Batalha pela Suprema Corte

Proposta sugere 33 ministros para despolitizar Suprema Corte dos EUA

Autor

19 de dezembro de 2018, 8h22

Algumas propostas estão em discussão para mudar a “configuração” da Suprema Corte dos EUA. Hoje, a corte tem nove ministros – cinco conservadores, que se afinam com os republicanos, e quatro liberais, que se afinam com os democratas. A proposta mais radical sugere aumentar o número de ministros para 33. Dizem seus defensores que essa seria a maneira mais fácil de despolitizar a Suprema Corte.

Em um país dividido, quase que meio a meio, entre republicanos-conservadores e democratas-liberais, cada caso que empolga a opinião pública por seu conteúdo político – como aborto, casamento gay, Obamacare (o seguro-saúde dos pobres), imigração, etc. – toma-se um jogo de cartas marcadas: todo mundo sabe que a decisão será por 5 votos a 4, a favor da maioria.

Com 33 ministros, teoricamente as decisões deixariam de ser previsíveis – e raramente políticas – se os casos fossem decididos por turmas de três ministros e por um plenário de 15 ministros quando necessário, a exemplo do que ocorre hoje nos tribunais federais regionais de recursos. Teoricamente, os julgamentos da Suprema Corte deixariam de ser um jogo com resultado antecipado.

Uma vantagem colateral importante, segundo os defensores da proposta, é que a Suprema Corte iria julgar uma quantidade muito maior de processos do que julga hoje. Atualmente, a Suprema Corte julga cerca de 75 a 100 casos, dos sete ou oito mil que são protocolados por ano. Ou seja, a corte julga cerca de 1% das petições protocoladas.

Dizer que a Suprema Corte não decide cerca de 99% dos casos que batem a sua porta não é uma informação exata. Na verdade, ao decidir não aceitar um caso com um despacho de uma ou duas linhas, a corte decide que prevalece a decisão do tribunal inferior. Mas, com 11 turmas de três ministros, a corte poderia decidir milhares de processos por ano – e criar mais jurisprudências.

A proposta de 33 ministros na corte não é uma criação inteiramente nova. Ela apenas reflete o que é hoje o 9º Tribunal Federal Regional de Recursos, sediado na Califórnia. O tribunal, que cobre 13 distritos judiciais, em oito estados, tem 29 juízes, com turmas de três juízes e plenário com 15. O tribunal julga milhares de processos por ano, mas a Suprema Corte só aceita, em média, 12 recursos por ano contra suas decisões.

15 ministros
Em uma composição de 15 ministros, 10 ministros seriam escolhidos de acordo com o sistema atual, em que republicanos escolhem juízes conservadores e democratas escolhem juízes liberais. Teria-se, então, cinco ministros conservadores e cinco ministros liberais.

Prevendo-se que os julgamentos de casos com conteúdo político terminariam empatados em 5 a 5, os dez ministros escolheriam, por consenso, cinco juízes dos tribunais regionais de recursos – provavelmente, juízes moderados, de alto saber jurídico, sem tendências ideológicas, que não iriam pender nem para um lado, nem para ou outro, na visão partidária.

Também se fala, vez ou outra, que os ministros e os juízes federais poderiam ser escolhidos por uma comissão judicial, formada por membros da comunidade jurídica. Mas essa é uma proposta sem força, porque ninguém quer abrir mão da festa (ou da guerra) que é nomear um novo ministro para a Suprema Corte.

Mais importante que isso, a nomeação de ministros para a Suprema Corte é um fator decisivo para eleitores conservadores votarem em republicanos e eleitores liberais votarem em democratas. A visão de uma corte conservadora ou liberal esquenta as eleições.

Outras alternativas
Existem outras possibilidades de “reconfiguração” da Suprema Corte, que são discutidas atualmente. Mas, antes, é preciso estabelecer o contexto:

A nomeação de ministros para a Suprema Corte dos EUA e a própria corte tornaram-se mais politizadas do que nunca, depois da morte, em fevereiro de 2016, do ex-ministro Antonin Scalia. O ex-presidente Obama indicou o juiz moderado Merrick Garland para substituí-lo, mas o Senado, com maioria republicana, sabotou a nomeação.

Os senadores republicanos argumentaram que o novo ministro deveria ser indicado, em 2017, por quem ganhasse a eleição para presidente em novembro de 2016. E se recusaram até a sabatinar Garland. Foi o início de uma batalha pela Suprema Corte.

Embora tenha perdido em número de votos, Donald Trump ganhou a eleição porque conseguiu mais delegados para o Colégio Eleitoral. Assim, o presidente Trump indicou para a cadeira de Scalia o juiz Neil Gorsuch, que tem uma sólida formação conservadora.

Os senadores republicanos confirmaram a nomeação de Gorsuch na marra – isto é, mudaram as regras do jogo. Até então, eram necessários os votos de dois terços dos senadores para confirmar a nomeação. Como os democratas se recusaram a votar em Gorsuch, os senadores republicanos apelaram para um recurso regimental chamado de “opção nuclear” – isto é, simplesmente mudaram a regra para maioria simples. E eram 51 votos republicanos contra 49 democratas.

A guerra pela Suprema Corte esquentou. Gorsuch tomou posse em abril de 2017, com os políticos democratas bradando que ele estava assumindo uma “cadeira roubada”. Assim, a Suprema Corte ficou como estava antes da morte de Scalia: cinco ministros conservadores e quatro liberais.

Mas a Suprema Corte ainda tinha o ministro conservador Anthony Kennedy, que vez ou outra votava com os liberais. Isso irritava os republicanos-conservadores, quando um caso tinha conteúdo eminentemente político.

Essa pequena desvantagem não durou muito. Em junho deste ano, o presidente Trump pediu ao ministro Kennedy para se aposentar. O ministro atendeu o pedido e Trump indicou para a vaga o juiz Brett Kavanaugh.

A batalha pela Suprema Corte pegou fogo. Kavanaugh foi acusado por três mulheres de assédio sexual, em seus tempos de universitário. Uma delas, a psicóloga e pesquisadora da conceituada Universidade de Palo Alto prestou depoimento no Comitê Judiciário do Senado. Mas, apesar de seu depoimento ser convincente, Kavanaugh foi confirmado pelos senadores republicanos, com a defecção de um senador compensada pelo voto do vice-presidente Mike Pence, que presidiu a sessão.

Kavanaugh, como Gorsuch, é um “sólido conservador”. Ambos são relativamente novos e, como todos os ministros e juízes federais, têm mandatos vitalícios. Consolidou-se entre os republicanos a ideia de que a Suprema Corte dos EUA terá maioria conservadora por pelo menos duas ou três décadas. Mas, isso não é garantido.

11 ministros
O Congresso pode mudar a composição da Suprema Corte, se quiser, com simples maioria de votos. A Constituição só estabelece que a nação tem de ter uma suprema corte. Então, um ministro já seria o suficiente. Historicamente, a Suprema Corte dos EUA já teve de seis a dez ministros.

Assim, os democratas podem acabar com a alegria dos republicanos se, nas eleições de novembro de 2020, elegerem o presidente e conquistarem maioria no Senado (quando dois terços das cadeiras da Casa estarão à disposição dos eleitores) e mantiverem a maioria na Câmara.

Tudo que os democratas terão de fazer, então, é aumentar o número de ministros da Suprema Corte de 9 para 11 ministros. E, em seguida, confirmarem a indicação, por um presidente democrata, de dois novos juízes para a corte. Feito isso, a corte terá 6 ministros liberais-democratas e cinco ministros conservadores-republicanos – fim de domínio republicano e início de domínio democrata.

Mandato de 18 anos
Outra proposta para impedir que uma ideologia política domine a Suprema Corte por várias décadas, como é o quadro que se apresenta agora, é terminar com o mandato vitalício dos ministros e criar mandatos de 18 anos. Essa é uma proposta que agrada a maioria dos americanos e dos juristas do país, segundo as pesquisas.

Quando a Constituição foi escrita, a expectativa de vida era de 50 anos. Mandatos de ministros duravam, em média, nove anos. Com o tempo, passaram a durar 16 anos, em média. Mais tarde, passaram a durar 30 anos, com ministros permanecendo no cargo até os 85, 90 anos, e só se aposentando “estrategicamente” – isto é, quando um presidente de seu partido está no poder.

Segundo essa proposta, o processo pode ser organizado de tal maneira, que um ministro se aposenta a cada dois anos. Assim, cada presidente, com mandato de quatro anos, pode nomear dois ministros – um no primeiro ano de seu governo e outro no terceiro ano. Se os eleitores reelegerem um presidente é porque preferem ministros da mesma ideologia na Suprema Corte.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!