Dez ideias do ministro Dias Toffoli para o CNJ e para o Poder Judiciário
21 de agosto de 2018, 8h00

Durante seminário organizado pelo Núcleo de Pesquisas Fiscais da FGV Direito SP (NEF/FGV Direito SP) no dia 28 de fevereiro, o ministro Dias Toffoli, presidente eleito do Supremo Tribunal Federal deu contribuições para a pesquisa acadêmica e expôs algumas ideias para o STF e para o Conselho Nacional de Justiça.
Com base nas ideias do ministro, os pesquisadores do NEF elaboraram dez propostas para a pesquisa empírica no Direito:
1) Transparência do Poder Judiciário como estratégia do CNJ[1] para promover o aumento do fluxo de informações, incentivando o exercício da pesquisa empírica em todas as universidades[2]. Não podemos ficar presos ao passado, como no filme argentino (O Segredo dos seus Olhos, de Juan José Campanella com Ricardo Darín)[3]. Temos olhar para o futuro e construir esperança como na Trilogia das Cores do cineasta polonês Krzysztof Kieślowski (A Liberdade é Azul [Trois Couleurs: Bleu, 1993], A Igualdade é Branca [Trois Couleurs: Blanc, 1993] e A Fraternidade é Vermelha [Trois Couleurs: Rouge, 1994])[4].
2) Tornar a jurisprudência objeto de pesquisa construtiva[5] e prática para conhecimento da efetiva legalidade concreta aplicada pelos tribunais, implementando segurança jurídica[6].
3) Pesquisas de Direito devem estar voltadas ao desenvolvimento da sociedade brasileira, com relevância prática para os interesses da Nação[7].
4) Importância de incentivar think tanks em todo Brasil, a exemplo da FGV, para pensar o Brasil em suas complexidades e diversidades, considerando que a sociedade brasileira surge depois do Estado: o Estado veio antes[8].
5) A pesquisa empírica deve levar em consideração os processos históricos que interferem na formação das práticas do Direito Administrativo, como adverte Otto Mayer: “O direito constitucional passa, o direito administrativo fica”. Portanto, tão-somente a pesquisa multidisciplinar pode compreender a complexidade, a legitimidade e o realismo das demandas dos “estamentos ou grupos de interesse” como dado de fato do sistema brasileiro que se formou influenciado pelo patrimonialismo de Estado português[9].
6) As universidades, os think tanks e a sociedade devem se empoderar abraçando o Estado de modo a colaborar na construção de um projeto de futuro articulado e que leve em conta os interesses nacionais[10].
7) A análise de caso da Lei Saraiva (abolição do voto censitário versus proibição do voto dos analfabetos) revela a importância de se levar em consideração as estatísticas, os efeitos, os jogos de interesse e as consequências normativas: a pesquisa do Direito não pode ser autorreferencial[11].
8) É importante sistematizar e estudar a história do Supremo Tribunal Federal, relacionando os atores, personagens e movimentos sociais que levaram os casos à Suprema Corte[12].
9) A combinação entre transparência do Poder Judiciário e pesquisa empírica retroalimentam a capacidade de ver, julgar e agir dos próprios juízes: “Se você não tem base empírica como você vai fazer a análise valorativa de maneira correta, como vai julgar de maneira correta? É impossível”[13].
10) Temos que entender o perfil dos juízes brasileiros: quem são, de onde vêm, qual sua origem social, onde se formam, onde são recrutados e como se dá seu processo de socialização dentro das respectivas carreiras e como isso influencia o perfil macro da nossa Magistratura[14].
Pêndulo histórico e importância dos dados empíricos
Dias Toffoli, presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, no evento "Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito", realizado na FGV Direito SP, em 28 de fevereiro de 2018, lança aos espectadores alguns questionamento, os quais serão, por cada presente, respondidos e posteriormente debatidos[15].
Em primeiro lugar, questiona aos participantes (mesa composta por professores da FGV Direito SP) acerca da importância do Conselho Nacional de Justiça. Antes de apresentar seu entendimento, o Ministro traça um panorama histórico do desenvolvimento político-econômico do Brasil e suas implicações no desenvolvimento da sociedade brasileira. Evidencia, a partir de dados concretos, que na história brasileira perdura um pêndulo, entre a centralização e descentralização do Poder Político.
Define, nesse sentido, a criação do Conselho Nacional de Justiça como um período de centralização[16], em resposta à dominação do Judiciário pelas elites locais. É necessário, nesse contexto, um órgão da nação que imponha uma disrupção simbólica, com a finalidade de garantir a imparcialidade da Justiça.
O CNJ, conforme expõe o ministro, trás a ideia de um Judiciário nacional, que carrega consigo certas problemáticas, dentre as quais: a dificuldade de se reunir dados e de se criar um sistema único entre todos os tribunais, tendo em vista a autonomia administrativa conferida pela Constituição.
Em segundo lugar, pergunta aos participantes da mesa se a TV Justiça pode influenciar o comportamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal. A resposta positiva é sintomática por parte dos presentes. O Ministro concorda que o mecanismo resulta na formulação de votos mais longos por parte dos julgadores, cuja exposição também é impulsionada. No entanto, entende que o julgamento em si não é influenciado.
Demonstra, sobretudo, como a TV Justiça atua pela democratização do Poder Judiciário. Gera transformação na cultura brasileira, introduzindo valores da Constituição Federal, mediante a exposição dos votos dos Ministros do STF à opinião pública, criando o paradigma de um Poder cada vez mais democrático e transparente[17].
Entende o papel fundamental da pesquisa empírica mediada pela inteligência artificial, propiciando maior e melhor integração de dados entre os diferentes tribunais. Isto facilita a análise sobre as decisões proferidas pelo Poder Judiciário de todo o Brasil. Além disso, a pesquisa empírica, sobre as decisões jurisdicionais, sistematiza padrões decisórios dos magistrados, revelando a fundamentação da legalidade concreta aplicada pelo Poder Judiciário na solução dos casos concretos e práticos, associando Direito e realidade nacional.
Em terceiro lugar, questiona os professores da FGV Direito SP acerca de seus respectivos posicionamentos sobre a Lei Saraiva de 1881, que foi responsável pela reforma eleitoral, acabando com o voto censitário no País. Um primeira percepção da indagação indica aspectos positivos advindos da Lei que deixou de associar o voto à renda dos indivíduos. Contudo, o Ministro invoca dados empíricos para demonstrar que após a edição da Lei Saraiva, na verdade foram as classes mais altas da sociedade que ganharam protagonismo nas eleições, uma vez que a Lei proibiu o acesso de analfabetos às urnas, que em 1881 representavam mais de 90% da população brasileira[18].
Prova, portanto, a importância dos dados empíricos para construção de um conhecimento mais próximo à realidade social. As decisões do Poder Judiciário são mais qualificadas quando levam em conta dados empíricos, possibilitando o conhecimento dos reais valores e fatos da sociedade[19]. O ministro propõe, a partir do panorama apresentado, linhas de pesquisa que busquem estudar a história do STF a partir dos personagens e movimentos sociais que fizeram os casos chegarem à Corte Suprema.
Seminário FGV Direito SP: Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito
O Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, no âmbito do projeto de pesquisa Transparência e Sigilo nos Âmbitos Público e Privado, realizou, no dia 23 de fevereiro de 2018, o evento "Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito".
O debate tratou de problemas e soluções institucionais em relação à Transparência no Poder Judiciário. Buscou analisá-la sob as perspectivas normativa, política e acadêmica. Além disso, foram discutidos os principais desafios que envolvem a pesquisa empírica no direito e o papel do Conselho Nacional de Justiça nessa perspectiva.
Participou do seminário, na qualidade de conferencista inaugural, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que a partir de setembro deve assumir a presidência da Suprema Corte e do CNJ. Entre as propostas formuladas pelo Ministro, tem-se a modernização da maneira de deliberação utilizada pelo Supremo. Uma forma de dinamizá-la seria, conforme propõe, passar o voto com antecedência entre os membros da Corte. Considera também ser necessário repensar o sistema de repercussão geral[20]. No âmbito acadêmico, propõe um projeto de pesquisa que busque estudar a história do STF não pela perspectiva de suas decisões, mas a partir dos movimentos sociais que fizeram os casos chegarem à Corte Suprema[21].
O evento contou com a coordenação de André Rodrigues Corrêa (FGV Direito SP), Eurico Marcos Diniz de Santi (FGV DIREITO SP), Isaías Coelho (CCiF e FGV Direito SP) e Lina Santin (mestranda FGV Direito SP). Patrocínio da Associação dos Agentes Fiscais de Renda de São Paulo (Afresp).
Transmissão ao vivo no site da FGV Direito SP[22].
O relatório de pesquisa elaborado pelos pesquisadores do NEF/FGV Direito SP tem como objetivo estruturar os principais pontos abordados pelos debatedores que compuseram a mesa do Seminário, permitindo que as colocações e debates travados no âmbito do evento sirvam de material de pesquisa para aqueles que se interessam pela temática da Transparência do Poder Judiciário e Pesquisa Empírica no Direito.
Clique aqui para ler o Relatório de Pesquisa
[1] CNJ e TV Justiça como promotores da transparência do Poder Judiciário: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1215.
[2] Transparência do Poder Judiciário e pesquisa empírica: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=798.
[3] Metáfora sobre o filme “O Segredo dos seus Olhos”: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=6130.
[4] Metáfora sobre o filme “A Trilogia das Cores”: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=6258.
[5] Pesquisa empírica e realidade prática: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1348.
[6] Importância da FGV na nova forma de pesquisa do Direito: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1531.
[7] Pesquisa relevante para a Nação: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1531.
[8] Think tanks devem exercer o papel de formadores de um projeto nacional para o Brasil: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1918.
[9] Complexidades do Estado brasileiro: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1918.
[10] Projeto nacional articulado: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=2248.
[11] Lei Saraiva e pesquisa empírica: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=2336.
[12] Referência à obra de Peter Irons: “A People's History of the Supreme Court: The Men and Women Whose Cases and Decisions Have Shaped Our Constitution”. A história do STF deve ser entendida em contexto dos personagens e movimentos sociais: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=2870.
[13] Ver, julgar e agir: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=2779.
[14] Perfil da magistratura brasileira: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=3820.
[15] Questionamentos lançados ao público: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=18m9s
[16] Fala do Ministro sobre o CNJ: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1h20m44s
[17] Fala do Ministro sobre a TV Justiça: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=1h12m
[18] Fala do Ministro sobre Lei Saraiva: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=38m56s
[19] Fala do Ministro sobre a importância dos dados empíricos: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=46m30s
[20] Propostas feitas pelo Ministo: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=2h44m14s
[21] Propostas no âmbito acadêmico: https://youtu.be/RtOOoMk0rP0?t=47m48s
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