Opinião

Permitir corretor sem registro no Creci nas construtoras é imoral e ilegal

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19 de dezembro de 2018, 16h54

As redes sociais veiculam às escâncaras notícia que preocupa os corretores de imóveis, sob o título Empregado de construtora pode vender imóvel sem registro no Creci, decide STJ. A briga é antiga. Há decisões favoráveis e contrárias às construtoras. O próprio Judiciário não tem posição firmada. Na maioria das vezes, decide pelo melhor argumento. Aliás, é o que não nos falta. Vejamos:

1) A Lei 6.530/78, em seu artigo 3º, estabelece que “compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária”.

O artigo 2º do Decreto 81.871/78, regulamentador da Lei 6.530/78, repete o texto acima. Mas o seu artigo 3º decreta: “As atribuições constantes do artigo anterior poderão, também, ser exercidas por pessoa jurídica devidamente inscrita no Conselho Regional de Corretores de Imóveis da jurisdição”, com a seguinte ressalva, em seu parágrafo único: “O atendimento ao público interessado na compra, venda, permuta ou locação de imóvel, cuja transação esteja sendo patrocinada por pessoa jurídica, somente poderá ser feito por Corretor de Imóveis inscrito no Conselhos Regional da jurisdição”.

Data venia, não há maior clareza legal. Pessoa jurídica é mera ficção legal, é incorpórea, abstrata. Tudo o que a ela se atribui só se faz por meio de pessoas físicas, estas, sim, com personalidade própria, concreta. Portanto, se a empresa vende imóvel, ela o faz por meio de trabalho terceirizado a uma pessoa física, empregada ou não.

Ora, se a pessoa física é terceirizada ela é intermediadora do negócio. No caso, a pessoa física é mediadora, conciliadora dos interesses da construtora e do comprador. A construtora nada mais é do que patrocinadora do negócio, nos termos do parágrafo único do artigo 3º do Decreto 81.871/78. Mesmo porque pessoa abstrata, incorpórea, não decide por si. Por óbvio, só o Corretor de Imóveis pode ser essa pessoa terceirizada.

2) A decisão judicial ignora que o trabalho do Corretor de Imóveis é trabalho técnico, lastreado legalmente em curso de formação técnica de nível pós-médio ou superior, nos termos do artigo 2º da lei 6.530/78, que diz: “O exercício da profissão de Corretor de Imóveis será permitido ao possuidor de título de Técnico em transações Imobiliárias”.

Ora, tais cursos conferem conhecimentos técnicos indispensáveis ao exercício da mediação de negócios imobiliários. Ignorá-los seria o mesmo que admitir que, desde que empregado da construtora, qualquer um pode exercer a função de engenheiro ou arquiteto sem inscrição no Conselho da classe, ou de médico, no hospital.

Além disso, o Corretor de Imóveis inscrito no seu Conselho Regional, por força de submissão ao Código de Ética Profissional (Resolução-Cofeci 326/92)está obrigado, no exercício da profissão, a ser MEDIADOR dos interesses entre proprietário e comprador do imóvel, jamais a ser DEFENSOR dos interesses de qualquer das partes.

No entanto, um empregado de construtora, até por dever de lealdade ao seu empregador, está obrigado justamente ao contrário, ou seja, a DEFENDER os interesses de seu patrão, em total detrimento dos interesses do comprador. Portanto nada mais justo e legal que a intermediação imobiliária seja feita sempre por Corretor de Imóveis.

3) Natureza fiscal do imóvel – Há dois tipos de imóvel a serem considerados:i) imóvel lançado contabilmente como bem imobilizado, pertencente ao patrimônio da empresa. Nesta categoria se insere, por exemplo, o imóvel sede da empresa, ou de suas filiais; ii) imóvel não pertencente ao patrimônio imobilizado da empresa, construído ou adquirido com objetivo de ser vendido a terceiros. Neste caso, o imóvel é produto, é mercadoria produzida ou adquirida pela empresa, a fim de lhe gerar resultado operacional, lucro.

No primeiro caso, é admissível que o imóvel seja vendido diretamente pela empresa, sem a presença de Corretor de Imóveis, desde que o operador da venda seja o próprio dono ou sócio da empresa e não um seu empregado. Se houver uma terceira pessoa na operação do negócio, por certo, esta terá de ser um Corretor de Imóveis, sob pena de transgressão legal, como visto acima.

No segundo caso, não há o que ser discutido. O imóvel é PRODUTO, é mercadoria, resultante de produção própria ou aquisição que, quando vendido, proporcionará lucro operacional à empresa. Sem dúvida, para que se promova a MEDIAÇÃO e não a DEFESA de interesses, este produto só pode ser vendido por meio de Corretor de Imóveis.

4) Exploração do trabalho – Não menos relevante é a possível exploração de pessoas fragilizadas, emocional e financeiramente, por construtores inescrupulosos. A contratação de tais “vendedores” de imóveis, não raro, dá-se mediante remuneração inumana e péssimas condições de trabalho, em plantões que não dispõem mais do que um guarda-sol, sem instalações sanitárias, sem água, etc. A não exigência do Creci é usada como argumento para redução ou negação de benefícios sociais.

5) Enfim, a decisão judicial é absolutamente equivocada. O Cofeci já trabalha para ingressar como assistente na ação, que foi proposta pelo Ministério Público do DF, e ajudar na sua reversão. A sentença não é definitiva, foi decidida por maioria de votos em uma das turmas do STJ e não por seu Plenário.

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