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Liminar que vetou prisão após 2º grau seguiu ritos do STF, diz advogado do caso

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19 de dezembro de 2018, 16h56

A liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, para suspender a execução antecipada da pena e mandar soltar todos os que estiverem presos nessa condição não foi apressada, nem atropelou a avaliação do Plenário sobre o assunto, programada para 10 de abril de 2019. Afinal, a Ação Declaratória de Constitucionalidade 54 foi movida pelo PCdoB há oito meses. E o ministro tentou o máximo possível para que ela fosse incluída na pauta da corte antes de proferir a decisão.

Alice Vergueiro/IBCCRIM
Geraldo Prado diz que Marco Aurélio foi extremamente diligente antes de conceder liminar proibindo prisão após 2º grau.
Alice Vergueiro/IBCCRIM

Quem afirma é o advogado Geraldo Prado, que representa o PCdoB na ação. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro afirmou à ConJur que Marco Aurélio respeitou as liturgias do Supremo o máximo que foi possível. Ao receber a ADC 54 em 18 de abril, o vice-decano da corte optou por pedir à então presidente, ministra Cármen Lúcia, a inclusão do processo em pauta e não apreciou o pedido de liminar

Às vésperas do recesso judicial de julho, o PCdoB reforçou o pedido de liminar, conta Prado. Porém, Marco Aurélio voltou a não apreciar o requerimento, pois continuou cobrando que o Plenário avaliasse a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância. Meses se passaram, o ministro Dias Toffoli assumiu a presidência do STF, mas também não fixou uma data para que a questão fosse apreciada. Antes do (mais longo) recesso de fim de ano, o vice-decano resolveu examinar o pedido inicial e deferiu a liminar.

“Essa não é uma decisão de afogadilho, tomada em um rompante. É uma decisão precedida de oito meses de tramitação do processo. Se o caso tratasse da liberdade de uma só pessoa, esse prazo já seria exagerado. Tratando da liberdade de milhares de pessoas, a cautela do ministro foi levada ao limite extremo”, disse Geraldo Prado.

Ainda que outros ministros do STF discordem da decisão de Marco Aurélio, todos eles sabem que o relator tem competência para tomar uma decisão como essa, avalia o advogado. “Respeitar a decisão do ministro Marco Aurélio é respeitar o STF, o órgão máximo do Judiciário. Os demais ministros podem até eventualmente divergir do Marco Aurélio, mas eles concordam que ele tem legitimidade para proferir essa decisão”.

Manutenção da liminar
Com o início do recesso judicial nesta quinta-feira (20/12), o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, poderá eventualmente cassar a decisão de Marco Aurélio e manter as prisões após condenação em segunda instância. Essa não é a expectativa de Geraldo Prado e do PCdoB, contudo.

“Não cabe à parte fazer uma avaliação do que os ministros podem fazer, mas a expectativa do PCdoB é que essa liminar seja mantida. Porque ela não foi apressada, está muito bem fundamentada, há respaldo a ela no Regimento Interno do STF. A expectativa é que a decisão se estabilize, mesmo com críticas de parte da opinião pública”.

Devido à liminar, juízes poderão rever – de ofício ou a requerimento do encarcerado – as prisões. Aquelas baseadas em fundamentos cautelares – como as decretadas para garantia das ordens pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal – deverão ser mantidas. Já aqueles exclusivamente detidos por condenação em segunda instância deverão ser obrigatoriamente libertados, explica o professor da UFRJ.

Constituição acima de tudo
O advogado do PCdoB também elogiou a postura contramajoritária de Marco Aurélio. “O dever de um magistrado é defender a Constituição Federal, ainda que todos sejam contra uma decisão. Juízes não podem se guiar pela opinião pública”, declarou Prado, que também é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A decisão do vice-decano do Supremo, de acordo com ele, coloca o Brasil no caminho de uma sociedade mais humana e respeitosa dos direitos humanos. “Uma sociedade, no século XXI, não pode se orgulhar da violação de direitos fundamentais de milhares de pessoas”.

Além disso, Prado avaliou que a liminar do ministro restabelece a primazia da Constituição Federal. O artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“Não há duvida alguma que a execução da pena após condenação em segunda instância é inconstitucional, que não é possível executar a pena antes do julgamento de todos os recursos cabíveis. Não é cabível interpretação da Constituição contra sua própria letra. É inaceitável mutação constitucional contra temas já definidos pelo direito brasileiro”, opinou.

Idas e vindas
Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão vem sendo muito elogiada por Moro e pelos demais integrantes da força-tarefa da operação “lava jato”, mas é severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas.

Mais recentemente, no entanto, alguns ministros, especialmente Gilmar Mendes, vêm propondo que o STF volte a discutir a questão. A solução ideal, para esse grupo, é que a execução da pena possa ser executada depois da decisão do Superior Tribunal de Justiça, e não já a partir da segunda instância. A tese vem sendo defendida desde o primeiro momento pelo ministro Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo.

Para evitar o fim da execução antecipada, o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro disse que pretende consolidar essa configuração na legislação quando assumir o Ministério da Justiça. Para isso, no entanto, ele desrespeitaria cláusula pétrea da Constituição, estabelecida no artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Carta Magna, que, portanto, não pode ser abolida por meio de emenda constitucional.

Mesmo sem excluir essa garantia, não é possível reduzi-la, afirmam os constitucionalistas Lenio Streck e Ingo Sarlet, ambos colunistas da ConJur. Sarlet aponta que a presunção de inocência é uma regra, não um direito fundamental em sentido amplo. Portanto, não se pode alterar seu núcleo via reforma constitucional.

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