Paradoxo da Corte

Os árbitros não são estouvados! (sobre as jornadas de Direito Processual Civil)

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

28 de agosto de 2018, 8h00

A capital das alterosas sediou importante evento dedicado ao processo civil, com quase mil participantes!

Realizaram-se em Belo Horizonte, entre os dias 22 e 24 de agosto, as XII Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, desta vez em homenagem mais do que merecida aos 80 anos do grande professor Humberto Theodoro Júnior, que se fez presente, com toda a família de advogados, durante os três dias da efeméride.

Com presença maciça de antigos e jovens processualistas, sob os auspícios do prestigioso Instituto Brasileiro de Direito Processual, que é presidido com afinco pelo meu colega de magistério e de profissão Paulo Henrique dos Santos Lucon, a programação foi intensa, interessante e instigante acerca de uma miríade de temas de processo civil, que se encontram inseridos na agenda preferencial de todo estudioso desse significativo ramo do Direito.

De minha parte, além de ter participado de painel sobre precedentes judiciais, procurei, tanto quanto possível, assistir a outros debates, que se seguiam em sete diferentes auditórios. Por ser assunto de minha atual atenção e para prestigiar os meus colegas Carlos Alberto Carmona e Eduardo Talamini, estive presente em dois sucessivos painéis — realizados na tarde do dia 23 — compostos de ilustres especialistas que abordavam diversos aspectos da arbitragem.

Coube a Guilherme Rizzo Amaral discorrer sobre os precedentes obrigatórios nos domínios da arbitragem. Autor de excelente monografia acerca desta temática (Judicial Precedent and Arbitration), fez ele clara e precisa exposição, na qual defendeu a submissão dos árbitros aos precedentes judiciais. Partindo da premissa de que, uma vez eleito pelos contratantes o Direito brasileiro vigente a reger o conflito arbitral, todas as formas de expressão do Direito, sem exceção, devem ser consideradas pelo julgador. Catalogados como fonte do Direito, os precedentes não podem, pois, ser deliberadamente desprezados pelos árbitros, ao ensejo da prolação da sentença arbitral. Afirmou o referido palestrante que: “O árbitro vincula-se aos precedentes judiciais na medida em que as partes elegem arbitragem de direito e que os precedentes judiciais vinculantes integram o Direito brasileiro. É dizer: não está o árbitro vinculado aos precedentes por conta da (inexistente) aplicação direta de dispositivos do Código de Processo Civil à arbitragem, mas pela vontade das partes que deram ao árbitro a missão de julgar conforme o Direito”.

Na verdade — como já tive a oportunidade de escrever em senso convergente —, a eficácia persuasiva do precedente e a exigência de segurança jurídica é que impõem o seu respeito pelo tribunal arbitral, sobretudo quando aquele estiver consolidado ou até mesmo, pela reiteração, transformado em súmula. É evidente que se for hipótese de incidência de súmula vinculante, com maior dose de razão, o árbitro não poderá desprezá-la, invocando simples questão de convicção íntima.

Não tem sentido algum admitir que, de um lado, o juiz estatal encontra-se sujeito à incidência do precedente e, de outro, o árbitro esteja livre para afastar a sua observância. Quando nada, maculado estaria o princípio da isonomia, a desacreditar o juízo arbitral.

Ressalte-se, apenas para argumentar, que, se o tribunal arbitral tivesse sido constituído para julgar por equidade (e não com base no direito), poder-se-ia admitir, com efeito, toda liberdade daquele para recusar a incidência da norma legal ou de determinada orientação jurisprudencial por reputá-la, por exemplo, injusta na situação concreta.

Colocada em discussão a posição então secundada por Guilherme Rizzo Amaral, Eduardo Talamini observou, em tom crítico, que se o árbitro deixar de aplicar os precedentes, assim como se equivocar ao aplicar a lei, haveria simplesmente error in iudicando, sem quaisquer consequências no plano do Direito, já que incabível, nesta hipótese, o ajuizamento da ação de nulidade da sentença arbitral, prevista no artigo 32 da Lei de Arbitragem.

Todavia, depois de meditar sobre a questão, continuo entendendo que, tal como o juiz togado, o árbitro não tem liberdade para recusar a aplicação dos precedentes judiciais no âmbito da arbitragem de direito.

Para afastar a incidência de determinada construção pretoriana ao construir a sentença arbitral, exatamente por ser de direito e não julgamento por equidade, em sua tarefa de subsunção, o tribunal arbitral tem o ônus da justificação para afastar a aplicação do precedente judicial, seja por não se amoldar bem à situação vertente, seja pela sua manifesta obsolescência. Se não o fizer, a sentença arbitral irrompe viciada, passível portanto de ser atacada pela ação declaratória de nulidade, com fundamento no inciso IV do aludido artigo 32, porque certamente “proferida fora dos limites da convenção de arbitragem”.

Nesse caso, Guilherme Rizzo Amaral assevera, com acerto, que a sentença é dada com base na equidade, e não nas regras do ordenamento jurídico vigente!

Se tal questão merece atenção na esfera acadêmica, verifica-se, com efeito, que na experiência cotidiana, como corretamente ponderou Talamini, estamos diante de um falso problema!

Bem é de ver que toda esta discussão faria realmente sentido se, na prática, os árbitros se recusassem, de forma deliberada e com alguma frequência, a invocar precedentes, vinculantes ou não, no momento em que tivessem de elaborar a ratio decidendi, vale dizer, a fundamentação da sentença arbitral.

A propósito, ouso perguntar se algum profissional do Direito, no ambiente ainda restrito da arbitragem, já esteve diante de uma sentença arbitral na qual consignado que os árbitros signatários, de comum acordo, deixavam de seguir determinado precedente porque considerado injusto ou equivocado?

Alguém já se deparou com sentença arbitral, na qual, por exemplo, o tribunal arbitral desconsiderou a orientação consolidada no Superior Tribunal de Justiça de que o prazo prescricional para o exercício da pretensão à reparação dos danos causados por fato do produto ou do serviço flui a partir da ciência inequívoca pela vítima dos efeitos do ato lesivo?

Ressalte-se, outrossim, ser firme a jurisprudência dos tribunais pátrios, em particular do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que há cerceamento de defesa quando a decisão afrontar a garantia constitucional do direito à prova, como corolário do devido processo legal. Pergunta-se: restaria hígida uma sentença arbitral que julgasse antecipadamente procedente o pedido, ao argumento de que a parte requerida não provou o fato modificativo do direito do autor, sem que tivesse tido a chance de produzir prova oral?

Conclui-se, pois, que, sob o prisma da praxe arbitral, o debate acerca da questão acima suscitada deixa de ter maior relevância, sobretudo se considerarmos um importante aspecto: a qualidade, a formação e a experiência da esmagadora maioria dos nossos árbitros, que, além de todos esses predicados, têm de ultrapassar duplo escrutínio: das partes e da respectiva câmara! 

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