Visão distorcida

Para Trump, procurador-geral dos EUA deve perseguir inimigos do presidente

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25 de agosto de 2018, 8h55

O presidente Donald Trump parece não entender a missão do Departamento de Justiça (DOJ) dos EUA. Bastava entrar no site do DOJ para ler sua declaração de missão: “Executar a lei e defender os interesses dos Estados Unidos de acordo com a lei; assegurar a segurança pública contra ameaças estrangeiras e domésticas; liderar no âmbito federal a prevenção e o controle do crime; buscar punição para aqueles culpados de comportamento ilegal; e assegurar a administração justa e imparcial da justiça para todos os americanos”.

Avi Ohayon/GPO
Trump tem sugerido que a missão do Departamento de Justiça é defender os interesses do presidente, e não do país.
Avi Ohayon/GPO

Pela guerra que abriu contra o procurador-geral Jeff Sessions, agravada nesta semana, o presidente indica que tem uma visão diferente da missão do DOJ. Suas declarações à imprensa e no Twitter sugerem que a missão do departamento é defender os interesses do presidente dos EUA, buscar punição para seus inimigos e assegurar a administração da justiça a favor de Donald Trump.

Na quinta-feira (23/8), Trump declarou em entrevista a uma repórter da Fox News que só escolheu Sessions para chefiar o DOJ por causa da lealdade que ele lhe mostrou durante toda a campanha eleitoral. Mas se decepcionou. Em vez de acabar com a investigação de conluio entre o comitê eleitoral dele com a Rússia para ajudar a eleger Trump nas eleições de 2016, Sessions se declarou impedido. “Que tipo de homem é esse?”, perguntou o presidente.

Desde então, Trump vem tentando desmoralizar o procurador-geral, esperando que ele peça demissão. O presidente pode demiti-lo, se quiser. Mas, se fizer isso, será acusado de obstrução da Justiça em um possível processo de impeachment. Essa acusação já pesa sobre ele — e poderá ser usada a qualquer tempo — desde que demitiu o ex-diretor do FBI James Comey, que o estava investigando.

Trump também declarou que Sessions nunca assumiu o controle do Departamento de Justiça, que está nas mãos de “17 democratas raivosos” (em relação à equipe de procuradores que investiga um suposto conluio de Trump com a Rússia).

Sessions, que vinha resistindo às pressões, sem se pronunciar, até quinta-feira, reagiu com uma declaração contundente após a entrevista à Fox News. O DOJ postou em sua conta no Twitter o primeiro confronto do procurador-geral com o presidente:

“Eu assumi o controle do Departamento de Justiça no dia em que tomei posse e essa é a razão porque temos tido um sucesso sem precedentes na execução das políticas do presidente — as que protegem a segurança e os direitos do povo americano, reduz o crime violento, executa as leis de imigração, promove o crescimento econômico e a liberdade de religião”.

“Enquanto eu for procurador-geral, as ações do Departamento de Justiça não serão indevidamente influenciadas por considerações políticas. Eu exijo os mais altos padrões e, quando eles não são cumpridos, eu tomo medidas. No entanto, nenhuma nação tem um grupo mais talentoso, mas dedicado de investigadores e procuradores para a execução da lei do que os Estados Unidos. Estou orgulhoso por poder servir com eles e orgulhoso do trabalho que temos feito na promoção bem-sucedida do Estado do Direito”.

Nesta sexta-feira (24/8), Trump respondeu com ironia às declarações de Sessions. E sugeriu que, em vez de investigá-lo, o procurador-geral deveria perseguir seus “inimigos” — parte dos quais ele nomeou em suas mensagens pelo Twitter:

“O Departamento de Justiça não será indevidamente influenciado por considerações políticas. Jeff, isso é ÓTIMO, é o que todos querem, assim investigue toda a corrução do outro lado, incluindo e-mails apagados [em referência a acusações feitas contra Hillary Clinton em 2016], as mentiras de Comey [em referência a acusações que ele mesmo fez contra o ex-diretor do FBI], os conflitos de Muller [acusações de Trump contra o procurador especial que investiga o conluio com a Rússia]”.

E segue uma lista de “inimigos”, conforme interpretou o jornal Huffington Post. Finalmente, ele pede ao procurador-geral para investigar um dossiê falso e corrupto contra ele, a Fundação Clinton, uma vigilância ilegal da campanha de Trump (que ele denunciou, mas o FBI desmentiu) e um “conluio dos democratas com os russos”, sobre o qual apenas ele — e ninguém mais — fala ocasionalmente, sugerindo que o DOJ deveria inverter a investigação que faz contra ele.

E termina com mais pressão: “Vamos lá, Jeff, você pode fazê-lo, o país está esperando”.

A determinação da equipe de procuradores do DOJ, liderada por Robert Mueller, de levar até o fim as investigações do conluio do comitê republicano com os russos e possíveis crimes eleitorais (entre os quais os pagamentos de subornos para impedir duas mulheres que teriam tido casos com Trump de vir a público durante a campanha eleitoral) levou Trump a considerar a possibilidade de impeachment.

“Se eu sofrer impeachment, o mercado financeiro vai entrar em colapso e eu penso que todos ficarão muito pobres”, Trump disse à repórter da Fox News. Mas essa não foi à primeira vez que ele se preocupou com possíveis condenações. Há algum tempo, noticiou-se que o presidente perguntou a seus advogados se poderia conceder perdão presidencial a ele mesmo.

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