Dívida eterna

Leia o voto de Fachin sobre imprescritibilidade de dever de ressarcir o erário

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9 de agosto de 2018, 19h55

A segurança jurídica e a prescrição de deveres são formas de garantir a estabilidade das relações sociais. Mas atos de improbidade administrativa causam prejuízos a toda a sociedade e o ressarcimento aos cofres públicos não pode prescrever.

Carlos Moura - SCO/STF
Devolução de dinheiro perdido por atos de improbidade não pode prescrever, afirma Fachin.
Carlos Moura – SCO/STF

Foi como entendeu o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao votar pela imprescritibilidade do dever de quem cometeu improbidade ressarcir os cofres públicos. De acordo com o ministro, a Constituição é clara ao ressalvar que o dever de devolver ao erário o dinheiro perdido com atos de improbidade não prescreve. Não haveria, portanto, como afirmam os contrários à tese dele, conflito com o artigo 37 da Constituição.

“Se houver dano poderá haver ação de ressarcimento, sem que incida sobre essa pretensão qualquer prazo prescricional. Basta, à luz do comando constitucional, a existência de ilícito que a ele cause prejuízo para que seja possível ação de ressarcimento, sem que sobre a pretensão nela veiculada incida qualquer prazo prescricional”, disse.

Fachin foi o primeiro a divergir do ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso. Alexandre chegou a ser o voto vencedor quando a sessão foi suspensa, no dia 2 de agosto, pela ministra Cármen Lúcia, presidente da corte. Na retomada da discussão, na quarta-feira (9/8), os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux mudaram de voto para acompanhar Fachin.

Além de Fux e Barroso, acompanharam Fachin os ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Para eles, o dever de ressarcimento prescreve em cinco anos.

Direito da sociedade
No voto, o ministro Fachin afirma que a previsão de graves sanções para os atos de improbidade administrativa e a imperiosidade de sua normatização legal "se inserem no mesmo quadrante de proteção e tutela da coisa pública".

“No entanto, tais previsões não devem gerar confusão ou conflito com o disposto no artigo 37 da Constituição. Nesse dispositivo, o texto constitucional é expresso ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente”, explica.

Fachin informa que o entendimento contra a prescrição não significa nem pode significar que se tornariam imprescritíveis todos os créditos públicos passíveis de inscrição em dívida ativa e cobrança mediante execução fiscal.

“Sem descer às minúcias das regras infraconstitucionais de Direito Tributário e Financeiro, no que se refere à maior parte da dívida ativa não tributária como, por exemplo, as dívidas decorrentes de multas no exercício do poder de polícia, incide a regra geral da prescritibilidade como postulado da segurança jurídica e como matéria regida por legislação específica sem qualquer ressalva no texto constitucional”, destaca.

Segurança Jurídica
Para o ministro, diante da exceção constitucional ampla que estabelece a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento do erário decorrentes de atos ilícitos que a ele causaram prejuízos, entendo que a sua restrição a um grupo específico de ilícitos, sejam eles improbidade administrativa ou tipos penais, ao contrário de favorecer, milita em desfavor ao princípio da segurança jurídica.

“O comando constitucional materializou, com segurança, o ideal republicano de que ninguém, ainda que pelo transcurso de lapso temporal considerável – frise-se uma vez mais – está autorizado ilicitamente a causar prejuízo ao erário, locupletando-se da coisa pública”, explica.

Premissas
Na formulação do voto, o ministro Fachin destaca quatro premissas. Na primeira, o ministro afirmou que a prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais e, assim, a uma dimensão específica do princípio da segurança jurídica, estruturante do Estado de Direito. Já na segunda, relata que a prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais e, assim, a uma dimensão específica do princípio da segurança jurídica, estruturante do Estado de Direito.

Na terceira, o ministro destacou que o texto constitucional é expresso ao prever que a lei estabelece os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, entendidas em sentido amplo, que geram prejuízo ao erário e sejm praticados por qualquer agente.  “São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa”, reiterou na quarta.  

A discussão da Suprema Corte foi a partir de uma ação judicial que questiona a participação de um ex-prefeito de Palmares Paulista, um técnico em contabilidade e dois servidores públicos municipais em processos licitatórios de alienação de dois veículos em valores abaixo do preço de mercado. O MP-SP defendeu a aplicação aos réus de sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa como ressarcimento de danos, por avaliação e alienação de bens abaixo do preço de mercado. 

Clique aqui para ler o voto.
RE 852475

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