Tribuna da Defensoria

Legitimidade da Defensoria não exige comprovação de hipossuficiência

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14 de agosto de 2018, 8h05

O texto do artigo 4º, VII, da Lei Complementar 80, que aduz caber à Defensoria Pública a promoção de ações coletivas quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes, revela uma “cláusula legal de potencial benefício dos necessitados”[1]:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
VII – promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes.

Quisesse o legislador adotar postura diferente, teria se referido a benefício exclusivo de grupo de indivíduos hipossuficientes, o que não o fez.

Acerca disso, válido é, também, observar que Lei 7.347/85, que compõe o microssistema processual coletivo, não faz distinção entre a Defensoria Pública e os demais colegitimados para a propositura de ação coletiva, de forma que se trata de previsão genérica e ampla. A lei da ACP não faz qualquer condicionamento à legitimidade da Defensoria Pública, como o faz com as associações, as quais, nos termos do inciso V do artigo 5º da norma, devem estar constituídas a mais de um ano e incluir a respectiva matéria dentre suas finalidades[2].

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 733.433, apreciando o Tema 607 da repercussão geral, fixou tese nos seguintes termos:

A Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura da ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas.

A expressão “em tese”, contida no enunciado, corresponde ao reconhecimento da legitimidade ampla, ainda que não irrestrita. É dizer, conforme afirmou o ministro Barroso no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943, a legitimação da Defensoria Pública para o ajuizamento de ações civis públicas somente pode ser afastada em situações extremas, que fujam por completo da missão institucional do órgão[3].

Com efeito, a definição do necessitado deve se pautar em princípios de interpretação que garantam a efetividade das normas constitucionais previstas nos incisos XXXV, LXXIV e LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, conferindo ao acesso à Justiça e aos diretos que a este se ligam, como é a assistência jurídica gratuita, um sentido que não crie obstáculo à sua efetivação.

A efetividade dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º, I, II e IV da CF/88) encontra-se diretamente ligada ao acesso à Justiça, sendo que a interpretação que deve ser conferida aos diretos que se ligam a este último, como é a assistência jurídica gratuita, deve se voltar para o alargamento do número de pessoas que possam ser beneficiadas por soluções coletivas dos conflitos.

A recente rejeição dos Embargos de Declaração na ADI 3.943, através dos quais a parte embargante argumentava que a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ACP somente deveria ser admitida quando houvesse prévia comprovação de hipossuficientes envolvidos e interessados, buscando, ainda, claramente, vincular a necessidade ao aspecto econômico, afastou qualquer pretensão de condicionar a legitimidade para a propositura de ação civil pública pela instituição à prévia comprovação da necessidade (seja econômica ou de outra ordem) dos potenciais beneficiários da ação.

Na decisão dos embargos restou consignado que a legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública não está condicionada à comprovação prévia da hipossuficiência dos possíveis beneficiados pela tutela jurisdicional. Tal inteligência já era extraída da decisão embargada (na ADI 3.943), motivo pelo qual os embargos foram rejeitados, por demonstrarem “apenas inconformismo e resistência em pôr termo a processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional” (trecho em aspas retirado do inteiro teor — ADI 3.943 ED/DF).

O simples fato de a ação ser patrocinada pela Defensoria Pública, portanto, já revela, em tese, o interesse subjacente de pessoas vulneráveis, já que, por natureza, a atuação institucional é voltada à defesa dos necessitados. A presunção de que no rol dos possíveis afetados pelos resultados da ação coletiva ajuizada pela instituição constem pessoas necessitadas é suficiente para justificar a legitimidade da Defensoria Pública.


1 CASAS MAIA, Maurilio. Custos vulnerabilis constitucional: o estado defensor entre o REsp 1.192.577-RS e a PEC 4/14. Revista Jurídica Consulex, Vol. 417, 1 jun. 2014, p. 57.
2 Sobre o fundamento jurídico da legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento da ação civil pública, mais detalhadamente, ver:
FILHO, Edilson Santana Gonçalves. Defensoria Pública e a tutela coletiva de direitos: teoria e prática. Salvador: JusPodivm, 2016.
ROCHA, Jorge Bheron. Legitimação da Defensoria Pública para ajuizamento de ação civil pública tendo por objeto direitos transindividuais. Fortaleza: Boulesis Editora, 2017.
3 Sobre o tema, ver: FILHO, Edilson Santana Gonçalves. Defensoria Pública e a tutela coletiva de direitos: teoria e prática. Salvador: JusPodivm, 2016.

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