Pauta Ampla

Órgão Especial combate ritmo "artesanal" e controvérsias no TJ de São Paulo

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13 de agosto de 2018, 13h04

*Reportagem publicada na edição 2018 do Anuário da Justiça São Paulo,  que será lançado nesta quarta-feira (15/8), na sede do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Todas as quartas-feiras, 25 membros do Tribunal de Justiça reúnem-se para analisar incidentes de inconstitucionalidade, processos contra autoridades com foro especial, conflitos de competência e mandados de injunção relacionados à Constituição do estado de São Paulo, entre outros temas. Os julgamentos ocorrem no Salão Nobre Ministro Costa Manso e são transmitidos pela internet.

Em junho de 2018, pela primeira vez na história da corte, uma mulher foi eleita para integrar o Órgão Especial. A desembargadora Maria Cristina Zucchi, que faz parte da 34ª Câmara de Direito Privado, é juíza desde 2001. Ingressou na magistratura pelo quinto constitucional da advocacia no 2º Tribunal de Alçada Cível e tornou-se desembargadora em 2004, com a unificação dos tribunais de alçada ao TJ-SP. Na votação, recebeu 110 votos para substituir o desembargador João Negrini Filho.

Na classe Carreira, Beretta da Silveira foi eleito para o seu segundo mandato com 261 votos e o desembargador Elcio Trujillo, com 180 votos, substitui Borelli Thomaz. A votação aconteceu por sistema eletrônico. Dos 360 desembargadores da corte, 348 votaram.

As sessões do Órgão Especial geralmente começam com a pauta administrativa: pode tomar horas de debates quando envolve processo administrativo disciplinar contra juiz ou desembargador. O Órgão analisou nove casos assim, entre janeiro de 2017 e abril de 2018, e puniu cinco magistrados no mesmo período, com duas penas de advertência, duas penas de aposentadoria compulsória e uma pena de remoção compulsória.

Um dos mais relevantes levou à aposentadoria compulsória de um juiz de 60 anos por baixa produtividade. O colegiado reconheceu que uma série de advogados, juízes e servidores o descreviam como cordial, atencioso e culto, mas concluiu que ele descumpria prazos e não era eficiente: produzia até 2015 a média de 33 sentenças por mês, tinha mais de 150 processos aguardando decisão por mais de cem dias e mantinha “tendência à prolixidade”.

Segundo o relator, desembargador Sérgio Rui, o próprio tribunal poderia responder por condescendência ou conivência se permitisse que o juiz continuasse em atividade. Para Amorim Cantuária, o juiz mantém prática antiga da magistratura, trabalhando em ritmo “artesanal”. “Hoje, infelizmente, a nossa produção tem que ser industrial”, disse durante o julgamento.

Já o juiz Fernando Antonio de Lima, da Vara do Juizado Cível e Criminal de Jales (SP), foi absolvido por declarar a um jornal que suas sentenças desfavoráveis a empresa geraram “mais de R$ 14 milhões para a população da comarca”, valor “que movimenta a nossa economia, com distribuição de renda”. Por maioria, o Órgão Especial entendeu que o juiz não exorbitou de sua liberdade de se expressar e, como se retratou depois e reconheceu excesso de suas palavras, não deveria ser punido.

No entanto, para o desembargador Alex Zilenovski, que abriu a divergência, o corregedor-geral Geraldo Pinheiro Franco, Sérgio Rui e o presidente Manoel Pereira Calças, o juiz violou, sim, a imparcialidade e a prudência previstas na Loman ao externar sua predisposição ao condenar grandes corporações econômicas prestadoras de serviços públicos, e deixou transparecer falta de isenção nos julgamentos. Dessa forma, os quatro votaram por aplicar a pena de censura, mas ficaram vencidos. O procedimento foi arquivado.

A pauta judiciária, sempre ampla, firmou uma série de entendimentos em diferentes ramos do Direito. A corte declarou inconstitucional dispositivo do Código Penal (artigo 273) que fixa pena de 10 a 15 anos de prisão para quem falsifica, adultera, importa, vende ou distribui medicamentos sem registro, inclusive cosméticos.

Também derrubou lei municipal que proibia o sacrifício em cultos religiosos. A maioria dos desembargadores concluiu que a norma da cidade de Cotia (SP) restringia a prática religiosa. Ainda com base na liberdade de crença, o colegiado reconheceu que municípios podem estender a isenção de IPTU para donos de imóveis que têm templos religiosos como inquilinos.

Ainda há controvérsia sobre a cassação de aposentadoria de servidores punidos. A aposentadoria pode ser entendida como ato jurídico perfeito e acabado, não podendo ser desfeito, por ter caráter contributivo. Renato Sartorelli, por exemplo, mudou de entendimento e reconheceu que a pena de cassação de aposentadoria permite à administração pública responsabilizar o servidor por ilícito administrativo de natureza grave praticado quando ainda estava em atividade, o que resulta em demissão.

O entendimento anterior de que a cassação da aposentadoria não mais se compatibiliza com a Constituição Federal desde a entrada em vigor das Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003, que deram nova natureza ao sistema previdenciário dos servidores públicos, passando este a ter caráter contributivo/retributivo, era capitaneado, no Órgão Especial, pelo ex-presidente Paulo Dimas Mascaretti e tem entre seus adeptos João Negrini Filho, Carlos Bueno, Sérgio Rui, Salles Rossi, Antonio Carlos Malheiros e Péricles Piza.

Renato Sartorelli também esclareceu o alcance de decisões do Órgão Especial sobre inconstitucionalidade em ações de controle concentrado: mesmo que um dispositivo seja derrubado com eficácia ex tunc (desde o início), o impacto em processos anteriores não é automático. Assim, o fato de o colegiado ter derrubado o chamado “prêmio incentivo” a servidores de Ribeirão Preto que nunca faltavam ao trabalho não significa que a prefeitura possa deixar de pagar gratificações reconhecidas em ações já julgadas. Para questionar o repasse, deve apresentar recurso próprio, impugnar cumprimento de sentença ou ajuizar ação rescisória.

O Órgão Especial também declarou inconstitucional dispositivo da norma que fixou o teto do INSS para servidores do estado de São Paulo (hoje em R$ 5,5 mil) e criou previdência complementar para quem quiser renda extra. A Lei 14.653/2011 fixou a mudança para os funcionários contratados a partir da publicação do texto, em dezembro de 2011, mas os critérios do novo sistema só foram divulgados depois.

Por maioria de votos, um ano depois de iniciado o julgamento, a decisão impacta significativo número de servidores, inclusive juízes, membros do Ministério Público, defensores públicos e professores de universidades estaduais. Na prática, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que o marco inicial do regime varia conforme o prazo em que diferentes instituições estaduais assinaram convênio com a SP-Prevcom, entidade criada para gerir o fundo. À época corregedor-geral da Justiça, Manoel Pereira Calças, declarou que a previsão a partir de 2011 consistia em “ficção jurídica”. O então presidente da corte, Paulo Dimas Mascaretti, também viu a necessidade de estabelecer segurança a todo o funcionalismo.

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