Direito Civil Atual

Il Terzo Contrato, uma nova modalidade de contrato empresarial (parte 3)

Autor

  • Carlos Alberto Garbi

    é mestre e doutor em Direito Civil pela PUC-SP. Pós-doutorando pela Universidade de Coimbra em ciências jurídico-empresariais. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Consultor e advogado. Professor e Chefe do Departamento de Direito Privado e Social da FMU-SP.

13 de agosto de 2018, 8h00

ConJur
Na sequência da coluna anterior, estamos de acordo com Pardolesi quando sustenta que as diferenças encontradas nos vários tipos de contratos não estão a reivindicar um tratamento expansivo da unidade do direito contratual. O variado e rico universo das categorias contratuais não aspira negar a unidade da matriz contratual. Sucede que a unidade deve ser encontrada na própria fragmentação do sistema, quando se aproxima o terceiro contrato das figuras do abuso de posição dominante, dependência econômica e da legislação antitruste.

Obviamente a tutela do chamado terceiro contrato apresenta diferenças importantes quando comparada às duas categorias referidas, mas não há razão para distinguir, observa Fabrizio Cafaggi, a tutela da liberdade do consumidor e a tutela de liberdade do empresário[1], porque ambas essencialmente cuidam da liberdade e autonomia privada. O que se deve distinguir é o meio adequado de provimento desta tutela.

A identificação de um terceiro contrato, numa prospectiva sensível ao pluralismo da fenomenologia do contrato assimétrico, como anota Emmanuela Navarreta, tem o mérito de coordenar melhor a disciplina do contrato e a regulamentação da concorrência, bem como revelar a dimensão geral do sistema e a sua unidade, que pode ser conferida pela aplicação das cláusulas gerais, especialmente a boa-fé objetiva.[2]

A ideia de terceiro contrato impõe igualmente, como sustentado por Nicolò Lipari, repensar a forma como o jurista trabalha as categoriais do direito privado na busca de um direito de equidade no contrato, reconhecido hoje como um direito fundamental capaz de trazer para o direito contratual a unidade de paradigma necessária a orientar as múltiplas categorias existentes.[3] A exigência desse método assume ainda mais relevância quando sentidos os efeitos da inevitável globalização, que tem provocado, observa Lipari, um gigantesco transferimento de funções dos Estados aos mercados e, portanto, em outros termos, da lei aos contratos, com incidência sempre maior dos atos de autonomia privada como fonte do direito (nova lex mercatoria).[4]

A jurisprudência tem se mostrado sensível à necessidade de se construir uma tutela adequada, não a esta ou àquela categoria de contrato, mas a uma patologia comum de debilidade capaz de derruir a essência do direito contratual, que é a livre vontade.

Aproveitando a experiência italiana vale lembrar nesse sentido importante decisão, anotada por Roberto Giovagnoli, em caso famoso julgado na Itália que envolvia o recesso ad nutum do contrato de distribuição entre a fabricante de automóveis Renault e todos os seus concessionários na Itália, decidindo a Corte de Cassação que o exercício do poder contratual deve guardar respeito à boa-fé objetiva e ao dever de lealdade de comportamento, dando relevância para a situação de dependência econômica verificada entre as partes no julgamento de validade da cláusula contratual que autorizava o recesso potestativo da montadora de automóveis, bem como reconheceu a legitimidade do exame e valoração judicial do exercício desse poder contratual (Cass. civ. Sez. III, 18-09-2009, n. 20106).[5]

A inovadora decisão, que modificou o entendimento das instâncias inferiores da justiça italiana, abriu caminho para uma nova reflexão sobre a fenomenologia contratual e a tutela da assimetria de poderes, independentemente da qualidade das partes. Buscou o paradigma do direito contratual na cláusula geral de boa-fé objetiva e nos deveres decorrentes, indicando que é possível extrair do ordenamento dualista a resposta adequada a outras categorias contratuais.[6]

No Brasil, em caso semelhante, envolvendo fabricante de motocicletas e seu único distribuidor, se decidiu, com fundamentos semelhantes, pela suspensão dos efeitos da tutela que determinava a resolução do contrato de distribuição, considerando a boa-fé objetiva e a natureza do contrato relacional.[7]

Na jurisprudência há registro de vários julgados aplicando tutela em favor da parte mais fraca em casos de assimetria de poderes e abuso da dependência econômica em contratos empresariais (TJSP: Ap. n. 4011356-07.2013.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, Rel. Des. Cerqueira Leite, dj. 18.04.2018; Ap. n. 0101715-14.2007.8.26.0011, Rel. Des. Thiago de Siqueira, j. 08.02.2017; Ag. n. 2016759-20.2014.8.26.0000, Rel. Des. Hugo Crepaldi, j. 13.03.2014).

No contrato de franchising, sempre lembrado pela doutrina italiana como exemplo do terceiro contrato, a validade da cláusula de compromisso arbitral e eleição de foro têm sido questionadas pelos franqueados na justiça brasileira. Em muitos casos se verifica que essas cláusulas efetivamente decorrem da assimetria de forças das partes, pois se percebe claramente que não foram queridas pelo franqueado. É fruto do abuso do poder econômico e convencionada com o propósito de dificultar o acesso à justiça e não de oferecer meio alternativo de solução do litígio.[8] Também tem sido trazida aos tribunais, com decisões favoráveis ao franqueado, a questão do recesso potestativo do franqueador e da validade de cláusulas restritivas, que retira do franqueado a possibilidade de recuperar o investimento feito.

Estas decisões sinalizam no sentido de que há na doutrina e na jurisprudência brasileiras a percepção de que nos contratos entre empresas a parte mais fraca deve ser tutelada quando, em razão da dependência econômica, se verifica abuso do exercício da sua liberdade e autonomia privada, o que impõe novas reflexões em busca de um paradigma unitário do direito contratual na tutela da parte mais fraca e contra o abuso, independentemente da categoria do contrato.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Roma 2-Tor Vergata, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT e UFBA).


[1] Interrogativi deboli sui fundamenti del terzo contratto. Op. cit., p. 306.

[2] Op. cit., p. 328-329. No mesmo sentido anota Rita Marsico: “Il terzo contratto, dunque, rappresenta le incertezze e, nel contempo, il pluralismo nascente dall’evoluzione del diritto dei contratti. Sebbene la sua sia una formulazione di stampo scientifico e provvisorio, pare sia stato accettato pacificamente in dottrina in virtù dell’esigenza di superare la “rigidità dogmatica e l’astrattezza concettuale delle categorie consegnate dalla tradizione della modernità e analizzare nuovi profili di indagine, oltrepassando la fattispecie, per schiudere alle delicate vicende della contrattazione, nella consapevolezza delle reciproche compenetrazione tra concorrenza, mercato e contratto, ormai non più da studiarsi come fenomeni inconciliabili e frazionati”. Nonostante, infatti, sia visto con distacco da una parte minoritaria dei civilisti a causa dei nebulosi contorni normativi ed applicativi che la caratterizzano, la figura in esame ben potrebbe risultare uno strumento valido al circolo ermeneutico degli interpreti, al fine di compensare un vuoto normativo, ascrivibile alla tutela dell’imprenditore debole, e garantire tout court l’attuazione della missione che il nostro ordinamento sta realizzando in merito alla tutela dei soggetti deboli, soprattutto alla stregua dei principi costituzionali di cui agli articoli 2, 3 e 41 Cost” (https://www.filodiritto.com/articoli/pdf/2010/11/le-nuove-frontiere-della-dottrina-civilistica-il-terzo-contratto?_id8=3 – acessado em 24.05.2018)

[3] Não há oportunidade neste ensaio para aprofundar a investigação sobre a equidade e equivalência material nos contratos. A respeito, entre outras, a doutrina de Rodrigo Toscano de Brito (Equivalência Material dos Contratos. Ed. Saraiva, 2007), que extrai da Constituição (especialmente do art. 170) o espírito da equivalência material aplicável a todos os contratos, paritários ou de massa, de natureza civil, empresária ou de consumo (Op. cit., p. 65-72).

[4] Op. cit., p. 158. A respeito da chamada nova lex mercatoria ver Francesco Galgano (Lex mercatoria, ed. Il Mulino, 5ª ed., 2010).

[5] A respeito da decisão referida escreveu Roberto Giovagnoli: “Secondo la Cassazione, infatti, l'esercizio del potere contrattuale deve essere posto in essere nel rispetto di determinati canoni generali – quali quello appunto della buona fede oggettiva, della lealtà dei comportamenti e delle correttezza – alla luce dei quali debbono essere interpretati gli stessi atti di autonomia contrattuale. Ed in questa ottica, il controllo e l'interpretazione dell'atto di autonomia privata dovrà essere condotto tenendo presenti le posizioni delle parti, al fine di valutare se posizioni di supremazia di una di esse e di eventuale dipendenza, anche economica, dell'altra siano stati forieri di comportamenti abusivi, posti in essere per raggiungere i fini che la parte si è prefissata.” (Giurisprudenza civile 2010, Giuffrè – acessível em http://www.jusforyou.it/media/obj/w49u2gta4w6xvct9ac6q.pdf).

[6] Na Italia, registra Nicolò Lipari, a previsão de abuso de dependência econômica introduzida pelo art. 9º, da Lei n. 198, de 18 de junho de 1998, nas relações de subcontratação entre empresas, tem sido aplicada genericamente nas relações entre empresários, quando se verifica o abuso. É a indicação de que o critério valorativo do abuso e o excessivo desequilíbrio passou a ser considerado como princípio cardeal de equilíbrio nas relações contratuais, como uma regra de direito civil autônoma em favor do contratante mais fraco. Essa orientação da jurisprudência italiana abre caminho para a intervenção da jurisprudência sem condicionamento aos velhos paradigmas conceituais (op. cit., p. 162).

[7] A decisão monocrática que subscrevi, quando integrava o Tribunal de Justiça de São Paulo, pode ser consultada integralmente no site do TJSP (https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=990.10.293417-9&uuidCaptcha=#?cdDocumento=20). No Conjur se encontra a matéria de Mariana Ghirello a respeito do caso: https://www.conjur.com.br/2010-jul-13/rescisao-contrato-entre-harley-davidson-revendedora-rejeitada.

[8] Em caso envolvendo franqueador estrangeiro e franqueado brasileiro essa questão foi colocada e o Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos (fui vencido), entendeu pela validade da cláusula arbitral. O Acórdão integral, relatado pelo Desembargador Maurício Pessoa (Ap. n. 1027041-62.2013.8.26.0100, j. 11.12.2017), pode ser acessado em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=11115808&cdForo=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_c1a1882bc4e74985a494a7723f166f1a&vlCaptcha=pbcx&novoVlCaptcha=.

Autores

  • é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP, chefe do Departamento de Direito Civil das Faculdades Metropolitanas Unidas e coordenador de pós-graduação de Direito Civil da Escola Paulista da Magistratura.

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