Limite Penal

Como pensar os jogos de verdade no ambiente do processo penal

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31 de agosto de 2018, 8h05

Spacca
A ideia de pensar os jogos de verdade no ambiente do processo penal recebe a consistente contribuição de Fabiana Silva Bittencourt. Foi uma surpresa feliz ser convidado para compor a banca de mestrado da autora, aprovada com nota máxima. Isso porque arrisquei a leitura do processo penal pela Teoria dos Jogos desde que me dei conta da ausência de realismo da imensa maioria dos livros de processo penal que deslizam no imaginário.

Inserir o fator humano e estratégico no contexto de cada interação processual implica em tornar mais complexa a atividade em busca do convencimento do julgador. E as variáveis são múltiplas. Além disso, quando se trata de tribunal do júri, a questão é ainda mais complicada, justamente porque a pretensão de validade é (ou não) confirmada pelos jurados, em geral não formados em Direito. Nisso, o regime de verdade, tão bem alinhado com Michel Foucault, encontra camadas de convencimento, em jogos de linguagem, sem verdade transcendente. Parte-se, então, da superação da verdade real para se colocar a linguagem no centro do processo penal e da deliberação do corpo de jurados.

Antes de sublinhar a aplicação da Teoria dos Jogos, o trabalho faz o resgate dos alicerces democráticos da instituição tribunal do júri, apontando, no Brasil, as vicissitudes de um modo aparente de participação do povo nas condenações de crimes de sangue.

Superada a discussão sobre o regime de verdade contingente no tribunal do júri, de modo inovador, Fabiana apresenta um esquema de atuação que leve em consideração, no momento do julgamento em plenário, a importância da teoria da informação. Quanto mais a informação for assimétrica, mais a sorte será o fator decisivo. Daí que se preparar para o dia do julgamento, com a ampliação do domínio do mapa mental dos jurados sorteados e as expectativas de comportamento decisório, a eleição da estratégia adequada passa a ser um ganho técnico. Os jogadores — Ministério Público e defesa — devem, a partir dos jurados que estão convocados e não que sonham, eleger as táticas argumentativas capazes de obter seu objetivo.

Trata-se de um modo inovador de se preparar para o julgamento, com certa capacidade de customização, bem assim de profissionalização do ambiente do júri, em que o fator sorte poderá comparecer, mas com seu fator de impacto mitigado. O que se deve buscar é o argumento que possa obter o plot point, a saber, o momento de virada em que o jurado passa a acolher a tese de um dos jogadores. Neste caminhar, os pequenos detalhes podem fazer toda a diferença (efeito borboleta).

Ciente disso, Fabiana propõe um cuidadoso caminho para quem quiser jogar com a linguagem no júri. Em breve sairá como livro (editora EMais) e se associa à trajetória de Aramis Nassif, Marília Brambilla, Ezilda Melo, Genivaldo da Silva e Karina Boaretto Lopes, que estudam a instituição do júri por nova cartografia, já que no júri não há espaço para amadores.

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    é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Processo Penal na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

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