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Segurança no trânsito é um objetivo difícil, mas que pode ser alcançado

Autor

  • Ricardo Prado Pires de Campos

    é procurador de Justiça aposentado presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático e professor de Direito com mestrado em Processo Penal. Foi promotor do júri por uma década tendo atuado no 1º Tribunal do Júri de São Paulo.

13 de agosto de 2018, 16h18

Em março de 2010, uma resolução da ONU definiu o período de 2011 a 2020 como a “década de ações para a segurança do trânsito”, afinal, o conjunto de 178 países havia contabilizado, no ano anterior, 1,3 milhão de mortes por acidentes de trânsito, e mais 50 milhões de feridos com sequelas[1]. Era preciso agir, pois a tragédia era imensa, e as estimativas apontavam para uma tendência crescente.

O Brasil aparecia em quinto lugar entre os recordistas em mortes no trânsito, o que é compatível com a grandeza de sua população; mas, aqui, não era vantagem, e sim um imenso problema.

Em 2008, ano de implantação da Lei Seca (Lei 11.705, de 19/6/2008), que promoveu alterações no Código de Trânsito Brasileiro, o Brasil registrou 38.273 mortes no trânsito. Em 2012, foi preciso nova alteração, com a Lei 12.760, de 20 de dezembro, pois o país atingia 44.812 vítimas fatais.

Novas alterações legislativas vieram, sempre endurecendo as punições — administrativas e criminais —, com as leis 12.971 de 2014, 13.281 de 2016 e 13.546, de 2017.

O número de óbitos caiu para 32.615 em 2017[2], mas, ainda, não dá para comemorar, pois o patamar é horroroso, e os números não apresentam uma tendência única, oscilam muito de um ano a outro.

A frota nacional vem crescendo significativamente e isso impacta no volume de acidentes, dado que há mais veículos circulando no país. Em uma década, a proporção, que era de 1 veículo para cada grupo de 7,3 habitantes, passou para 1 a cada grupo de 4,8 habitantes. O número de automóveis saiu de 24,8 milhões em 2009 para atingir 36 milhões em 2017. E as motocicletas atingiram 13,2 milhões. A distribuição é irregular, pois 70% da frota estão nas regiões Sudeste e Sul do país[3].

Com a frota em crescimento, atingir a meta fixada fica mais difícil, mas, com empenho e firmeza no rumo certo, isso é possível.

O Observatório de Segurança Viária diz que 90% dos acidentes são relacionados ao comportamento do motorista[4]. Não basta apenas investir em rodovias e veículos, é preciso educar e fiscalizar as pessoas.

Dentre as inúmeras medidas aprovadas nos últimos anos estão aumento das multas e da fiscalização de forma muito significativas, alguma melhoria na comunicação com a população, e acréscimo, também bastante significativo, nas penas dos crimes de trânsito.

As leis de 2008 e 2012 promoveram alterações no crime de embriaguez ao volante, artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

A Lei de 2014 criou tipos qualificados no crime do artigo 308: participar de corrida ou disputa automobilística não autorizada, punindo severamente os casos que resultarem em lesão grave (pena de 3 a 6 anos de reclusão) ou morte (de 5 a 10 anos).

E a recente Lei 13.546, de 19/12/2017, alterou os artigos 302 e 303, que definem o homicídio culposo e a lesão corporal culposa na condução de veículo automotor, estabelecendo tipos qualificados na hipótese do motorista estar dirigindo sob influência de álcool ou substância psicoativa. As penas, todas de reclusão, são de 2 a 5 anos na lesão grave ou gravíssima; e de 5 a 8 anos, em caso de morte da vítima.

A Lei 13.281, de 2016, tratou de multas, publicidade e previu no artigo 312-A,que, em hipótese de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, esta deverá ser de prestação de serviços à comunidade, mas sempre “relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito”. Isto é, o causador do evento terá de colaborar no atendimento às vítimas.

Embora os acidentes envolvendo embriaguez ao volante chamem mais a atenção da imprensa, eles não são os únicos vilões do trânsito: excesso de velocidade, a falta de atenção e sono são três fatores muito significativos nesse tema. O excesso de velocidade é o principal causador de mortes no trânsito. Os atropelamentos, principal causa de mortes na cidade de São Paulo, deixa isso muito nítido.

Atropelamentos a 50 km por hora resultam em um óbito a cadacinco vítimas; ou seja, 20% delas morrem. No entanto, atropelamentos a 80 km por hora resultam em três óbitos para cada cinco pessoas, isto é, a proporção chega a 60% de mortes[5]. Se todos os motoristas tivessem consciência disso, talvez pensassem antes de pisar fundo no acelerador, especialmente nas cidades.

Cabe registrar, ainda, que o problema vai muito além das mortes: “O número de internações ligadas a acidentes de trânsito cresceu nos últimos dez anos: em 2008, 95.216 condutores, passageiros e pedestres foram internados no Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, foram 181.120”[6].

Enquanto as pessoas não perceberem que não estão sozinhas no trânsito, enquanto não se derem conta de que os veículos são instrumentos mortais, e as motocicletas, extremamente frágeis nos choques e colisões, essa situação de perdas elevadíssimas não retrocede.

“Paciência exige muita prática”, escreveu o dramaturgo inglês. E se deslocar no trânsito, especialmente nas grandes cidades, exige muita paciência e atenção redobrada para não fazer parte dessas estatísticas.

O comportamento muda a vida: a nossa e a do outro. “Ou você controla os seus atos, ou eles o controlarão”, já dizia Shakespeare.

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