Opinião

Competência para julgar violação de direito autoral na internet

Autores

  • Rebeca Garcia

    é doutora pela PUC de São Paulo. Mestre pelo Mackenzie e Professora da UNIP- Alphaville

  • Eduardo Salles Pimenta

    é advogado mestre e doutorando em Direitos Autorais e pós-graduado em Ensino de Magistério Superior pela Universidade Estácio de Sá professor e coordenador de estágio do curso de Direito da Unip no Campus de Alphaville.

8 de agosto de 2018, 6h05

Em um mundo globalizado, tem sido recorrente os atos violativos praticados na rede de computadores – internet (artigo 5 da lei 12.965/2014), a gerar para o titular de direitos autorais, o direito sucessivo em obter a indenização, pela via da prestação jurisdicional ao Estado.

A competência jurisdicional territorial para a violação de direitos autorais cometida na internet, é definida pelas disposições do Código de Processo Civil.

E por consequência a declaração de incompetência proferida pelo juiz de primeiro grau no processo civil e a via recursal revisional. Demonstraremos que existe o remédio processual a rever a declaração de incompetência, ainda que o agravo de instrumento, pelo Código de Processo Civil é inadmissível o seu uso rever a decretação de incompetência territorial.

A violação de direitos autorais ocorrida na internet.
Partindo da premissa contida no artigo 5, II da Constituição Federal, em garante que todos estamos subordinados ao que fixa a lei. Ao que assinala a lição de José Afonso da Silva: “a submissão e o respeito à lei ou atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador”.[1]

O titular de qualquer direito material, enunciado em lei, ao vê-lo violado tem a prerrogativa de exercer a proteção jurisdicional, pela reivindicada prestação jurisdicional.

Pela simples leitura do disposto no citado dispositivo, associado a garantia do artigo 5º, XXVII e XXVIII da Carta Política.

A sua regulamentação está na Lei 9.610/98, que define os direitos autorais, como sendo os direitos de autor e os que lhe são conexos (artigo 1). Os direitos autorais, com seu duplo conteúdo moral e patrimonial pertencem ao criador (artigo 22 da Lei 9610/98).

Conceitualmente os “direitos autorais são o conjunto de prerrogativas jurídicas atribuídas, com exclusividade, aos autores e titulares de direitos sobre obras intelectuais (literárias, científicas e artísticas) para opor-se a todo atentado contra estas prerrogativas exclusivas” [2]

O direito de autor não está no suporte material. O suporte material apenas permite identificar a obra. Contudo, quando o suporte material, autorizadamente pelo autor, é transformado para a linguagem binária, para o meio intangível, pode haver a reprodução idêntica e indiscriminada.

As obras intelectuais são compostas de uma forma interna (conteúdo) e de uma forma externa (a expressão), e quando inseridas na rede (internet) sofrem transformação, por ter alterado seu corpus mechanicum, que por vezes é analógico, passando a ser digital. Tal ação, por vezes, pode acarretar a alteração da forma interna da obra intelectual, modificando-a, violando sua integridade. Tal ação, pode, considerando o prazo de proteção da obra e a ausência de autorização do autor, vir a consistir em violação de direitos autorais. Com a autorização do titular do direito de transformação/modificação, o autor da nova obra — obra derivada, torna-se autor sobre está última, sem prejuízo dos direitos do autor da obra originária.

Kohler, conceitou: “la forme du contenu, révélée par une activité intellectuelle et qui correspond à la vision interne de l’auteur, est la forme interne, tandis que la forme de l’expression, directement perceptible, est la forma externe.” [3]

A conversão da obra intelectual analógica para a desmaterialização na linguagem binária (digital), ou seja, a numeralização da obra (zeros e uns), não modifica a natureza jurídica do direito de autor, mas muda a natureza do suporte material. A técnica numérica aplicada sobre um suporte material em que contenha uma obra intelectual, possibilita a multiplicação infinita da obra, sem poder distinguir a cópia do original.

Dina Herrera cita que no Glossário da OMPI, transformação “es ‘la adaptación u otra transformación de una obra’, y transformación de una obra literária o artistica es ‘cualquier modificación de una obra preexistente’.[4] José Oliveira Ascensão explica o que vem a ser transformação: ”A transformação, mantém a forma interna e só altera a forma externa; mas nestes casos não é só a forma externa que muda, é também a forma interna.”[5]

As transformações sofridas pelo suporte material de forma a manter a criação íntegra, são geralmente técnicas, como por exemplo de analógico transformado para meio digital. Todavia, a transformação da forma externa, poderá haver, não raro, modificação de seu conteúdo, ou seja, de sua forma interna. A exemplo a obra audiovisual em 2D para 3D e vice-versa, conforme tecnologia disponibilizada nos aparelhos de TV em LED, vista com e sem óculos específicos. A modificação é legalmente uma prerrogativa de direito moral do autor (artigo 24, IV da Lei 9.610/98), que consiste na alteração interna (direta ou indiretamente, sendo, neste último caso, eventual conseqüência da transformação do corpus mechanicum) da obra. A alteração interna da obra implica na violação à integridade da obra, por alterar a criação do autor.

Assim por respeito à lei, como dever jurídico originário (obrigação) e o seu desrespeito o dever jurídico sucessivo, tem-se a responsabilidade civil.

Ao número crescente de usuários de smartphone e computadores, por conseguinte a maior incidência de uso sem autorização de obra intelectual (violação de direitos autorais), em razão do meio ocorre na internet. A questão que desponta, ante essa constatação de violação de direitos autorais na internet é: qual é o local de propositura da ação para requer a prestação jurisdicional do dever jurídico sucessivo. Por consequência a definição da competência. Passamos ao tema processual.

Da competência
“A Competência é a atribuição a um dado órgão do Poder Judiciário daquilo que está afeto, em decorrência da sua atividade jurisdicional, especifica, dentro do Poder Judiciário, normalmente excluída a legitimidade simultânea de qualquer outro órgão do mesmo poder. (ou fortiori de outro poder)” [6], assim leciona desembargador Arruda Alvim.

O desembargador Araken de Assis, por seu sentir, conceitua: “(…) parece fácil distinguir a jurisdição da competência. Aquela é o poder abstrato atribuído ao conjunto de órgãos jurisdicionais; esta, a fixação específica do poder no órgão. Tende a doutrina, universalmente, à consideração de que a competência é a medida da jurisdição. Esta simpática e expressiva fórmula se ostenta algo imprópria, na realidade, pois o poder exercitado por cada órgão timbra pela mesma qualidade e quantidade, ou seja, não se distingue nas ‘medidas', conquanto recaia sobre lides diferentes. Na verdade, á competência impõe limites ao juiz, para que ele possa legitimamente exercitar seu poder jurisdicional”.[7]

A competência para a prestação jurisdicional, em respeito ao princípio da reserva legal, é definida pela lei, dispõe o Código de Processo Civil: Art. 44. Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas neste Código ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados.

Considerando o disposto no CPC, artigo 42 combinado com o artigo 43, evoluímos na lição processual civil, o professor Arruda Alvim, destaca a divisão tripartida da competência, sobre a exegêse do Código de Processo Civil de 1973: “Todos os critérios de classificação da competência, basicamente, partem dos elementos componentes do processo. A divisão tripartida da competência é tida como clássica, vale dizer, tem sido adotada pela maioria dos processualistas contemporâneos e o foi pela nossa lei. Esse critério parte de três divisões básicas: a) a competência objetiva — embora a lei não se utilize deste objetivo — compreende a competência determinável, quer em razão da matéria (absoluta, artigo 111[8]), quer em razão do valor (relativa, artigo 111[9]); é disciplinadora da competência de juízo; b) a competência territorial (relativa, artigo 111) é regulamentadora da competência do foro; c) a competência funcional (absoluta, artigo 11, que se refere à competência hierárquica, espécie da funcional).”[10]

O ordenamento jurídico com diversos diplomas legais, dentre os quais, aquele que enuncia o princípio da reserva legal, pelo artigo 5, II, a Constituição Federal. E a lei ordinária (Lei 9.610/98) que protege os direitos autorais, contudo fixa no Código de Processo Civil (Lei 13.105/2016) em seu artigo 53, IV, a: É competente o foro: (…) do lugar do ato ou fato para a ação: (…) de reparação de dano; (…)

Portanto, a internet como veículo de comunicação a integrar o mundo, em uma rede computadores. No Brasil abrange todo território nacional, daí o local de acesso na internet, em que teve ciência da violação (local do fato) é o local de competência jurisdicional, para propositura da ação em que reivindique o dever jurídico sucessivo.

Decerto, que enfocando a análise da competência fixada pela doutrina e pela lei processual civil, para as questões inerentes as violações cometidas na internet, verifica com ampla repercussão no processo civil.

Exposto a competência para o pleito do dever jurídico, de maneira conceitual e a sua definição civil, descortina a questão da incompetência reconhecida pela declaração de oficio do Judicante na área cível.

Da declaração de incompetência no processo civil.
A declaração de incompetência é o reconhecimento, pelo judicante, da legitimidade para a prestação jurisdicional. O ato de declaração de incompetência pelo juiz de 1 grau é faculdade do judicante, observado os limites legais, dentre eles o contido na Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça: "A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício." Vale indicar a observância do artigo 113 § 2 do CPC.

A parte lesada o direito de recorrer dessa decisão por força constitucional. Mas qual seria o recurso admitido no atual Processo Civil? É o que veremos.

O procedimento revisional da decisão de 1 grau que declara sua incompetência
É inerente as partes a faculdade constitucional insculpida no artigo 5, LV (a ampla defesa e contraditório) da Constituição Federal.

Todavia, se houver a declaração de incompetência jurisdicional em 1 grau, como decisão interlocutória, não existe previsão recursal para recorrer da declaração de incompetência. O recurso, em regra — CPC/1973, na prática processual para revisão da decisão interlocutória é o Agravo de Instrumento, entretanto a lei processual civil — Lei 13.105/15, pontua os casos para o uso do Agravo de Instrumento e sua interposição. Dentre as especificações arroladas pelo artigo 1015 do CPC, que é taxativo, não insere a declaração de incompetência. As interpretações jurisprudências confirmam a inadmissibilidade do agravo de instrumento, concordante com no NCPC, como meio revisional da decisão de declaração de incompetência. A ilustrar essa prática jurídica, citamos o acordão proferido em sede de Agravo Interno: "AGRAVO INTERNO. Decisão monocrática, prolatada por este relator, que não conheceu do agravo de instrumento em razão da decisão agravada não constar do rol do artigo 1.015 do NCPC. Inconformismo. Não acolhimento. Rol taxativo do artigo 1.015 do CPC que não prevê o cabimento de agravo de instrumento contra discussão relativa à competência. Decisão mantida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO" (Agr. Reg. nº 2069697-21.2016.8.26.0000, 3ª Câm. D. Priv., Rel. Des. VIVIANI NICOLAU, j. 02.06.2016).

Decerto, que respeitando o dispositivo constitucional fixado no art. 5, XXXV da Constituição Federal, para rever a lesão ou ameaça a direito líquido e certo, a opção é a via do mandado de segurança.

Do mandado de segurança contra declaração de incompetência.
A via recursal para cumprimento do disposto no artigo 5, LV da Constituição Federal, como meio revisional de decisão de declaração de incompetência jurisdicional, de maneira a garantir o direito líquido e certo (art. 5, LXIX da CF c/c art. 5, II da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009), por ausência de previsão de recurso especifico é o mandado de segurança.

Em precedente, destacamos o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: MANDADO DE SEGURANÇA – Alegada violação de criação intelectual por meio da internet – Competência – Decisão judicial que reconheceu de ofício incompetência relativa – Inviabilidade – Inteligência dos artigos 64, 65 e 337, inc. II e § 5º do CPC – Possibilidade de prorrogação da competência – Prosseguimento do feito na origem resguardado o contraditório – Liminar mantida – Segurança Parcialmente Concedida. TJSP – 2008582-62.2017.8.26.0000 Mandado de Segurança / Direito Autoral – (Relator(a): Egidio Giacoia; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/03/2017; Data de registro: 09/03/2017)

A interposição de Mandado de Segurança, para recorrer da decisão que declara a incompetência jurisdicional, na ação de violação de direitos autorais cometido na rede de computadores: internet, é a medida eficaz, ante especificações arroladas pelo artigo 1015 do CPC a admitir o agravo de instrumento.

Conclusão 
A violação de direitos autorais (moral e patrimonial) na internet, tem uma abrangência instantânea no território nacional, em tem como foro para a prestação jurisdicional, o local do fato ou do ato (artigo 53, IV, a do CPC), que pode vir a ser qualquer foro dentro do território nacional, pois o acesso à internet — ambiente da violação de direitos, que ora versamos — também ocorre por satélite, quer em computador ou smartphone.

Contudo, se por decisão interlocutória, o judicante declarar a incompetência e determinar a remessa da ação a outra comarca, a via recursal para a revisão dessa decisão, por ser direito previsto no artigo 5, LV da Constituição Federal, é o mandado de segurança (artigo 5, LXIX da CF combinado com o artigo 5, II da Lei 12.016/ 2009), pois não há previsão legal em nenhum recurso processual civil, nem no Agravo de Instrumento, que tem rol taxativo com especificações de inadmissibilidade recursal — artigo 1.015 do CPC


[1] – p.26 José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo – 5ª ed. 1989

[2] PIMENTA, Eduardo e PIMENTA, Rui Caldas. Dos Crimes contra a Propriedade Intelectual, 2ª ed., SP: RT, 2005, p. 29.

[3] p.49 – ob.cit. “A forma de conteudo revela-se por uma atividade intelectual que corresponde a visão interna do autor, esta é a forma interna, tendo que a forma de expressão, diretamente percebível é a forma externa.”

[4] p.56 – Propriedad Intelectual Derechos de Autor – Editorial Jurídica do Chile – Chile – 1999

[5] p.177 – Direito Autoral – 2ed.- ed. Renovar – Rio – 1997

[6] P.295/296 – Manual de Direito Processual Civil – Vol. 1 – Parte Geral – 8 ed. – São Paulo: ed. RT – 2003

[7] ASSIS, Araken de. Manual da execução. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pág. 318 e 319

[8] Art. 62 do CPC/2016

[9] Art.63 do CPC/2016

[10] Ob. Citada p,304/305

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