Opinião

Novo Código Comercial será importante para o desenvolvimento econômico

Autor

  • Arnoldo Wald

    é sócio e fundador do escritório Wald Antunes Vita Longo e Blattner Advogados advogado professor catedrático da Uerj doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris II e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e autor de diversas obras.

14 de dezembro de 2018, 6h19

Importante lembrarmo-nos das sábias palavras pronunciadas pelo senador Renan Calheiros quando da entrega ao Senado, em novembro de 2013, do Relatório do Anteprojeto de Código Comercial elaborado por uma Comissão Especial de Juristas. Disse o senador naquela oportunidade:

“O Código Comercial tem fundamental influência no desenvolvimento do País. Daí porque não é aceitável que o Brasil, incluído entre os grandes da economia mundial, disponha de uma legislação ultrapassada, fragmentada e burocratizante.

Ao longo dos anos, as normas brasileiras sobre o comércio acabaram se transformando num corpo desconexo de leis esparsas, às vezes contraditórias e, em consequência, uma legislação de difícil compreensão.

Esse quadro confuso, ensejador de insegurança jurídica, não colabora na formação de um bom ambiente de negócios.

O que resta do vigente Código Comercial, editado em junho de 1850, são normas desconectadas de crescente industrialização do País, do avanço tecnológico e da expansão do mercado de capitais.”[1].

O século XXI, que é o da urgência, da mudança, da descontinuidade e da grande ruptura, já não se conforma com a obsolescência na área jurídica, não mais permitindo a mora do Direito em relação aos fatos. A evolução da nossa economia e as novas dimensões sociais e políticas do país exigem uma legislação compatível com o nosso desenvolvimento. O novo conjunto normativo deve, pois, ser o catalisador do progresso. Cabe-lhe garantir a segurança e a estabilidade das relações jurídicas e, numa visão prospectiva, olhar para o futuro e incentivar os investimentos dos quais tanto necessitamos, especialmente na área de infraestrutura. Foi o que fizeram, em suas respectivas áreas de atuação, o nosso Código Civil e a nossa Lei das Sociedades Anônimas.

Do mesmo modo que as técnicas envelhecem, em todos os campos, desde a engenharia até a medicina, também em Direito há necessidade de uma renovação dos conceitos e do reexame das instituições e até da reapreciação, ou de nova forma de enunciação de alguns princípios, em virtude da evolução demográfica e tecnológica e em decorrência da própria visão da sociedade que pode ser mais liberal ou estatizante. Os próprios institutos jurídicos, como o contrato, a propriedade, a família e a responsabilidade civil evoluem. Assim sendo, a manutenção de concepções ultrapassadas pode levar os juristas a cair no que Alvim Toffler denominou “a armadilha da obsolescência”, dando aos conceitos jurídicos o sentido que tinham num passado remoto, ou ainda, ignorando as novas realidades sociais e tecnológicas, que o Direito não pode desconhecer.

Acresce que o Direito Comercial exerceu sempre a função de sentinela avançada, de conjunto de normas mais adiantadas, em relação ao Direito tradicional, abandonando um formalismo exagerado, superando o misoneísmo dos juristas e adotando soluções mais flexíveis. Foi, sempre, o Direito da liberdade contratual, sem prejuízo do respeito à ética e à ordem pública. Em vários momentos da história, tivemos a necessidade de flexibilizar as normas existentes, mantendo, todavia, paralelamente o sistema tradicional e criando, ao seu lado, um novo conjunto normativo de caráter especial. Com o decorrer do tempo, algumas dessas novas normas foram penetrando no Direito comum e, tendo inicialmente surgido para serem aplicadas no caso de situações peculiares, foram, finalmente, consolidadas em toda a legislação civil, restabelecendo-se, assim, um regime jurídico único e passando o Direito comum, em certos casos, a incorporar o Direito especial.

Foi o que aconteceu no Direito Romano, quando o jus gentium e o Direito Pretoriano se desenvolveram, ao lado do jus civile, para finalmente serem integrados no Corpus Juris. Foi também o que aconteceu, na Inglaterra, quando a equity foi complementando a common law. Do mesmo modo, desde o surgimento dos usos e costumes comerciais, a doutrina reconhece que a biparticipação do Direito Privado nos dois ramos — o Direito Civil e o Direito Comercial — aparece como um fenômeno histórico relacionado com o ritmo do desenvolvimento da economia. Partindo dessa premissa, afirma o professor Tullio Ascarelli, em estudo antigo, mas de grande atualidade, que “a oportunidade de conservar a bipartição nos países da América Latina que estão elaborando novos códigos comerciais pode ter uma função de estímulo e ajuda em relação às suas economias”.

Já se disse que a única certeza no século XXI é a imprevisibilidade generalizada. O direito passa, pois, a ter que se preocupar com dados econômicos, que nos obrigam a aproximar ainda mais o advogado do economista e do sociólogo. Toda uma bibliografia já trata, tanto no exterior como no Brasil, das relações entre “Law and Economics”, e “Law and Society” que pouco preocupavam o legislador do passado.

As importantes mudanças que a sociedade brasileira sofreu, nos últimos 20 anos, justificam, pois, uma completa renovação legislativa, que já ocorreu no Direito Civil, no Processo Civil, e que está sendo realizada no campo do Processo Penal e do Direito Penal. Propõe-se, agora, que também pensemos num Código Comercial ou Empresarial, abrangendo o Direito Societário, os Contratos Comerciais, os Títulos de Crédito e as soluções para a Crise da Empresa.

Formou-se um consenso quanto à necessidade de explicitar alguns princípios específicos do Direito Comercial, rever alguns regimes jurídicos, como o da Sociedade Limitada, introduzir a Governança Corporativa e aprimorar a legislação falimentar e de recuperação da empresa, a fim de restaurar “a dignidade do direito comercial”.

Finalmente é preciso lembrar que o nosso Código Civil de 2002 não pretendeu estabelecer normas detalhadas de Direito Comercial, definindo-se, na palavra do professor Miguel Reale, como “lei básica, mas não global, do direito privado”. Ressalvou, pois, o Código, tanto na sua Exposição de Motivos, como no seu próprio texto, a aplicação de “uma disciplina especial autônoma” em várias matérias, como a letra de câmbio, as falências e outras tantas.

O Senado acaba de aprovar neste início de dezembro de 2018 o Relatório do novo projeto, que será remetido à Câmara de Deputados. A aprovação do novo Código Comercial estará na agenda de 2019 do Congresso Nacional e será um importante instrumento do desenvolvimento econômico e uma garantia da segurança jurídica.


[1] CALHEIROS, Renan. Exposição feita por ocasião da entrega do Relatório – do Anteprojeto de Código Comercial – da Comissão Especial de Juristas, no Senado Federal, em 19 de novembro de 2013. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 63, p. 245, jan./mar. 2014.

Autores

  • Brave

    é professor advogado, especialista e parecerista na área de Arbitragem, do escritório Wald Advogados Associados. Presidente honorário da Comissão de Arbitragem da OAB e um dos organizadores, junto com os Professores Luiz Gastão Paes de Barros Leães e Modesto Carvalhosa, da obra A Responsabilidade Civil da Empresa Perante os Investidores. Contribuição à modernização e moralização do Mercado de Capitais (Ed. Quartier Latin)

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