportivo nas Universidades de Direito tem sido uma bandeira levantada por especialistas, como se infere do notável parecer do professor Álvaro Melo Filho, que há muitos anos demonstra a importância deste ramo do direito.

No mês de julho houve uma importante reunião realizada com profissionais de Direito Desportivo, representantes da Academia Nacional de Direito Desportivo e da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo. O evento foi conduzido pelo Professor Ângelo Vargas e pelo Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos na Universidade Gama e Souza no Rio de Janeiro.

Naquela oportunidade foi registrado que o desporto deixou de ser apenas uma atividade lúdica há muitos anos, e o estudo aprofundado das normas que regem a atividade desportiva se faz extremamente necessária, para atrair mais profissionais para este ramo e capacitá-los à altura das necessidades do mercado de trabalho e do acadêmico.

É notório o número cada vez maior de estudantes de Direito que se interessam sobre o tema, inclusive ingressam nos cursos com a intenção de se dedicarem ao estudo do Direito Desportivo, sentindo-se frustrados por não estudarem tal disciplina nos bacharelados.

No livro Temas Atuais de Direito Desportivo, escrito no ano de 2015, tive a oportunidade de defender, em um capítulo, a necessidade de se incluir o Direito Desportivo como matéria obrigatória nos cursos de Direito. Desde aquela época fui convencido da importância deste ramo, sua autonomia em relação às demais disciplinas e da necessidade de o acadêmico de direito ter contato com a matéria durante o bacharelado.

Com efeito, a inclusão da disciplina nos currículos dos cursos de Direito, além de agregar conhecimento específico em tão instigante disciplina, atrairá maior interesse dos jovens nos cursos jurídicos.

A partir do momento em que esta área passa a constar dos Projetos Pedagógico de Cursos, restará possível oferecer uma análise aprofundada em relação a matéria, contemplando a evolução histórica do Direito Desportivo, sua denominação e conceito; autonomia do Direito Desportivo e sua inter-relação com os demais ramos do Direito; fontes e princípios do Direito Desportivo; função social do desporto. Tema que desperta grande interesse e que é carente de profissionais no mercado diz respeito à organização e ao funcionamento da Justiça Desportiva. A Competência da Justiça Desportiva também poderá ser tratada à luz do que dispõe o artigo 217 da Constituição Federal, bem como serão tratados temas relacionados ao processo desportivo, entidades nacionais e internacionais desportivas, Doping: Autoridade Brasileira Antidopagem-ABCD e organismos internacionais, Lei Geral do Desporto, Relações de consumo no esporte, Estatuto do Torcedor e Lei de Incentivo ao esporte.

A OAB também foi protagonista e teve relevante papel neste assunto.

Há alguns anos que a importância do Direito Desportivo tem ocupado papel de destaque nas discussões da referida entidade. Foi neste ano de 2018 que finalmente foi realizado o 1º Colégio de Presidentes de Comissões de Direito Desportivo, com debates acerca de questões que são comuns às Seccionais das OABs e suas Comissões de Direito Desportivo, como, por exemplo, elaboração de Regimento Interno, capacitação de membros de Tribunais de Justiça Desportiva e claro, a adoção de procedimentos para incluir o Direito Desportivo como matéria obrigatória nas Faculdades de Direito.

O 1º Colégio de Presidentes ocorreu nos dias 08 e 09 de junho na cidade de Goiânia e contou com presidentes das Comissões de Direito Desportivo das OABs, do presidente da Comissão de Nacional de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB e do presidente da Academia Nacional de Direito Desportivo.

Ainda que a inclusão do Direito Desportivo nos planos pedagógicos seja ainda de forma optativa, trata-se de um grande avanço e reconhecimento da importância, autonomia e relevância desta área.

A expectativa é a de que o Direito Desportivo continue em ascensão e receba maios atenção das Universidades em razão da Resolução do Conselho Nacional de Educação. Todavia, é fundamental que o desporto seja sempre prestigiado pelos Governos, em todos os âmbitos, em razão de sua notória importância que vai desde a educação e formação do cidadão, a saúde da coletividade e a própria democracia. Sem o desporto de nada vale um Direito Desportivo com base apenas em teorias.

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