Reflexões Trabalhistas

Limites da possibilidade de terceirização nas relações de trabalho

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21 de dezembro de 2018, 7h05

Pedro Paulo Manus [Spacca]A questão dos limites da terceirização nas relações de trabalho foi tema que sempre ensejou acirrados debates entre nós. E, tendo em conta a inexistência de legislação estabelecendo tais limites, viu-se obrigado o Tribunal Superior do Trabalho a editar à época o enunciado 256 que posteriormente foi transformado na Súmula 331, e que estabeleceu como regra a vedação à terceirização na atividade-fim do tomador de serviços.

Deste modo convivemos por bastante tempo com a limitação da possibilidade de terceirização lícita somente na denominada atividade-meio do empregador.

Com o passar do tempo a questão cada vez ensejou mais debates, inclusive com a regra da súmula do Tribunal Superior do Trabalho atritando com a possibilidade legal, por exemplo, de terceirização na atividade-fim no ramo da construção e conservação de estradas de rodagem.

A questão da terceirização sempre envolveu um tema importante que diz respeito à proibição de precarização das condições de trabalho, o que pode ocorrer nos casos em que se utiliza indevidamente da terceirização para sonegar direitos ao trabalhador, como se constatou um muitos casos. Eis porque sempre entendemos que o problema sério não era o tipo de atividade desenvolvida, mas sim a relação havida entre tomador e prestador de serviços. Deste modo, havendo terceirização formal, mas constatando-se a subordinação hierárquica do trabalhador ao tomador de serviços, verifica-se uma falsa terceirização. De outra parte, caracterizando-se a prestação de serviços sem a presença dos elementos que compõem o contrato individual de trabalho, para nós, doutrinariamente, pouca importância haveria em se tratar de atividade-meio ou fim. Não obstante, curvamo-nos ao entendimento jurisprudencial, enquanto o mesmo prevaleceu.

Posterior decisão do Supremo Tribunal Federal, contudo modificou o entendimento até então prevalecente na jurisprudência, sob o argumento de que a norma constitucional não autoriza vedar a terceirização em qualquer atividade, passando o Tribunal Superior do Trabalho a aceitar esta nova diretriz, como se vê:

Ac. da 4ª Turma, Rel. Min. Caputo Bastos (Proc. nº TST-RR-205000-62.2009.5.02.0434) Agravo de Instrumento. Cooperativa. Vínculo de Emprego. Tomador de Serviços. Provimento. Ante a possível violação do artigo 442, parágrafo único, da CLT, o destrancamento do recurso de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento a que se dá provimento.

Recurso de Revista. Cooperativa. Vínculo de Emprego. Tomador de Serviços. Provimento. Cinge-se a controvérsia em verificar a possibilidade do reconhecimento de vínculo de emprego entre trabalhador cooperado e empresa tomadora de serviços. Como é cediço, as cooperativas se caracterizam como associação de pessoas, de natureza civil, constituídas, em regra, para prestar serviços aos seus associados, os quais aderem voluntariamente a esse tipo de associação. Tal definição se extrai do artigo 4º da Lei nº 5.764/71, diploma que regula o cooperativismo no Brasil. Segundo o artigo 5º da referida lei, essa modalidade de sociedade poderá adotar como objeto qualquer tipo de serviço, operação ou atividade, donde se conclui inexistir empecilho legal para a constituição das chamadas "cooperativas de trabalho" ou "cooperativas de mão de obra", nas quais um grupo de pessoas de determinada categoria profissional se unem para prestar serviços a terceiros, em troca de uma contraprestação pecuniária. Para essa forma de labor, a lei afasta, expressamente, o vínculo de emprego entre o sócio cooperado e o tomador de serviços, dada a natureza civil da relação jurídica. Tal vedação encontra-se prevista no parágrafo único do artigo 442 da CLT, que foi introduzido pela Lei nº 8.949/1994. Diante de tal previsão legal, esta Corte Superior vinha entendendo que somente na hipótese de fraude, com a demonstração de que a cooperativa foi criada para finalidade diversa ou desvirtuada de seus objetivos, em explícita burla à legislação trabalhista, é que se poderia reconhecer o vínculo de emprego entre o trabalhador intermediado pela cooperativa e o tomador dos serviços. Este Tribunal Superior, inclusive, tem larga jurisprudência sobre a matéria, na qual se afasta o óbice da impossibilidade do reconhecimento do vínculo de emprego previsto no artigo 442, parágrafo único, da CLT, aplicando-se para a circunstância o artigo 9º do mesmo diploma, o qual tem como nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista. A questão, contudo, foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 e no RE 958.252, em repercussão geral, os quais foram julgados conjuntamente em 30.8.2018, ocasião em que foi fixada a seguinte tese jurídica: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante." Desse modo, a partir dessa data, em razão da natureza vinculante das decisões proferidas pelo excelso Supremo Tribunal Federal nos aludidos feitos, deve ser reconhecida a licitude das terceirizações em qualquer atividade empresarial, de modo que a empresa tomadora apenas poderá ser responsabilizada subsidiariamente. No presente caso, o Tribunal Regional reconheceu a ilicitude da terceirização de serviços por meio de cooperativa, por entender que a reclamante fora contratada para exercer "atividade de 'auxiliar de enfermagem' consiste em atividade necessária ao estabelecimento da primeira reclamada, que se dedica à prestação de serviços médicos domiciliares". Nesse contexto, em razão dos fundamentos acima consignados, entendo que o egrégio Tribunal Regional, ao manter o reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços, acabou por dissentir do entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, bem como do disposto no artigo 442, parágrafo único, da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

Eis, então, a nova orientação a seguir, ainda porque este julgado vincula todos os julgadores, apontando a regra a observar.

Não é demais, contudo advertir, que a possibilidade da terceirização em todas as atividades em absoluto não significa ignore os pressupostos do contrato individual de trabalho. A terceirização lícita exige que a realidade da prestação de serviços reflita a forma eleita pelas partes, a fim de que seja aceita.

Assim, ainda que formalmente estejamos diante de uma terceirização, caso se constate na prática fraude ao contrato e trabalho, este deverá ser declarado, ainda que se trate de atividade-meio ou atividade-fim.

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