Opinião

Um celular à mão e nenhuma ideia na cabeça

Autor

  • Igor Tamasauskas

    é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo ) mestre e doutor em Direito do Estado pela mesma instituição. Vencedor do Prêmio Capes de tese em 2021. Integra o Instituto dos Advogados de São Paulo. Foi corregedor administrativo e procurador-geral ambos do município de São Carlos e subchefe-adjunto para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República de 2005 a 2007. Também é autor dos livros “Corrupção Política” publicado em 2019 e “Acordo de Leniência Anticorrupção” publicado em 2021.

6 de dezembro de 2018, 11h21

Assistimos, há algum tempo, pessoas comuns, pretensamente bem intencionadas, a constranger autoridades em momentos — privados ou não — de contato com a população.

Em filas de aeroportos, dentro das aeronaves, em seminários, nas ruas e até mesmo em outros países, o “brasileiro de bem”, qual um Fiscal do Sarney dos anos 80, está lá, com celularzinho na mão, para cobrar postura ou qualquer coisa que o valha, da autoridade, gravando tudo com o objetivo de denunciar a reação nas mídias sociais.

O idiota de hoje — como o de ontem e o de sempre, com toda a sua boçalidade — busca a notoriedade fácil de viralizar um vídeo, virar notícia, enfim, tornar-se príncipe de uma horda de cretinos.

As mídias sociais, importante criação humana que ainda precisa ser digerida pelos mais diversos campos de estudo, favorecem esse tipo de comportamento antissocial. Para o Direito, não passa de singela agressão à norma de boa convivência.

Liberdade de expressão, igualdade e outras garantias comumente invocadas pela bestialidade coletiva não suportam esse tipo de constrangimento a que submetem as autoridades públicas. Deseja criticar, contrapor ideias, a liberdade de manifestação garante ao cidadão espaço próprio, até mesmo em mídias sociais. Excessos são punidos, como devem ser. Agora, o constrangimento público, mediante a provocação filmada, presta-se apenas para demonstrar a falta de civilidade e de educação de quem pratica esse tipo de conduta.

Houve um tempo, como mencionado, que a fúria do cidadão de bem voltava-se às maquininhas de remarcação de preços dos supermercados. Um país saindo da ditadura, que se esforçava para criar um ambiente democrático, de respeito entre Estado e indivíduo, buscava assegurar acesso a informações públicas, esclarecimento acerca de decisões, enfim, toda uma relação de transparência que somente confere ganhos a toda a sociedade.

Mas hoje há o cidadão de bem e suas idiossincrasias. E seu celular.

Todo um processo de construção de convivência democrática, de respeito, de cidadania, é desafiado quando um brucutu saca o celular para tirar satisfação contra determinado posicionamento de uma autoridade. Essa tentativa de constrangimento malfere regras de convivência civilizada e ganha contornos ainda mais graves quando a ofensa é dirigida à magistratura.

Juízes, desembargadores e ministros possuem o poder-dever de decidir sem temores, levando em conta apenas sua consciência e as leis do país. Se tiverem receio da reação do pretenso cidadão de bem, a afronta é ao Estado Democrático de Direito. Aí, socorrendo-se de célebre construção do ministro Eros Grau, as desavenças se resolvem no porrete. Cada qual com o seu e vence o mais forte, não o com maior razão.

Quando o celular de uma dessas pessoas sai do bolso (ou da bolsa), as ideias — se as há — escorrem pelos ouvidos. E a cidadania, construída a duras penas, se vê ainda mais corroída.

Autores

  • Brave

    é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo ), mestre e doutor em Direito do Estado pela mesma instituição. Vencedor do Prêmio Capes de tese em 2021. Integra o Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo). Foi corregedor administrativo e procurador-geral, ambos do município de São Carlos, e subchefe-adjunto para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República de 2005 a 2007. Também é autor dos livros “Corrupção Política”, publicado em 2019, e “Acordo de Leniência Anticorrupção”, publicado em 2021.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!