Diário de Classe

Por que nas eleições deste ano o Direito perdeu para as fake news

Autor

  • André Del Negri

    é pós-doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) doutor em Direito Processual pela PUC Minas mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

15 de dezembro de 2018, 7h00

Ainda antes do desfecho das eleições, no intervalo entre o primeiro turno e o segundo, época em que fake news com conteúdo político viralizaram no WhatsApp e fábricas de notícias falsas foram denunciadas pelo jornal Folha de S.Paulo (leia aqui e aqui), o assunto veio colado ao tema do “ódio nas redes sociais” e uma inundação de questionamentos dominou a sala de aula. Havia motivos para a curiosidade. Nem poderia ser diferente. Afinal, nas eleições presidenciais de 2018, o assunto dos “WhatsApps” nos celulares dos eleitores tomou conta dos noticiários na ConJur (ler aqui e aqui) e também do Tribunal Superior Eleitoral, que, diga-se de passagem, entrou em pane com esses novos códigos das “infovias” (clique aqui para ler a ação da parte autora e aqui para ver alguns “prints” de fake news que circularam pela internet). Claro que isso abriu um campo de largas reflexões, sem respostas rápidas. Todavia, sou forçado a me limitar a algumas rápidas anotações.

Apesar de haver troca de informação confiável e opiniões fundamentadas, o território virtual ainda é um ambiente que gera algumas decepções diante do trogloditismo de alguns participantes das redes sociais. De fato, gera cansaço ler xingamentos e causa perplexidade ver pessoas sendo ameaçadas por haters. Esses impulsos destrutivos na convivência política por parte de alguns, que não conseguem lidar com seus conflitos internos e as demandas do exterior, provoca uma infantilização dramática das relações, assunto que interessa a psicanalistas.

É incrível essa ligação da revolução tecnológica com governos democráticos, que têm as suas mazelas e deficiências. Todavia, a falta de respeito às diferenças ainda é um caos. Há até quem diga caber nesse balaio de grosserias a chamada “liberdade de expressão”. Alto lá… vamos com calma: “a liberdade de expressão tem mão e contramão”, dizia Cony (ler aqui). A liberdade de expressão – que é um dos atributos da democracia – não serve como salvo conduto para golpear a honra e a imagem de pessoas. As redes sociais incentivam esse livre expressar, mas o que é lamentável, além da baixíssima tolerância ao pluralismo (os diferentes universos), é a atrofia da capacidade cognitiva das pessoas, que estão clicando e postando, pulando de um perfil para o outro, sem saber que já estão midiatizadas, uma vez que se alimentam de informações distorcidas, embora imaginem que são verdadeiras e únicas.

Jürgen Habermas, em entrevista ao jornal El País (ler aqui), disse em sua rede de sentidos, que a internet – “que nos transforma todos em autores potenciais” –, é um espaço que “não tem mais do que duas décadas”. Daí o professor Habermas, sem entrar em pesadas teorias de construção de uma ética de tolerância à diversidade, disse ser um otimista no caminho para uma convivência saudável, uma vez que “é possível que com o tempo aprendamos a lidar com as redes sociais de forma civilizada”. Esse trecho da entrevista de Habermas serve para levantar um debate importante a respeito de como vamos romper com o alienante, o correntio do senso comum, se isto será possível via educação crítica ou não.

Sim, as redes sociais possuem a amplitude de estimular o debate público. Todavia, no Brasil, a rudeza na eleição de 2018 foi a anfitrioa. Afigura-se relevante jamais se esquecer da sofisticação tecnológica (verdadeiras armas de informática) para calcular o sentido de voto de milhões de usuários das redes sociais, ao modo como aconteceu com a denúncia feita contra a Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que cooperou na campanha do Brexit – abreviação das palavras Britain (Reino Unido) e exit (saída) –, que se refere à consulta popular de saída do Reino Unido da União Europeia e na campanha eleitoral de Donald Trump para as eleições presidenciais de 2016, nos EUA. Com isso, no Brasil, nas Eleições 2018, já era esperado que essa estratégia de comunicação digital para persuadir pessoas com informações facciosas pudesse fazer estragos. De se rememorar o informe da Organização dos Estados Americanos (OEA), quanto ao uso massivo de fake news no Brasil para manipular o voto, algo que “talvez não tenha precedentes” (aqui). A tanto, convém ler o livro LikeWar, que analisa a influência das mídias sociais em recentes eleições no mundo.[1]

Não faz muito, em uma de suas aulas, o professor Lenio Streck discorria sobre a diferença entre informação e conhecimento, e apontava para a tragédia que é um volume de informação que dispensa o processo com a marca do contraditório e da ampla defesa (juízo crítico que não deveria faltar a ninguém), para exaltar narrativas que se fazem em índices estabelecidos pelo realismo. E essa trama de narrativas, que arrasta fatos fantasiosos e falaciosos, a tal ponto de premiar o senso comum – e não uma processualidade democrática –, funciona como afiada guilhotina ceifadora da presunção de inocência. Esse é o xis do problema.

O fracasso do Direito, diante dessas emboscadas e táticas desenvolvidas para manipular o fluxo de informações pelo “zap”, já faz soar o alarme para qualquer Universidade.

Nessa vulgaridade gritante (na forma e no conteúdo), as fake news circularam rapidamente pelos grupos de WhatsApp nas eleições, situação em que muita gente leu, homologou e passou o bastão para o próximo. São postagens totalmente simplificadas e irresponsáveis, que, segundo alguns pesquisadores, influenciaram efetivamente nas últimas eleições (ler aqui). Cortando para a área jurídica, foi possível ver “posts” de advogados, estudantes, promotores de justiça, juízes de direito e professores de universidade divulgando em grupos de WhatsApp as mais bizarras teorias da conspiração e “fundamentando” opiniões em memes tresloucados, um relativismo horripilante, e um monte de pessoas dispostas a acreditar na viscosidade de qualquer bobagem postada na internet. Na fina ironia de Streck, a “fonte científica” desses profissionais do Direito tem sido “o grupo de WhatsApp” (leia aqui).

De mais a mais, André Azevedo da Fonseca, professor adjunto e pesquisador do Centro de Educação, Comunicação e Artes da Universidade Estadual de Londrina (UEL), acerta ao sugerir que a formação jurídica no Brasil precisa urgentemente introduzir uma disciplina denominada “crítica das mídias”.[2] A proposta é elogiável porque se fosse mesmo cogitada como conteúdo curricular, poderíamos reparar parte do arcaísmo do ensino jurídico e incursionar por falseamentos e maior ampliação do tema, chegando até a discutir as dificuldades de jurisdicizar esse território virtual (visual), além de unir reflexões sobre esse novo Estado telemático de governança algorítmica, que tem atuado na manipulação das mentes dos governados, até mesmo na “desprocessualização” do Direito pelo uso de algoritmos para decidir, assunto que já ultrapassa as fronteiras desta coluna.


[1] SINGER, Peter Warren; T. Emerson. LikeWar. Editora: Houghton Mifflin Harcourt, 2018.

[2] FONSECA, André Azevedo. A crítica das novas mídias: uma competência indispensável ao ensino de Direito, p. 95-110. In. DEL NEGRI, André (Org.). Direito e Ensino jurídico em Desordem. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.

 

Autores

  • é doutor em Direito Processual pela PUC Minas e mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Faz estágio pós-doutoral em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e integra a equipe do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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