Opinião

Uma resposta ao artigo de Lenio Streck e Jerônimo Azambuja Franco Neto

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31 de agosto de 2018, 11h43

Li aqui mesmo, no Consultor Jurídico de segunda-feira (27/8), texto de Lenio Streck e Jerônimo Azambuja Franco Neto cujo título é Trabalho vem de tripalium, mas, por favor, não leve isso ao pé da letra (sic). O primeiro — professor na Faculdade de Direito da Unisinos, em São Leopoldo (RS) — é gaúcho como eu e nos conhecemos há anos. O outro não sei quem é.

O professor Lenio escreveu um artigo em um livro editado pela Malheiros, em 2013, em minha homenagem. Basta isso e sermos gaúchos para que o tenha sob boa consideração. Não obstante, as investidas críticas a Almir Pazianotto e a Juliano Barra contidas no artigo publicado na segunda-feira me aborrecem, ao ponto de provocar esta minha reação.

Almir Pazianotto — meu amigo — é um homem íntegro que todos conhecem, respeitando-o intelectualmente. Não necessita de que eu escreva em sua defesa. A agressão quase debochada a Juliano Barra — bem mais jovem do que minha filha e meu filho — me impele, porém, a lembrar e dizer umas e outras coisas.

Juliano é doutor em Direito pela Université Paris-1 (Panthéon-Sorbonne) e professor assistente na École de Droit da Sorbonne. Artigos seus foram publicados na França, Espanha, Bélgica, Portugal e Itália. Conheço bem sua tese de doutoramento — Fonds de pension et retraite: entre l’ordre économique et l’ordre social — porque fui membro da banca que a examinou e conferiu-lhe, em novembro de 2016, o grau de doutor summa cum laude. Lá na École de Droit, em Paris, onde exerci a função de professeur invité no início dos anos 2000 e ainda me convocam a participar de atividades acadêmicas.

O texto de Lenio Streck e Jerônimo Azambuja Franco Neto aparentemente pretende ser mais divertido do que jurídico. Além de complexo e confuso, o que dificulta a compreensão do que os que o compuseram pretendiam dizer. Lê-se nesse texto, por exemplo, trecho no qual afirmam que “[a]inda que uma lei venha a dizer que a subordinação estrutural não caracteriza vínculo de emprego, esta lei deverá significar a proteção da constitucionalidade como resguardo do trabalho como fenômeno gerador de felicidade. Ou de menos infelicidade”.

Tal como já indaguei mais de uma vez, por que não o princípio da alegria? Sobrepor, na esfera jurídica, sentimentos de felicidade, infelicidade e alegria, isso — como diria Kant — se compõe no domínio do “pensamento extravagante”!

Tenho insistido e repetido que o Direito não é um “conjunto de regras e princípios”, como dizem uns e outros. Princípios são com a moral e com a religião, não com a ética jurídica. O Direito é um sistema de regras jurídicas, apenas. Regras que seus intérpretes/aplicadores (os juízes) arrancam dos textos normativos — em face e no quadro do mundo do ser — a fim de dar solução a cada lide judicial.

As normas jurídicas são produzidas pelo intérprete a partir de textos normativos e da realidade. Esses textos são regras, das quais os princípios configuram espécie. Relembre-se, a esta altura, uma primorosa observação de Franz Neumann1: “Um sistema legal que construa os elementos básicos de suas normas com princípios gerais ou padrões jurídicos de conduta não é senão um disfarce que oculta medidas individuais”. E, mais, a aguda anotação de Bernd Rüthers2 a propósito do que denuncia como transformação constitucional gradual pela qual a República Federal alemã passa nas últimas décadas cabe, como luva, aos juízes brasileiros. O Estado de direito fundado na divisão dos Poderes — diz Rüthers — transformou-se em um “Estado de Juízes” (Richterstaat); e de tal modo que a incontrolada deslocação de poder do Legislativo para o Judiciário coloca-nos diante de uma pergunta crucial: pode um Estado, pode uma democracia existir sem que os juízes sejam servos da lei?

O texto de Lenio Streck e Jerônimo Azambuja Franco Neto é no mínimo indelicado ao referir Juliano Barra como “intolerante” (leia-se a nota 10 desse texto) e não conhece a chamada jurisdição constitucional. De um lado afirma — a partir do princípio da felicidade — a inconstitucionalidade da reforma trabalhista, de outro que o Poder Judiciário pode tudo. Se ainda estivesse entre nós, Montesquieu ficaria mais irritado ainda do que eu.

O que dizem é confuso, eu — talvez porque não passe de ser um simples advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP e ministro aposentado do STF — realmente não entendendo o que eles pretendem dizer. Impolida e imprudentemente — ignaros da phrónesis aristotélica — atacam a pessoa, não os argumentos de Juliano. Daí porque cá estou, ao pé da letra, a defendê-lo.


1 Behemot – The structure and practice of nacional socialism, Victor Gollancz Ltd, London, 1942, pp. 360-361.
2 Geleugneter Richterstaat und vernebelte Richtermacht, in Neue Juristische Wochenschrift NJW, Verlag C H Beck, 2005, pp. 2.759/2.760.

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