Opinião

Renovação ou circulação no poder na Câmara dos Deputados?

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  • Antônio Augusto de Queiroz

    é jornalista analista e consultor político mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV ex-diretor de documentação do Diap autor dos livros Por Dentro do Governo: como Funciona a Máquina Pública e RIG em Três Dimensões: Trabalho Parlamentar Defesa de Interesse perante os Poderes Públicos e Análise Política e de Conjuntura e sócio-diretor das empresas Consillium Soluções Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

29 de agosto de 2018, 6h24

A próxima composição da Câmara dos Deputados terá o menor índice de renovação real, entendendo-se como tal apenas os nomes que nunca ocuparam cargos públicos. A renovação real será absolutamente residual. O que haverá será uma circulação no poder.

Isso é o que indica levantamento preliminar das empresas Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical e MonitorLeg, segundo o qual a maioria das vagas abertas em decorrência da desistência dos atuais deputados e da não reeleição serão ocupadas majoritariamente por ex-ocupantes de cargos públicos — nomeados ou eleitos —, caracterizando uma circulação no poder, e não renovação de fato.

De acordo com os dados preliminares, dos atuais 513 deputados, 407 tentarão a reeleição, além de outros 18 suplentes que assumiram o mandato nesta legislatura, todos com reais chances de eleição.

Para disputar as vagas que não forem preenchidas por esses candidatos que exerceram o mandato na atual legislatura, existe um exército de candidatos que já exerceram cargos públicos, e que são competitivos, porque têm nome conhecido e serviços prestados, conforme detalhado a seguir.

O maior número de postulantes a uma vaga na Câmara dos Deputados, com reais chances de eleição, vem das Assembleias Legislativas. Pelo menos 104 deputados estaduais concorrem ao cargo de deputado federal. O segundo maior contingente de candidatos competitivos é de ex-deputados federais, 50 ao todo. O terceiro grupo mais competitivo são os ex-secretários estaduais, num total de 27.

Ainda entre os candidatos competitivos, podemos mencionar seis senadores, entre os quais Aécio Neves e Gleisi Hoffmann, que concorrem à Câmara com grandes chances de eleição, cinco ex-governadores, como Camilo Capiberibe e Ana Júlia Carepa, igualmente com muita chance de eleição, e três ex-ministros de Estado, entre os quais o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero e o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, que podem conseguir se eleger deputado federal. Além disso, também concorrem 18 suplentes muito bem votados na eleição de 2014, mas que não tiveram a oportunidade de exercer o mandato, como Luiz Carlos Motta, atual PR e que concorreu pelo PTB de São Paulo.

Por esses dados preliminares, pode-se concluir que a maioria absoluta das vagas da Câmara da Câmara dos Deputados será ocupada pelos atuais parlamentares, que forem reeleitos, e por ex-ocupantes de cargos públicos, conforme demonstrado acima.

Nesse cenário sobrarão poucas vagas para os efetivamente novos, entendidos como tal aqueles candidatos que nunca exerceram cargos públicos na vida. E sobre estes cabe uma reflexão particular, considerando a expectativa da população — que vai ser frustrada — por uma renovação grande e qualitativa.

Pelos dados preliminares do referido levantamento, essas poucas vagas a serem preenchidas pelos candidatos que nunca exerceram cargos públicos serão ocupadas por candidatos oriundos das igrejas evangélicas, como Marcelo Crivela Filho e o pastor Paulo Bengtson (PTB-PA), por policiais ativos e reformados — das polícias Civil, Militar, Federal e das Forças Armadas, especialmente do Exército —, como o capitão Alberto Neto (PRB-AM) e coronel Wellington (DEM-DF), e por parentes de políticos tradicionais, como Daniela Cunha (MDB-RJ), filha de Eduardo Cunha; Fernando James (PTC-Al), filho de Collor; e Otto Alencar Filho (PSD-BA), contribuindo para ampliar as bancadas evangélica, da bala e de parentes.

A participação de endinheirados na eleição proporcional, por força da drástica redução do tempo de campanha e da limitação dos gastos, não terá tanta importância como nos pleitos passados, perdendo espaço para as oligarquias e para beneficiários do momento conservador e moralista-justiceiro que vivemos no Brasil, especialmente os evangélicos, policiais linha-dura e parentes.

É curioso que o aumento da consciência política da população, a partir da maior difusão de informações sobre os políticos em geral, especialmente pelas redes sociais, traga como resultado o fortalecimento do status quo. Isso é produto da capacidade de sobrevivência dos detentores de mandato, que modificaram a legislação eleitoral em proveito próprio, de um lado reduzindo o tempo de campanha e, de outro, negociando acesso privilegiado ao fundo eleitoral.

Para que houvesse renovação real seria necessário, além de maior tempo de campanha, equidade no uso dos recursos do fundo eleitoral e do horário eleitoral gratuito, que serão canalizados preferencialmente para os candidatos à reeleição. Além disto, seria preciso que a população que deseja a renovação não se abstivesse de votar e também não votasse branco ou nulo, porque essa postura só reforça o status quo.

Portanto, a composição da nova Câmara terá a presença majoritária de rostos e nomes conhecidos, além de mais parentes de políticos tradicionais, policiais linha-dura e líderes das igrejas evangélicas, reforçando a visão liberal-fiscal atual e ampliando a agenda conservadora em relação aos costumes, comportamentos e moral. Essa tendência só será revertida se as pessoas que desejam renovação derem sua contribuindo, indo votar e votando em gente nova.

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