Negociação leal

Advocacia deve criar regras para atuação em delações premiadas, diz Geraldo Prado

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31 de agosto de 2018, 7h15

Para tornar os procedimentos de negociação de acordos de delação premiada mais transparentes e justos, é preciso estabelecer regras de atuação para cada envolvido no processo — juiz, integrante do Ministério Público e advogado. Na visão do desembargador aposentado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Geraldo Prado, a advocacia deveria se adiantar e fixar diretrizes para a classe em delações.

Alice Vergueiro/IBCCRIM
Para Geraldo Prado, bases para regras sobre delação devem ser extraídas do CPP.
Alice Vergueiro/IBCCRIM

“Os advogados têm que dar o primeiro passo. No Estatuto da Advocacia, no âmbito do Código de Ética dos Advogados, é necessário que haja um capítulo sobre delações e acordos de leniência com orientação sobre como devem proceder os advogados e escritórios. Se não dermos o primeiro passo, vamos ajudar a quebrar o sistema. Não quanto aos ricos, quanto àquele que faz delação e está em prisão domiciliar em sua casa com piscina em Fortaleza, mas com relação aos meninos pobres do Rio de Janeiro, a [o catador de materiais recicláveis preso nos protestos de junho de 2013] Rafael Braga”, disse Prado nesta quarta-feira (29/8) no 24º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

De acordo com o jurista, as bases jurídicas para a definição das regras de atuação dos sujeitos processuais devem ser extraídas do Direito Processual Penal, a partir da Constituição Federal e do Código de Processo Penal. E essas normas seriam inseridas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993), do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética da Advocacia.

Segundo Geraldo Prado, é preciso instituir uma estrutura de conhecimento das fontes de provas em delações. Essa seria uma maneira, a seu ver, de reduzir a posição de inferioridade do colaborador em relação ao Ministério Público.

Uma opção, conforme o professor, seria implementar o método do discovery (descoberta), adotado nas acordos dos EUA, semelhantes às delações. Conforme esse sistema, explica Geraldo Prado, o investigado ou réu tem direito a conhecer todas as provas e indícios nos quais a polícia e o MP baseiam sua acusação.

A negociação de um acordo de delação, na visão de Prado, deve ser baseada na lealdade, e não enxergada como um jogo estratégico, no qual o importante é conseguir obter uma vantagem. “Não é porque a realidade é de maliciosos que temos que agir dessa forma. Se pensarmos dessa forma, não vai funcionar”, declarou.

Tentativa e erro
Firmadas pouco tempo após a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) entrar em vigor, os primeiros acordos de delação premiada da operação “lava jato” tiveram soluções “polêmicas”, afirmou a procuradora da República Samantha Dobrowolski. Isso ocorreu porque não houve tempo de o instrumento ser devidamente digerido pelo meio jurídico.

Entre essas soluções está a permissão para que delatores ficassem com bens que confessaram obter com dinheiro de crimes — como ocorreu com o doleiro Alberto Youssef. “O fruto do proveito do crime ficar com uma pessoa é algo difícil de ser aceito. Se fosse em um processo completo, isso não aconteceria”, apontou Samantha.

No entanto, a procuradora disse entender o cálculo que o Ministério Público Federal fez no momento — até porque foi a segunda delação firmada na operação. Samantha Dobrowolski avaliou, porém, que os acordos de colaboração premiada evoluíram com o passar do tempo e não mais concedem esse tipo de benefício aos delatores.

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