Segunda Leitura

A busca do trabalho perfeito nas profissões jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

9 de dezembro de 2018, 7h04

Spacca
A maioria dos jovens estudantes de Direito sonham em formar-se e conseguir uma atividade profissional que preencha todos os seus sonhos e ainda lhes proporcione bons rendimentos. Não se trata de uma tarefa fácil, pois o Brasil possui 1.240 cursos superiores de Direito e “se consagra como a nação com mais cursos de Direito do mundo todo. A soma total de faculdades de direito no mundo chega a 1.100 cursos”.

Atormentados com esta concorrência absurda, fruto da autorização indiscriminada de cursos de Direito, e ainda com as mudanças que a inteligência artificial a todos imporá, vai o estudante, ao fim do curso, com uma miscelânea de dúvidas na cabeça.

Por inclinação pessoal, uma minoria alimenta o ideal de dedicar-se aos menos favorecidos e outra, no lado oposto, de ter sucesso financeiro que lhes permita morar em luxuosos condomínios, viagens internacionais em business class e carros de luxo. Mas a maioria quer apenas um bom emprego e, nele, ser feliz.

Mas existe um emprego perfeito? Bárbara Nór, citando estudo da revista Personality and Social Psychology Bulletin, nos Estados Unidos, em 2015, divide as pessoas em dois grupos:

Os chamados “fit theorists” (teóricos de encaixe) acreditam que exista o emprego ideal para eles. Já os “develop theorists” (teóricos do desenvolvimento) acreditam que possam se adaptar a diferentes tipos de serviços [i].

Imagine-se que alguém faça concurso para juiz federal na 4ª Região e, sendo profundo conhecedor dos crimes financeiros, sonhe em trabalhar na 13ª Vara de Curitiba, onde poderá pôr em prática seus conhecimentos e, de sobra, prender corruptos importantes. Ocorre que o acesso à vara se dá por antiguidade e ele pode ter que trabalhar, por muitos anos, em um Juizado Especial Federal, decidindo repetitivas questões previdenciárias.

Como reagirá esta pessoa? Se pertencer à primeira classe, provavelmente se sentirá totalmente frustrada, porque o Juizado não é o local que idealizou. Mas, se pertencer à segunda categoria, se amoldará ao que a vida lhe disponibilizou, fará o melhor serviço possível no Juizado, inovará, reduzirá os prazos de tramitação das ações, proporá medidas aos órgãos de decisão e aguardará o momento de transferir-se para a vara sonhada.

O sonho pode ser advogar na área ambiental. Para ser admitida no conceituado escritório de advocacia, setor do meio ambiente, a jovem preparou-se para a entrevista e mostrou suas boas notas na matéria, seu trabalho no Projeto de Iniciação Científica (PIBIC), sua monografia no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), ambos na área ambiental. No entanto, na primeira semana tudo que lhe passam vai contra os seus sonhos, conseguir a prescrição da multa imposta, contestar uma ação civil pública envolvendo construção em área de preservação permanente  e localizar jurisprudência que sustente a continuidade de poluição atmosférica.

Que fazer? Pedir as contas e ficar chorando em casa? Não, com certeza. Adaptar-se à situação e tentar, aos poucos, alterá-la, é o caminho certo. Por exemplo, participando de técnicas de negociação e convencendo a chefia de que acordos com o Ministério Público ou o órgão ambiental podem ser mais benéficos à empresa cliente.

O jovem passou no sonhado concurso de Promotor de Justiça substituto. Orgulhoso, exibe a carteira funcional aos parentes. No banco, o gerente dá-lhe atenção redobrada, não apenas pelo cargo que ocupa, mas pelos investimentos que começa a fazer, beneficiado por seus polpudos vencimentos. A sogra dá-lhe preferência nos almoços de domingo, deixando furioso o cunhado dentista, que atende um sindicato e mantém vida bem modesta. Ocorre que, trabalhando na área de crime organizado, vê que lhe escapam das mãos casos importantes, por simples manifestação de interesse do Ministério Público Federal.

Frustrante? Sim, por certo. Mas nem por isso motivo de desalento. É que no balanço de perdas e ganhos, estes são tantos que aqueles devem ser postos de lado. Com efeito, a partilha de competências pode frustrá-lo, mas outras importantes atividades estão ao seu dispor. E mais. O pedido de desaforamento pode ser estudado e contestado. Aprofundar-se na matéria, regra geral nunca discutida, convencer o juiz de Direito a suscitar conflito positivo de jurisdição, pode fazer com que o caso retorne. E, se não retornar, compreender que nem tudo que se deseja se consegue.

Porém há outro tipo de situação. A do trabalho perfeito para a pessoa, mas que deixa de sê-lo. Imagine-se um experiente advogado previdenciarista, cinquentão, acomodado no bem-estar do seu bem-sucedido escritório. Mas que, pouco a pouco, vê a concorrência dos jovens e as reformas legais subtraírem-lhe a clientela.

Duas opções terá esse profissional. Reduzir suas atividades e conformar-se com um padrão de vida bem mais modesto ou procurar nova área de atuação. Mas não será tarde para alterar o rumo de sua vida? Não, com certeza. A previdência privada, que caminha paralela à pública, vem crescendo paulatinamente e poderá ser a melhor opção. Estudar, participar de cursos, fazer contatos na área, pode ser o início de uma nova chance. E o começar de novo, a fonte de estímulo e renovação.

Outro aspecto relevante é a recompensa financeira. É essencial ter um mínimo que permita acesso ao conforto de uma boa moradia, automóvel, plano médico e outros bens e serviços assemelhados. Porém, não é suficiente para alcançar-se um sentimento que se aproxime da felicidade.

Na memória de fases de extrema felicidade em minha vida, encontro momentos em que o dinheiro era curto, mas a alegria enorme. Em tempos que o MP pagava vencimentos baixos (anos 1970), eu tinha uma Brasília amarela e morava em uma casa com dois quartos, tendo três filhos pequenos. No início da vida como juiz federal, em Porto Alegre (1980), não tinha telefone nem empregada doméstica. Evidentemente, outros fatores entravam no caldo das satisfações.

Disto tudo se vê que, no mundo real, não há lugar para uma ingenuidade juvenil, onde tudo é perfeito. Na realidade, o ideal a ser alcançado é aquele que revela o maior número de fatos positivos contra o menor índice de situações negativas. Aquele no qual as frustrações, que existem e sempre existirão, sejam a exceção à regra geral.

Aliás, não apenas nas profissões jurídicas as limitações fazem parte do pacote. Médicos podem frustrar-se por se verem obrigados a participar de planos e terem excesso de consultas, que só lhes permitem 15 minutos com cada paciente. Jogadores de futebol, ao dar-se conta que o destino lhes reservou participar em campeonatos de menor importância e que 35 anos pode ser considerada idade avançada para tal prática. Consagrados professores universitários podem receber o comunicado de despedida, porque os cursos de Ensino à Distância (EAD) permitem que um profissional faça o trabalho de vários com menos custo para o empregador.

Resumindo tudo o que foi dito, é possível extrair-se três conclusões:

1ª) o trabalho perfeito, ideal, está mais na mente das pessoas do que na realidade. Mesmo aquele pelo qual tanto se esperou, pode revelar-se monótono com o passar do tempo.

2ª) É um erro supor que os ganhos financeiros são a solução certa para as frustrações com a profissão escolhida. Na verdade, passada a euforia de ter acesso a bens e serviços antes proibitivos, o dinheiro não trará maior felicidade.

3ª) Quem faz o que gosta, tem a seu favor possibilidades maiores de enfrentar as adversidades e de ser feliz.


[i] NOR, Barbara. Reacendendo a paixão. Revista Você S/A, ed. 245, outubro de 2018, p. 61.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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