Código Penal vs. Direitos Humanos

Schietti Cruz reforma acórdão do TJ-MT que reconheceu atipicidade do desacato

Autor

29 de agosto de 2018, 12h22

Julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre desacato não são semelhantes aos processos criminais relacionados ao mesmo delito no Brasil. Com esse entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, reformou acórdão que não reconhecia o tipo penal de desacato por consideração aos direitos humanos.

Miriam Zomer/Agência AL
Ministro Rogerio Schietti Cruz deu provimento a recurso do MP-MT para reformar decisão que reconheceu atipicidade do desacato com base em tratado de direitos humanos.
Miriam Zomer/Agência AL

A decisão foi tomada em um recurso especial interposto pelo Ministério Público de Mato Grosso com pedido de reforma de acórdão da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do estado que reconheceu a atipicidade do desacato ao conceder um Habeas Corpus. Para o órgão, o crime previsto no artigo 331 do Código Penal não é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Já na decisão recorrida, o magistrado, além de afirmar que o crime seria contrário ao Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, ressaltou que no caso concreto “sequer há como se concluir pela existência do excesso”. Mas o ministro Schietti Cruz, ao dar provimento ao recurso do MP, levantou o julgamento do HC 379.269, feito pela 3ª Turma do STJ, que reafirmou a eficácia do artigo 331 do Código Penal.

Diferenças de aplicação
Ao julgar procedente o recurso do MP-MT, o ministro do STJ afirmou que não há nenhuma decisão da Corte Interamericana sobre Direitos Humanos que envolva o desacato no âmbito do sistema penal brasileiro. As normas de Direito Internacional integrantes do nosso ordenamento jurídico, ressaltou, podem ser interpretadas como qualquer outra. “Não há essa força vinculante que se procurou a elas emprestar.”

Além disso, Schietti Cruz explicou que “a Corte Interamericana, ao tratar de casos concretos sobre o conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra, propõe analisar, segundo as circunstâncias de cada hipótese, se a aplicação desses tipos penais (difamação, injúria, calúnia ou desacato) enseja contrariedade à Convenção Americana ao impor penas desnecessárias e desproporcionais”.

Ou seja, conforme destacou o ministro, entre os diversos casos discutidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, não há nenhum que descreve uma situação parecida com as observadas nos processos criminais por desacato no Brasil, uma vez que todos foram delitos de opinião, quase sempre cometidos por jornalistas ou escritores.

"Vejam que, quanto ao crime de desacato, é muito diferente o que se observa no Brasil quando tal figura delitiva é invocada. O típico caso de desacato em nosso sistema de justiça, como bem referiu o Ministro Antonio Saldanha, trata de situações de abordagem policial, de prisão em flagrante, descumprimento de mandado pelo oficial de justiça, de entrevero ocorrido em audiências judiciais, de atendimento de servidor em hospitais, repartições públicas etc.", disse.

Por isso, para ele, não há como invocar os parâmetros da Comissão de Direitos Humanos que, em alguns casos, concluem que o crime de desacato deve ser abolido em todos os países. Mas sempre em relação à liberdade de expressão.

"Vivemos uma quadra histórica no Brasil em que, cada vez mais, as pessoas estão assumindo comportamento excessivamente violento e desrespeitoso. Não vejo como se possa, pelo menos neste momento, retirar da proteção penal situações que, no dia a dia, configuram intolerável desrespeito e até violência a agentes públicos que atuam em nome do Estado na prestação de serviços públicos", concluiu.

Clique aqui para ler a decisão.
REsp 1.743.448

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!