Erros políticos

Liberar drogas não pode ser uma pauta de esquerda ou direita, diz Ney Bello

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10 de dezembro de 2018, 18h44

“Vamos fazer um balanço da guerra contra as drogas no ocidente", propõe o desembargador Ney Bello, do Tribunal Federal Regional da 1ª Região. Segundo ele, os principais resultados da política de enfrentamento armado do tráfico de drogas como forma de reduzir o uso foram a terceira maior população carcerária do mundo e o alto índice de violência — 60 mil homicídios em 2016, de acordo com a ONG Fórum Nacional de Segurança Pública.

Ney Bello é o relator da comissão de juristas que trabalha na produção de uma anteprojeto para atualização da Lei de Drogas. A comissão foi nomeada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e tem até este mês para apresentar o trabalho. Ele esteve em São Paulo na sexta-feira (7/12) para falar na Escola da Magistratura do TRF-3 sobre a questão.

Segundo o desembargador, 80% das apreensões de drogas no estado de São Paulo são de pessoas que estão de posse de 40 gramas de maconha. Elas vão presas por cinco anos, se tornam "soldados do tráfico" e entram para uma facção, afirma.

“Morreu muito mais gente na guerra do que de overdose, e a maioria das apreensões é ínfima", analisa. "Não conseguimos ter esse feeling de onde e para onde queremos ir como comunidade. Qual o limite da autonomia individual? Precisamos perceber qual é a compreensão razoável em um país como o nosso, hipercomplexo.”

Para o desembargador, liberar o uso de drogas como forma de combater o tráfico não pode ser uma pauta partidária, mas de segurança pública de forma geral. “Não é pauta da esquerda. Essa pauta é da direita liberal europeia. É o inverso. Precisamos extrair esses preconceitos e compreender a questão. O debate precisa ser o mais amplo possível", afirma.

No mundo
De acordo com o desembargador Ney Bello, existem três modelos no mundo de combate ao tráfico de drogas. O brasileiro, em que o uso é criminalizado, mas não há pena, só existe no Brasil.

Os outros dois modelos são o da regulação do mercado de drogas pelo Estado e o terceiro é o da "cegueira deliberada", em que o uso é liberado, mas a venda, não.

A ideia de regulação pelo Estado é boa, mas complicada para Ney Bello.  “Vamos criar uma Anaconha para regular isso? O Uruguai é um país pequeno e se permite que tenha controle de forma razoável. Mas mesmo assim já estão tendo dificuldades em razão da migração de gaúchos e catarinenses por exemplo", afirma.

Ele também critica transpor para as drogas ilegais o modelo do cigarro, de sobretaxar para aumentar o preço ao consumidor e a arrecadação estatal. Diminui a violência, mas não elimina o tráfico, que sempre venderia drogas mais baratas que na farmácia. “O mercado paralelo sempre vai ser mais sedutor que o oficial.”

Cegos
O modelo da "cegueira deliberada" é o que tem "seduzido a todos", conta Ney Bello. Tem esse nome porque fecha os olhos apenas para um lado da cadeia de consumo, o do uso.

Esse modelo, explica o desembargador, exige que se defina uma quantidade máxima de drogas permitida por pessoa para que ela não seja enquadrada como traficante. Na Espanha, o maior país a usar o modelo, a gramatura é de 100 gramas — e os traficantes trabalham com essa quantidade para escapar da fiscalização, o que joga a questão para o Judiciário interpretar.

“Se optarmos por modelo de gramatura, funciona como trava. Mas como traduzir essa compreensão num texto legal? 40 gramas não está liberado para tráfico. Então cai no artigo 33 se estiver comercializando. Colocar isso na legislação não impede que a jurisprudência entenda por tráfico. Mas somente a regulação do comercio é que resolve esse problema. O rabo do gato fica de fora”, afirma.

Jurisprudência
Para o desembargador Paulo Fontes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, liberar o consumo, mas desincentivá-lo, teria poucos resultados práticos. O ideal, diz, é que o Supremo Tribunal Federal fixe quantias que podem ser usadas de parâmetro para o que é tráfico e o que é consumo próprio.

O tribunal tem em pauta um recurso extraordinário que discute se é constitucional tratar como crime a posse de drogas para consumo próprio — o "modelo brasileiro" de Ney Bello. Até agora, houve três votos: o relator, ministro Gilmar Mendes, que é a favor da inconstitucionalidade desse trecho da Lei de Drogas; o ministro Luiz Edson Fachin prefere deixar a questão com o Congresso; e o ministro Luís Roberto Barroso, que prefere descriminalizar apenas a posse de maconha.

"Com uma quadratura política difícil, a jurisprudência pode trabalhar através de um convencimento mais progressista”, afirma Paulo Fontes.

O advogado Cristiano Ávila Maronna, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), alimenta expectativa parecida. “Finalmente o ministro Alexandre de Moraes revelou que está com seu voto pronto e inclusive declarou que o seu voto pretende ‘derrubar lendas urbanas que os ditos especialistas em drogas construíram ao longo do tempo’. Pessoalmente, estou com grande expectativa para conhecer o voto do ministro”, disse.

“Pelos votos já publicados, não me parece do ponto de vista jurídico que apenas a posse de maconha seja inconstitucional e das outras drogas não o sejam. Se a autolesão não pode justificar punição e se o consumo é individual não se pode vislumbrar risco à saúde pública por qualquer outra substância. Apenas a maconha ter a sua posse descriminalizada pode até ser conveniente do ponto de vista da circunstância política mas não é juridicamente aceitável.”

ConJur publicou em fevereiro de 2017 uma série de reportagens sobre a relação entre a guerra às drogas e a superlotação dos presídios. O especial teve como motivação a onda de rebeliões e massacres em presídios no início daquele ano. Clique aqui para ter acesso à série de reportagens especiais produzidas.

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