A arte da escrita

"Falta de concisão na petição mostra desconhecimento, e o juiz logo percebe"

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31 de agosto de 2018, 8h40

O exagero ao replicar longas jurisprudências é um dos principais erros cometidos por advogados na hora de redigir uma petição. A análise é do professor Carlos André Nunes, especialista em redação jurídica. 

O professor afirma que essas características fazem com que o texto nem sempre seja compreensível, o que só atrasa a análise nas inúmeras varas judiciais, já carentes de servidores e sobrecarregada pelos prazos recursais. 

O primeiro passo para escrever uma boa petição é dominar a língua portuguesa, diz. "Não há como o advogado escrever bem se ele não possui conhecimento de mecanismos de coesão textual, de morfossintaxe, de grafia, de modalização etc. Não é possível." 

Ressalta também que é preciso dominar a ciência jurídica. A falta de profundidade no assunto é perfeitamente percebida pelo juiz. "A falta de concisão é resultado, na maioria das vezes, da falta de conhecimento jurídico", explica.

À ConJur o professor falou sobre como redigir uma boa petição e os erros a serem evitados. 

Leia a entrevista:

ConJur —  Qual o erro mais comum na redação da petição?
Carlos André Nunes — O principal desvio linguístico cometido nas petições é aquele que implica a falta de clareza textual. Ocorre muito erro de estruturação de frases e parágrafos, e de pontuação. Esses desvios são resultado da falta de conhecimento morfossintático (análise sintática e categoria das palavras). Com a propagação desordenada das escolas jurídicas brasileiras, bem como com a visível queda de qualidade da educação básica no Brasil, nota-se que quem conclui uma faculdade de Direito não possui pleno conhecimento linguístico. Algumas peças jurídicas são impossíveis de ser lidas.

ConJur — Qual o meio-termo ideal entre a linguagem mais corriqueira (a utilizada no jornalismo, por exemplo) e uma linguagem do ramo jurídico muito empolada?
Carlos André Nunes
— A questão é a adequação. Não se trata de 'meio-termo'. Quando um advogado se dirige, em audiência, a um magistrado, deve utilizar-se de código técnico, pois a língua coloquial ou mesmo a padrão (não jurídica) não possuem palavras que podem traduzir alguns institutos jurídicos. É muito importante ratificar que a língua jurídica não é necessariamente empolada. A língua jurídica possui palavras que são necessárias ao Direito. Direito é ciência, e ciência necessita de linguagem e de método. Quem usa palavras empoladas não está adequado ao mundo jurídico contemporâneo. É preciso deixar claro o que é e o que não é língua jurídica. É preciso desmistificar essa lógica de 'juridiquês'. O vocabulário jurídico é relevante para a língua; a linguagem empolada, não.

ConJur — O senhor fala que não há necessidade de gastar muitas páginas com a cópia de jurisprudências. Como saber quando basta?
Carlos André Nunes — Trata-se de ter dois conhecimentos importantes: o jurídico e a concisão. O primeiro gera o segundo. Quem tem conhecimento jurídico consolidado sabe o que é essencial (concisão) ou não. O fato de o artigo 319 no CPC ter colocado, no mesmo inciso, os fatos e os fundamentos jurídicos gera a inferência de que eles devem ser harmonizados com precisão. Nenhuma jurisprudência deve ser colocada em excesso. Tudo que deve ser colocado precisa ser necessário para demonstrar a percepção do advogado acerca do fato.

ConJur —  Quais são seus principais conselhos para o advogado redigir uma boa petição?
Carlos André Nunes — Inicialmente, é preciso dominar o gênero textual petição. Sim. A petição é um modelo de texto, com uma lógica própria. Ela possui quatro tipos textuais internamente: descrição jurídica, narração jurídica, argumentação jurídica e injunção jurídica. Isso significa que não basta que o advogado use a velha técnica do 'copia e cola'. É preciso saber que cada petição é a materialização de um raciocínio específico para cada caso. O 'copia e cola' deseja resolver apenas a parte externa do modelo. Ocorre que a parte interna depende do tipo de realidade de que a petição trata.

*Texto alterado às 13h30 do dia 31/8/2018 para correção 

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