Reflexões Trabalhistas

As finalidades da tutela coletiva na Justiça do Trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

31 de agosto de 2018, 8h00

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A jurisdição coletiva, que é implementada por meio das ações coletivas, recebeu grande destaque no processo moderno nos últimos anos, inclusive no Brasil, que vem acompanhando essa evolução, em alguns casos com sucesso e em outros não, porque temos pouca cultura nesse campo de atuação judicial, vez que sempre fomos marcados pela forma da solução judicial individual.

A resolução coletiva dos conflitos sociais de interesses surgiu para romper com a tradicional forma individualista de acesso ao Judiciário, que mostrou não ser capaz e adequada para assegurar soluções justas na maioria dos casos. Mas é bom que se diga que essa nova forma de acesso ao Judiciário não veio para acabar com a jurisdição individual, mas para, ao seu lado, propiciar nos casos cabíveis a tutela coletivizada e, assim, dar mais efetividade aos direitos dos cidadãos.

Portanto, as formas individual e coletiva de solução dos conflitos sociais não se anulam e não se repelem, mas, ao contrário, se completam, pois, ao mesmo tempo em que a solução individual não é mais suficiente para resolver uma grande gama de lesões de massa, as ações coletivas também não servem para todos os casos e muitas vezes nem mesmo são usadas pelos legitimados coletivos, que ou se omitem ou não bem as conhecem ainda.

Dentre as finalidades da tutela coletiva podemos citar:

  • coletivizar a prestação jurisdicional onde e quando cabível;
  • agilizar a prestação jurisdicional com a diminuição de ações individuais e maior ganho de tempo e de atos processuais repetidos em demandas idênticas;
  • evitar decisões conflitantes, pois, como se sabe, quando muitos trabalhadores vão individualmente à Justiça do Trabalho reclamar direitos idênticos, decorrentes de ato comum, correm o risco de submeter as suas ações a juízes diversos, que, consequentemente, proferirão decisões as mais variadas. Como acontece na prática, nesses casos, uns ganham, outros perdem e outros ganham somente em parte o que reivindicado, o que é comprometedor para o prestígio da prestação jurisdicional, que não é bem entendida pelo cidadão;
  • facilitar o acesso substancial, verdadeiro, e não somente formal do cidadão ao Judiciário, na forma do que dispõe o inciso XXXV do 5º da Constituição Federal, para, de forma efetiva, prevenir e, quando não possível, reparar os danos aos seus direitos violados;
  • despersonalizar o trabalhador perante o empregador ou tomador de serviços, pois, como é sabido, a Justiça do Trabalho é chamada de Justiça dos desempregados, porque os poucos 10% que reclamam seus direitos somente o fazem, na esmagadora maioria dos casos, depois que rescindem os seus contratos de trabalho, uma vez que se o fizerem antes correm o risco de serem demitidos como represália por terem usado o direito constitucional de ação. Mesmo aqueles poucos que o fazem em muitas situações são colocados pelo ex-empregador numa “lista negra”, e, assim, terão muitas dificuldades para obter nova colocação no mercado de trabalho;
  • diminuir o custo do processo, porque a Justiça do Trabalho é um dos ramos mais caros do Poder Judiciário. O seu aparelhamento material e humano é muito grande para se fazer presente nas diversas localidades do território nacional, sendo utilizadas numa grande porção de vezes para resolver pequenas e moleculares lesões, cujo resultado final é tão caro que seria melhor e mais barato para o Estado pagar o valor buscado e deferido pelo juiz;
  • dar mais crédito às decisões judiciais, porque justiça demorada e muitas vezes contraditória é verdadeira injustiça e faz com que o jurisdicionado passe a desacreditar no Poder Judiciário, a quem recorre somente na última hipótese e tem a esperança de ser bem e rapidamente atendido. Tal se agrava na Justiça obreira em razão da finalidade alimentar das verbas pleiteadas na maior gama das ações, como, por exemplo, as verbas salariais e rescisórias e os depósitos do FGTS, de que depende o trabalhador e sua família para comer e sobreviver e, como regra geral, é obrigado a esperar anos a fio para receber aquilo que sabia induvidosamente lhe ser devido. Às vezes, mesmo diante de uma decisão judicial favorável, nem recebem os seus créditos porque a empresa já não existe mais ou então teve o seu patrimônio dilapidado.

Na Justiça do Trabalho, a tutela coletiva, especialmente, tem a função de dar efetividade ao Direito do Trabalho, que é o maior desiderato desse importante e mais social dos ramos do Direito. O Direito do Trabalho, como se sabe, nasceu para proteger o trabalhador hipossuficiente na desigual relação de trabalho perante o empregador, que, por mais fraco que seja, tem o poder de direção na mão, que o torna superior hierarquicamente ao trabalhador.

Portanto, o objetivo do legislador com a tutela coletiva foi facilitar a defesa de forma coletiva de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, porque dificilmente as vítimas, individualmente, acionam o Judiciário na busca de pequenas reparações, uma vez que o custo e a demora do processo não compensam. Ademais, no caso dos trabalhadores, existe o risco de perderem o emprego, caso ajuízem ações trabalhistas individuais, como é de sabença geral.

O principal fundamento da tutela coletiva é a necessidade de coletivização da solução jurisdicional e da busca de efetividade dos direitos violados, desde que tais direitos decorram de uma origem comum, como estabelece o artigo 81, inciso III, do CDC (Raimundo Simão de Melo, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008, p. 213).

Para diminuir o elevado número de ações trabalhistas, é preciso, juntamente com outros mecanismos de prevenção de conflitos e de soluções extrajudiciais seguras e sérias, que se dê valor à tutela coletiva na Justiça do Trabalho, que em princípio pode parecer mais complicada, porém seus resultados são compensadores, porque com poucos atos processuais se resolve um conflito que poderia propiciar o ajuizamento de dezenas, centenas e milhares de ações individuais. É certo que com o uso das ações coletivas os números de ações individuais vão diminuir e pode até mesmo contrariar algum objetivo estatístico numérico, que, no entanto, em nome do interesse social maior deve ceder lugar.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

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