Sistema disfuncional

Direito Penal serve para proteger capital e ricos, dizem professores

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29 de agosto de 2018, 6h55

Com a crise do petróleo de 1973 e o colapso do fordismo e do estado de bem-estar social, o Direito Penal passou a ter o objetivo de promover ajustes que possibilitem a administração do capital. Esse Direito Criminal protege os direitos dos ricos, mas não os da maioria da população. Só é possível construir um Direito Penal que resguarde as pessoas do arbítrio estatal com uma análise crítica da história da sociedade.

Esse é o entendimento do professor Alysson Leandro Mascaro, da Universidade de São Paulo (USP), e da professora Vera Malaguti Batista, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). No pós-guerra, o Direito Penal tinha uma lógica: prever um fato, tipificá-lo e fazer a subsunção entre o fato e o tipo, para verificar se houve crime ou não, afirmou Mascaro nesta terça-feira (28/8) no 24º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim).

Porém, com a crise de 1973 e o fim do fordismo, essa lógica mudou, apontou o professor. Agora, o Direito Penal é usado para promover ajustes em prol da gestão do capital. Um exemplo dessa função, segundo Mascaro, é a condenação do ex-presidente Lula, e suas consequentes prisão e proibição de concorrer à Presidência da República. Embora os mandatos do petista tenham sido benéficos a empresas e aos mais ricos, eles o encaram como risco, e usaram as normas criminais para neutralizá-lo.

“Hoje, não são apenas os pobres que são atingidos pelo Direito Penal. Até um presidente pode ser alvo dele. Mas isso não quer dizer que o Direito Penal seja funcional. Pelo contrário: o Direito Penal é cada vez mais disfuncional”, avaliou Alysson Mascaro.

Por causa desse transtorno, destacou o docente da USP, o sistema penal não consegue mais controlar totalmente a sociedade. “O pós-fordismo é uma exploração tão infame que não consegue mais fazer um sistema. É tão absurdo que o Direito Penal nem tem mais lógica”, disse.

Novo sistema
Vera Malaguti Batista afirmou que a crise do petróleo fez com que os países não pudessem mais bancar o Estado de bem-estar social. Com isso, ressaltou, houve uma consolidação do Estado penal, que produziu uma máquina de guerra dirigida a promover a pacificação interna.

A construção de um “inimigo interno”, feita pela guerra às drogas, reconfigurou a Justiça Criminal brasileira, declarou a professora da Uerj. Nos últimos tempos, o Judiciário também foi influenciado pelo pensamento do “cidadão comum”. Com isso, citou Vera, policiais, promotores, procuradores e magistrados passaram a entender que suas funções não eram a de investigar ou julgar, mas de “combater” algo — seja os entorpecentes, a corrupção ou o crime.

Nesse cenário, “as criminalizações e penalizações viraram uma panaceia para todos os males”, destacou a docente. E os mais afetados por essa política, de acordo com Vera, são minorias, como negros, pobres e indígenas.

Dessa maneira, é uma falácia dizer que o Direito Criminal resguarda a população dos arbítrios do Estado, disse Vera Malaguti, ao conclamar uma análise história para produzir um sistema que sirva para esses fins.

“Temos que repensar esse equívoco do encarar o Direito Penal como protetor de direitos. Temos que usar a imaginação criminológica, a imaginação jurídico-penal para produzir um Direito Penal que contenha o poder punitivo. Só o conhecimento da nossa história, da escravidão, do genocídio dos índios, que irá nos permitir produzir um Direito Penal que seja a favor do povo brasileiro, e não contra.”

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