Opinião

Necessidade de regulamentação da lei anticorrupção empresarial

Autor

  • Tatiana Camarão

    é mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da UFMG diretora-secretária do Instituto Mineiro de Direito Administrativo e professora de Direito Administrativo.

19 de dezembro de 2018, 6h43

No dia 1º de agosto de 2013 foi promulgada a Lei 12.846, que dispôs sobre a responsabilização e aplicação de sanções administrativas e judiciais às empresas que praticarem atos lesivos à administração pública.

A aplicação das novas disposições anticorrupção, no entanto, necessita de trâmite do procedimento próprio, exigindo regulamentação específica, notadamente sob o ângulo operacional das apurações e acordo de leniência.

Nesse contexto, cada ente da federação, por meio de seus Poderes, deve regulamentar a competência para instauração, processamento e decisão do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), bem como para celebração do Acordo de Leniência e aferição do programa de integridade das pessoas jurídicas que mantenham relação com os órgãos públicos.

Passados quase cinco anos da edição da Lei Anticorrupção Empresarial, verifica-se que ainda não se consolidou a necessidade de sua regulamentação, comprometendo a sua eficácia em vários órgãos, uma vez que não resta definido o rito do procedimento administrativo a ser seguido.

Esta omissão decorre, principalmente, da crença de que o Decreto Federal 8.420/15, que disciplina o processo administrativo de responsabilização no âmbito do Poder Executivo Federal, tem aplicação abrangente de regular a matéria para os poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Trata-se, entretanto, de interpretação equivocada que merece atenção, pois citado regulamento se dedica a disciplinar o PAR exclusivamente para os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, tanto é que as autoridades instauradoras são os m, CGU e autoridade máxima da entidade da administração indireta, conforme se observa nos artigos 3º, 13 e 14[1].

Em verdade, cada Poder dos entes da federação é responsável pela elaboração de normativo que se amolda à sua realidade, a fim de dar vigência ao Processo Administrativo de Responsabilização na área de sua atuação.

Em alguns estados[2], a exemplo do Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais, o Poder Executivo já promoveu a regulamentação. Porém, aproximadamente metade dos entes estaduais ainda se encontra faltoso.

Esta realidade fica mais crítica no caso dos municípios, pois desconhecem a atribuição que lhes foi conferida e a necessidade de exercê-la[3]. Diante disto, a Corregedoria-Geral da União tem envidado esforços para apoiá-los e elaborou propostas de decreto a serem apresentadas como sugestões para as autoridades municipais. São três versões distintas – simplificada, intermediária e completa[4]– disponibilizadas no endereço eletrônico da CGU.

A realidade também é preocupante no caso dos Poderes Legislativo, Judiciário e órgãos independentes, como os tribunais de contas e Ministério Público, que desempenham atividade de natureza administrativa, e devem, semelhantemente, editar seus normativos, detalhando atribuições e operacionalização de procedimentos.

Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça editou a Resolução 880/2018, instituindo e regulamentando o Processo Administrativo de Responsabilização, previsto no Capítulo IV da Lei federal 12.846/2013, no âmbito do Poder Judiciário de Minas Gerais, haja vista que o Decreto Estadual 46.782/15 se restringiu apenas ao Poder Executivo.

Trata-se de tribunal pioneiro na regulamentação da lei, pois estabelece a autoridade competente para instaurar o PAR, os dados que devem constar da intimação, quem poderá integrar a comissão processante, como se dará o procedimento revisional, os prazos processuais, entre outras informações essenciais para o trâmite do processo sancionatório. Este normativo poderá servir, portanto, como referência para os demais tribunais de Justiça, que deverão criar procedimentos próprios.

Como podemos ver, é necessário despir-se do entendimento de que o regulamento federal se estende a todos os Poderes, mesmo porque cada órgão possui especificidades próprias da sua estrutura. Por outro lado, é necessário ter atenção ciosa para que, no afã de construir o regulamento, não se adote o comportamento errático de reproduzir a arquitetura normativa de outros órgãos e tornar o procedimento um fracasso retumbante.

Olhando o retrovisor, verificamos que esse modus operandi foi o caminho trilhado na regulamentação de vários normativos, a exemplo do Estatuto da Cidade, que exigiu que os municípios com mais de 20 mil habitantes, tivessem, cada um deles, seu Plano Diretor, sob pena de não receberam sua cota parte no FPMs e no ICMS, levando-os a produzirem instrumentos que não se compatibilizavam com as realidades locais, comprometendo a aplicabilidade, efetividade e eficácia jurídica da Lei 10.257/01 [5].

Concluindo, a Lei 12.846/2013 é um marco regulatório que se apresenta como verdadeiro divisor de águas no combate à corrupção, contudo, sem a sua regulamentação amoldada à realidade do órgão, se tornará letra em branco.


[1] Art. 3º A competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado.

Art. 13. A Controladoria-Geral da União possui, no âmbito do Poder Executivo federal, competência:

I – concorrente para instaurar e julgar PAR; e

II – exclusiva para avocar os processos instaurados para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.

Art. 14. Compete à Controladoria-Geral da União instaurar, apurar e julgar PAR pela prática de atos lesivos à administração pública estrangeira, o qual seguirá, no que couber, o rito procedimental previsto neste Capítulo.

[2] Goiás – Decreto 18.672/14; Maranhão – Decreto 31.251/15; Espírito Santo – Decreto 3.956 – R/2016; Mato Grosso – Decreto 522/2016; Mato Grosso do Sul – Decreto 14.890/17; Minas Gerais – Decreto 46.782/2015; Paraná – Decreto 10.271/2014; Tocantins – Decreto 4.954/2013; São Paulo – Decreto 60.106/2014; Alagoas – Decreto 52.555/17; Pernambuco – Lei 16.309/18; Rio Grande do Norte – Decreto 25.177/15; Santa Catarina – Decreto 1.106/17; Rio de Janeiro – Decreto 46.366/18; Rio Grande do Sul – Lei 15.228/18; Distrito Federal – Decreto 37.296/2016.

[3] Poucos municípios já editaram o regulamento do PAR. Podemos citar o município de São Paulo: Decreto Municipal 55.107; Município de Belo Horizonte – Decreto Municipal 207/2015; Município de Vitória – Decreto 16.522/15.

[5] A esse respeito sugerimos leitura do artigo de Daniela Libório (Estatuto da Cidade: 15 anos da Lei 10.257/01. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba.v. 37, n. 131, p. 67-78, jul./dez. 2016.

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