Direito Civil Atual

Obra coletiva homenageia o eminente jurista baiano Augusto Teixeira de Freitas

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20 de agosto de 2018, 8h10

ConJur
Muitas obras jurídicas recentes e interessantes têm disso lançadas sobre o Direito Privado no Brasil, mas não se pode olvidar daquele que, de forma pioneira e original, consolidou as leis civis, aplicadas quando ainda eram vivenciados os tempos colonial e imperial, vindo, após, a redigir o esboço de um código para o país. Trata-se do baiano Augusto Teixeira de Freitas, nascido em 1816, na Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, falecido em 1883, cujos restos mortais jazem em uma urna situada no térreo da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (FDUFBA).

A preocupação de Teixeira de Freitas com a instituição de normas que refletissem o panorama socioeconômico do período é bastante incisiva, podendo-se observar esta postura quando, na Consolidação das Leis Civis, assevera que “O direito quer a vida real: quer a possibilidade de relações do indivíduo inteligente livre com entes, tem a mesma natureza, e o mesmo destino”[1]. Aduzia que as “leis que ensinam” deveriam ser voltadas aos juristas e “poderiam (e deveriam) ser constantemente lapidadas no sótão dos gabinetes”; mas as que fossem destinadas diretamente ao povo, as denominadas “leis que mandam”, teriam que ser “o produto e retrato fiel da realidade e das necessidades sociais”, ou seja, do Volksgeist[2].

Concretizou o jurisconsulto uma tarefa intensa, reconhecida por René David, “éminement pratique, de la Consolidation, fondée sur une connaissance parfaite de l’ histoire et de la réalité brésiliennes”[3]. A valorização dos elementos concretos do panorama histórico do século XIX encontra-se presente nas normas que compõem o Esboço do Código Civil[4]. Ainda que tal obra não tenha sido transformada em lei, aduz Clóvis Beviláqua que “entrou para o acervo da jurisprudência pátria como a sua producção mais valiosa, pela riqueza, segurança e originalidade das idéias”[5]. No campo científico, nota-se, conforme assevera René David, uma crítica construtiva e sem precedentes ao Código Napoleônico, ou seja, inédita[6], trazendo, à tona, as premissas em prol de uma contratação mais justa fincada na eticidade.

A intenção de Teixeira de Freitas era a unificação privatística correspondente ao acoplamento de todas as normas que regiam as relações jurídicas entre os particulares, com o fito de favorecer o labor coordenado e harmônico dos operadores do direito[7]. A defesa da estruturação de um arcabouço jurídico que congregasse as regras jurídicas do Direito Privado é também notada nas obras de Cimbali[8], revelando que o jurista brasileiro detinha, de fato, uma postura crítica e inovadora, como enunciou Pontes de Miranda[9]. Não tencionava Teixeira de Freitas a criação de diplomas normativos específicos, destinados ao tratamento dos mais variados negócios jurídicos que poderiam emergir no campo concreto, mas, sim, de uma codificação que servisse para o campo privado[10].

Diariamente acadêmicos circulam pelas adjacências da mencionada urna, onde se encontram as cinzas de Teixeira de Freitas, e muitos não possuem a concepção de que foi ele o responsável pelas sólidas bases do alicerce normativo cível brasileiro. Hoje, luta-se pela equidade nas relações privadas, mas foi com a sedimentação do Direito Civil Pátrio que se tornou possível a nobre missão de se enveredar pela proteção e defesa de tão diversificados e complexos interesses e direitos que emergem na realidade pós-moderna.

Nos dias 20 e 21 de outubro de 2017, na Congregação da FDUFBA, foi realizado o Seminário “Os 201 anos de Teixeira de Freitas e a sua Relevância para o Direito e a Sociedade”[11]. No decorrer da consecução do aludido evento, deliberou-se pela formalização de edital destinado à recepção de artigos para a composição de obra coletiva em sua homenagem. Nessa senda, foram remetidos escritos que se encontram reunidos na coletânea intitulada de “A Relevância de Augusto Teixeira de Freitas para o Direito Privado”, estruturada em 16 capítulos, e organizada com esteio na concepção de se abordar, inicialmente, aspectos gerais, adentrando-se, em seguida, em ramos específicos.

Na parte introdutória do livro, constam artigos que tratam da importante tarefa de Teixeira de Freitas na Consolidação das Leis Civis, na busca pela unificação do Direito Privado brasileiro e para a História do Direito Civil do nosso país, objetivando a construção de uma unicidade sistêmica. A influência do jurisconsulto na atual Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro é destacada por intermédio de pesquisa específica que integra a produção jurídica em comento. Transpõe-se, a posteriori, a abordagem para abarcar textos sobre as pessoas natural e jurídica, a tutela jurídica do nascituro e os direitos da personalidade.

A magnitude do jurista em epígrafe para o Direito das Obrigações e a responsabilidade civil, assim como para os conceitos de ilícito e dano, constitui objeto de exame realizado em escritos que integram a produção em apreço. A contribuição de Teixeira de Freitas para a estrutura normativa dos contratos e o seu embate com Friedrich Carl von Savigny, em torno da temática sobre as teorias acerca da posse, demonstram o seu posicionamento visionário e o vasto conhecimento da doutrina alemã. Expõe-se também o influxo de Teixeira de Freitas para o Direito das Sucessões e a realidade pós-moderna, caracterizada pelo surgimento de relações e negócios jurídicos distintos de outrora, abarcando os denominados “novos direitos” e a proteção dos interesses dos consumidores que, hodiernamente, deparam-se com variadas e constantes práticas abusivas.

Com a edição desta obra, direcionada a discorrer sobre a inegável proeminência do intitulado “Jurisconsulto do Império”, almeja-se despertar, no público jurídico, a vontade de investigar as raízes do Direito Civil brasileiro, não deixando de apreciar os escritos contemporâneos, mas sempre realizando-se incursões históricas que permitam compreender quais os meandros perseguidos por aqueles que nos deram os pilares do que se dispõe, hodiernamente, em termos legislativo, doutrinário e jurisprudencial.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).

[1] TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Consolidação das leis civis. Rio de Janeiro: Typographia Universal ede Laemmert, 1858, p. XLIII.

[2] SAVIGNY, Friedrich Karl von. System des heutigen römischen Rechts. Sistema del diritto romano attuale. Trad. Vittorio Scialoja. Roma: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1886-1898.

[3] DAVID, René. Cours de droit civil compare. Paris: Lês Cours de Droit, 1949, p. 273.

[4] TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Código Civil: esbôço. Rio de Janeiro: Typographia Universal ede Laemmert, 1865.

[5] BEVILÁQUA, Clóvis. Em defesa do projeto de Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1906, p. 23. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1931, volume I.

[6] DAVID, René. Cours de droit civil compare. Paris: Lês Cours de Droit, 1949, p. 273. Examinar ainda: ______. L’originalité dos droits de l’Amerique Latine. Paris: Centre de la Documentation Universitaire, 1950. ______. Traité élémentaire de droit civil compare. Paris: Librairie Générale de Droit du Jurisprudence, 1950. ______. Les grands sistèmes du droit contemporains (droit compare). Paris: Dalloz, 1964.

[7] CARVALHO, Orlando de. Teixeira de Freitas e a unificação do direito privado. Coimbra: [s. n.], 1985, p. 6. ______. Teixeira de Freitas e a Unificação do Direito Privado. In: Schipani, Sandro. Augusto Teixeira de Freitas e il diritto latinoamericano. Padova: CEDAM, 1988.

[8] CIMBALI, E. La nuova fase del diritto civile nei rapporti economici e sociali, 1885. 4. ed. incluída nas obras completas de A. Torino, 1907, 356 ss

[9] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Introdução, pessoas físicas, pessoas jurídicas. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.______. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. XXII-XXIII. Cf. ainda: SCHIPANI, Sandro. Chiusura dei lavori. In: SCHIPANI, Sandro. Augusto Teixeira de Freitas e il diritto latinoamericano. Padova: CEDAM, 1988.

[10] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1977.

[11] Com base em projeto previamente elaborado, a 5ª Promotoria de Justiça do Consumidor do Ministério Público da Bahia, o mencionado evento foi concretizado mediante os esforços conjuntos do parquet, da referida Instituição de Ensino, da Rede de Pesquisa em Direito Civil, BRASILCON, ABDECON/FDUFBA e MPCON.

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