Opinião

A inconstitucionalidade do índice IPCA-E na atualização de débitos fiscais em SP

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10 de agosto de 2018, 6h19

Em São Paulo, com frequência a Procuradoria-Geral do Estado faz a atualização monetária de débitos não tributários por meio de critérios inconstitucionais. Recentemente, o Tribunal de Justiça local reconheceu uma dessas ilegalidades ao confirmar que a atualização monetária de multas oriundas do Procon-SP pelo índice IPCA-E + 1% de juros ao mês violaria os limites nacionais para taxas de atualização de débitos.

A forma de atualização empregada pode aumentar significativamente o valor do débito. É importante, assim, que as empresas se assegurem de que eventuais débitos inscritos na Dívida Ativa estejam sendo atualizados corretamente.

A título exemplificativo, uma multa de valor expressivo, quando atualizada ao longo de um ano pelo índice IPCA-E + 1% de juros ao mês, pode se tornar aproximadamente meio milhão de reais maior do que a mesma multa, se atualizada pelo mesmo período utilizando-se a Taxa Selic[1]. A questão, portanto, afeta diretamente a previsibilidade financeira da empresa.

Isso acontece com frequência em órgãos como o Procon-SP. As multas administrativas oriundas do órgão nem sempre são atualizadas da mesma forma: ora a Procuradoria-Geral decide atualizá-las com base no índice IPCA-E, ora com base na Taxa Selic.

Os autores deste artigo entendem ser a Taxa Selic a única taxa atualmente aplicável para a correção monetária de débitos não tributários oriundos de multas administrativas de órgãos como o Procon-SP. A justificativa está na competência concorrente, prevista no artigo 24, inciso I, da Constituição Federal, que permite aos estados legislarem concorrentemente com a União Federal sobre a forma de atualização de créditos fiscais, desde que os critérios de atualização estaduais não ultrapassem os critérios de atualização federais[2].

A questão da competência concorrente na definição de índices de correção de débitos já foi apreciada em arguição de inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[3]. Em 2013, a corte julgou caso em que se discutia a constitucionalidade de artigos da Lei estadual 6.374/89/SP (Lei do ICMS), com nova redação dada pela Lei estadual 13.918/09/SP. Naquela oportunidade, verificou-se que a Lei do ICMS estabelecia taxas de juros para a atualização dos créditos tributários estaduais maiores que as taxas de juros estabelecidas pela União Federal para a atualização de créditos tributários federais. Com base na competência concorrente, a corte determinou que a taxa de juros prevista na Lei do ICMS não excedesse aquela prevista para a cobrança dos tributos federais, que, à época, já era a Taxa Selic[4].

A questão se tornou pacifica para a atualização de créditos tributários estaduais, porém permaneceu dúvida quanto aos limites de competência dos estados na definição de índices de atualização de créditos não tributários. Para a Procuradoria-Geral de São Paulo, o precedente do TJ-SP estaria limitado à análise da questão para créditos tributários, não sendo aplicável para créditos não tributários[5]. Assim, a Portaria 45/2015 do Procon-SP, por exemplo, estabelece em seu artigo 29 a utilização do índice IPCA-E para a atualização de suas multas.

Ocorre que, ainda que o objeto daquela arguição de inconstitucionalidade estivesse limitado à análise da questão para créditos tributários, o preceito constitucional da competência concorrente continuaria valendo para todos: créditos tributários e não tributários. Daí porque, havendo lei federal que defina índice de atualização para créditos não tributários federais, devem os estados respeitar os limites ali previstos, podendo legislar tão somente para definir critérios de atualização iguais ou menores.

E é justamente essa a situação atualmente vislumbrada pelo nosso ordenamento jurídico: a Lei Federal 10.522/2002 estabeleceu, em seu artigo 37-A[6], que os créditos de fundações públicas federais, de qualquer natureza (tributários ou não tributários), terão correção e juros calculados nos termos da legislação aplicável aos tributos federais. Sendo os tributos federais atualmente atualizados pela Taxa Selic[7], devem os créditos de fundações públicas federais — ainda que não tributários — necessariamente seguir o mesmo critério.

Demonstrado que a Lei Federal 10.522/2002 atualmente estabelece a atualização dos créditos não tributários de autarquias e fundações públicas federais pela Taxa Selic, então necessariamente deverão os créditos não tributários de fundações públicas estaduais seguir o mesmo critério, em razão da já conhecida competência concorrente existente entre os estados e União Federal.

Nesse sentido, recentemente se posicionou o TJ-SP no julgamento de agravo de instrumento que discutia a forma correta de atualização de créditos não tributários do Procon-SP inscritos em Dívida Ativa. Enquanto a Procuradoria-Geral defendia a aplicação do índice IPCA-E + 1% de juros ao mês, a empresa multada defendia a aplicação da Taxa Selic. O TJ-SP entendeu “correta a aplicação da SELIC como limite máximo para atualização da dívida ativa não tributária, a exemplo do que ocorre com a dívida tributária”[8], pelos mesmos fundamentos aqui expostos.

Conclui-se que, enquanto viger lei federal estabelecendo a Taxa Selic com forma de atualização dos créditos não tributários de autarquias e fundações públicas federais, será este o limite também para as atualizações de créditos de autarquias e fundações públicas estaduais, em razão da competência concorrente estabelecida pela Constituição Federal. Diante da possível economia que a questão pode trazer para as empresas, é importante que seus gestores se assegurem de que eventuais débitos inscritos na Dívida Ativa de São Paulo — contestados ou não — estejam sendo atualizados de forma constitucional.


[1] Simulações utilizando multa com valor original de R$ 8 milhões, atualizada de 1º/1/2017 até 1º/1/2018 pelo índice IPCA-E + 1% de juros ao mês e pela Taxa Selic, ambas com critério mês cheio. Destaca-se que a Taxa Selic engloba correção monetária e juros em seu fator de correção, de forma que não deve ser cumulada com 1% de juros ao mês, sob pena de bis in idem, conforme já pacificado pelo STJ (STJ, REsp 1.102.552, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 06/04/2009; REsp ‐ EDcl 853.915, 1ª Turma, Min. Denise Arruda, DJ de 24/09/08; REsp 926.140, Min. Luiz Fux, DJ de 15/05/08; REsp 1008203, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ de 12/08/08; REsp 875.093, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 08.08.08).
[2] O Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento nesse sentido quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 442.
[3] Arguição de Inconstitucionalidade 0170909-61.2012.8.26.0000, des. rel. Paulo Dimas Mascaretti, Órgão Especial, data do julgamento 27/2/2013, data do registro 7/3/2013.
[4] Conforme estabelecido pela Lei Federal 9.065/95.
[5] Nesse sentido se manifestou a Procuradoria-Geral de São Paulo em folhas 5/7 do Agravo de Instrumento 3000888-88.2018.8.26.0000.
[6] Art. 37-A. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais.
[7] O artigo 30 da Lei Federal 10.522/2002 dispõe que os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional, bem como aos inscritos em Dívida Ativa da União, passam a ter como referencial de atualização a Taxa Selic.
[8] Agravo de Instrumento 3000888-88.2018.8.26.0000; Relator (a): Spoladore Dominguez; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; TJ-SP; Data do Julgamento: 20/6/2018; Data de Registro: 21/6/2018. O referido agravo de instrumento ainda não transitou em julgado.

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