Opinião

A Portaria 352 e as recentes mudanças no regime sancionador dos mercados

Autor

22 de agosto de 2018, 6h20

Como se sabe, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) é órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Fazenda e tem por finalidade julgar, em última instância administrativa, os recursos contra as decisões do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que aplicam sanções às entidades supervisionadas por tais autarquias. Além disso, julga os recursos contra decisões do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que aplicam sanções em processos administrativos que tenham por objeto infrações à legislação de prevenção à lavagem de dinheiro.

Desde 2016, o regime administrativo sancionador no sistema financeiro nacional tem passado por importantes inovações normativas, sendo a principal delas a Lei 13.506, de 13 de novembro de 2017. Recentemente, uma nova e importante inovação veio a lume: trata-se da Portaria 352, de 24 de julho de 2018.

A novel portaria estabeleceu basicamente três grandes inovações. A primeira delas foi a definição de normas e diretrizes para a indicação e seleção de conselheiros para o CRSFN. A segunda foi a criação do Comitê de Avaliação e Seleção de Conselheiros (CAS). E a terceira foi um conjunto de pequenas alterações no Regimento Interno do CRSFN.

Sem dúvida, a novidade mais importante foi a disciplina dos critérios objetivos que serão adotados na escolha dos conselheiros, a possibilidade de renovação do rol de entidades representantes do mercado habilitadas a indicar listas tríplices com candidatos e as regras de condutas instituídas para os conselheiros. São medidas salutares e que eram aguardadas no contexto das mudanças que começaram em 2016 com a reforma do Regimento Interno do CRSFN e passaram por 2017 com a já mencionada Lei 13.506, que dispõe sobre o processo administrativo sancionador no sistema financeiro.

Mesmo à primeira vista, é possível vislumbrar na Portaria 352, de 2018, importantes medidas que fortalecerão a governança do CRSFN e que contribuirão para aperfeiçoar cada vez mais a composição da segunda instância de julgamento administrativo de infrações no âmbito do sistema financeiro.

O comitê de seleção
O recém-criado comitê pode ampliar a participação e o acompanhamento dos trabalhos do conselho pelo mercado. O CRSFN tem relevância estratégica, pois é a última instância administrativa para o julgamento de recursos de infrações ocorridas em cooperativas de crédito, no setor bancário, no Sistema de Pagamentos Brasileiro, no mercado de capitais e em infrações administrativas relacionadas à lavagem de dinheiro.

O comitê terá prerrogativa consultiva, pois poderá recomendar a alteração ou manutenção das entidades de mercado aptas a indicar listas tríplices para escolha de conselheiros.

Contudo, o CAS também terá finalidade fiscalizatória, pois, de acordo com a referida portaria, tal órgão acompanhará e relatará, para o Ministério da Fazenda e para as entidades representantes do mercado, o desempenho dos conselheiros. Nesse relato, o CAS deve considerar: i) o número de votos que cada um dos conselheiros proferiu como relator, o dos feitos que lhe foram distribuídos no mesmo período e o dos processos que recebeu em consequência de pedido de vista; ii) o cumprimento dos prazos regimentais e das metas estabelecidas pelo presidente do CRSFN; iii) as ausências, impedimentos e suspeições.

Outro papel do comitê será definir outros dados e indicadores que poderão constar da avaliação de desempenho dos conselheiros.

Fortalecimento da governança
A portaria amplia a transparência do processo seletivo realizado pelo CRSFN, pois confere ao mercado e à sociedade a possibilidade de acompanhar todas as etapas no site do CRSFN. Além disso, estabelece que cabe exclusivamente ao ministro da Fazenda a deliberação sobre a recondução do presidente do órgão, reduzindo as possibilidades de interferência política neste órgão, que possui um histórico de atuação técnica.

Outro ponto positivo é a definição das hipóteses em que os conselheiros devem declarar suspeição ou impedimento para julgarem recursos. De acordo com a portaria, considera-se existir interesse econômico ou financeiro, direto ou indireto, nos casos em que o conselheiro ou procurador da Fazenda Nacional, a partir dos dois anos anteriores à data da ocorrência dos fatos em julgamento, tenha prestado consultoria, assessoria, assistência jurídica ou contábil, ou tenha percebido remuneração do interessado, ou empresa do mesmo grupo econômico, sob qualquer título.

A mesma regra se aplica ao caso de conselheiro ou procurador da Fazenda Nacional que faça ou tenha feito parte, como empregado, sócio ou prestador de serviço, de escritório que preste consultoria, assessoria, assistência jurídica ou contábil ao interessado.

O impedimento também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, constatável do exame dos autos, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

Sob o prisma da governança pública, a criação de critérios objetivos para estabelecer os requisitos técnicos que serão avaliados nos candidatos, a organização de uma periodicidade das reuniões do comitê e o relevante papel institucional a ele conferido, além da sua representativa composição, são inovações que colaboraram para reforçar a reputação positiva do CRSFN. Tratam-se, assim, de medidas que coroam o processo de evolução pelo qual vem passando o regime jurídico sancionador no âmbito do SFN.

Representação do mercado
Segundo a portaria, o comitê também deverá discutir os critérios para aferir a representatividade das entidades que compõem atualmente o CRSFN. É o que se depreende da inteligência da combinação do inciso V, do artigo 8º; do parágrafo 2º, do artigo 21; e do parágrafo 2º, do artigo 26 do referido ato do Ministério da Fazenda.

Assim sendo, o conselho poderá refletir sobre a necessidade de se realizar alterações na sua composição e de renovar seus quadros. Com isso, tende a contribuir para que a atuação do CRSFN continue se pautando pela discussão jurídica de alto nível técnico considerando diferentes pontos de vista: o do Estado e o do mercado.

Mudanças no Regimento Interno do CRSFN
A portaria também alterou o Regimento Interno do CRSFN para dispor sobre os embargos de declaração e a contagem dos prazos processuais e disciplinar a intimação das partes, entre outras questões.

Segundo a nova disciplina regimental, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão do CRSFN para corrigir erro material, suprir omissão, esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, no prazo de cinco dias. A intimação se dará por ciência no processo; por via postal; por meio eletrônico; ou por publicação do ato no site do CRSFN.

Os prazos para a prática de atos processuais perante o conselho serão contados de forma contínua, excluído o dia de início e incluído o dia de vencimento. Considera-se o dia de início do prazo: (i) a data da ciência pelo interessado ou por seu procurador; (ii) a data da entrega no endereço do destinatário ou do recebimento por meio eletrônico; (iii) o sexto dia subsequente à data da disponibilização do ato no sistema eletrônico do CRSFN ou a data do acesso ao conteúdo do ato, o que ocorrer primeiro; (iv) o sexto dia subsequente à publicação do ato no Diário Eletrônico do CRSFN, acessível pelo sítio eletrônico do CRSFN.

Conclusão: o novo patamar de governança do CSRFN
Com a publicação da Portaria 352, de 2018, é possível vislumbrar que as atenções das instituições operadoras do setor financeiro, das entidades de representação do mercado e dos escritórios de advocacia, que já tinham sido redobradas com a edição da Lei 13.506, de 2017, tendem a se intensificar. É preciso reconhecer que as mudanças trazidas pela portaria em questão são muito bem-vindas.

O acerto da portaria não se deve apenas às alterações em si, que foram brevemente analisadas nas linhas anteriores deste artigo. Seu mérito reside, também, no verdadeiro alinhamento que promoveu entre a governança do processo de seleção dos conselheiros e o novo patamar de relevância da função desempenhada pelo CRSFN. Esse novo patamar foi dado em especial pela decisão do legislador de alterar o padrão de tipicidade das condutas, que passou do modelo fechado (ou seja, mediante descrição pormenorizada das condutas) para o modelo aberto (que se baseia em princípios). Isso, naturalmente, transferiu do legislador para o julgador administrativo a carga maior de responsabilidade sobre a configuração ou não das irregularidades.

As penalidades (de admoestação pública; multa; proibição de prestar determinados serviços; proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação; inabilitação para atuar como administrador e para exercer cargo em órgão previsto em estatuto ou em contrato social; e cassação de autorização para funcionamento) demonstram que as autoridades reguladoras estão atentas às melhores práticas internacionais para manter no Brasil a elevada disciplina que contribui para a solidez observada no mercado.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!