Opinião

A política nacional que cria vagas de emprego para presos e a lei de licitações

Autor

  • Marinês Restelatto Dotti

    é advogada da União especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autora da obra "Governança nas contratações públicas: aplicação efetiva de diretrizes responsabilidade e transparência".

1 de agosto de 2018, 7h30

Dispõe o parágrafo 5º do artigo 40 da Lei 8.666/93, a lei geral de licitações e contratações, que a administração pública poderá, nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional, com a finalidade de ressocialização do reeducando.

Visando regulamentar o referido dispositivo da Lei 8.666/93 e implementar a ressocialização de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, por meio de sua incorporação no mercado de trabalho e reinserção no meio social, foi publicado, em 24 de julho, o Decreto Federal 9.450.

Segundo esse diploma, na contratação de serviço, inclusive de engenharia, com valor anual acima de R$ 330 mil, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão exigir da contratada o emprego de mão de obra formada por pessoas presas ou egressos do sistema prisional.

Visando o cumprimento dessa exigência, estabelece o artigo 5º, parágrafo 1º, inciso I, do Decreto 9.450/18, que cumprirá ao edital da licitação exigir, como requisito de habilitação jurídica, declaração do licitante de que, caso se consagre vencedor da disputa, contratará pessoas presas ou egressos nos termos do decreto, acompanhada de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo.

Dita declaração, sublinhe-se, não figura no elenco de documentos atinentes à habilitação jurídica, conforme disposto no artigo 28 da Lei 8.666/93. Do advérbio “exclusivamente”, constante do artigo 27, caput, da Lei 8.666/93, deduz-se que nada mais poderá ser exigido na licitação além da documentação mencionada nos artigos 27 a 31 da lei, excetuada exigência de qualificação técnica prevista em lei especial, como ressalva o artigo 30, inciso IV (Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: […] IV – prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso).

Tratando-se, como se trata, de decreto de mera execução da lei, não lhe cabe, por isto, criar requisito de habilitação jurídica não previsto na lei, notadamente na lei geral de licitações e contratações, sede das condições, obrigações e requisitos aplicáveis à participação de pessoas físicas e jurídicas nas licitações e contratações promovidas pela administração pública.

Ademais, a habilitação jurídica, segundo o artigo 28 da Lei 8.666/93, corresponde à comprovação: (a) do regular registro e constituição da pessoa do licitante, para o efeito de torná-la apta a contrair obrigações e exercer direitos; (b) da existência de decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no país; e (c) de ato de registro ou autorização para funcionamento da entidade, expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir, não se confundindo, portanto, com a natureza da declaração do licitante de que, caso se consagre vencedor da disputa, contratará pessoas presas ou egressos nos termos do decreto.

Louvável a política voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional dessas pessoas, que se deve cumprir, tão-somente, com a previsão no termo de contrato, ou seja, como obrigação contratual daquele que vencer a disputa, de empregar pessoas presas ou egressos do sistema prisional no prazo e nos termos e condições previstos no edital da licitação, e não como exigência ou requisito de habilitação.

Há outra particularidade a envolver as exigências previstas no artigo 5º, parágrafo 1º, I, do Decreto 9.450/18. Segundo o dispositivo, a declaração do licitante, caso se consagre vencedor da disputa, de que contratará pessoas presas ou egressos do sistema prisional deverá estar acompanhada de “declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo”. Dita declaração, emitida por órgão responsável pela execução penal, antecipa exigência de habilitação para cujo atendimento o licitante terá de incorrer anteriormente à celebração do contrato, mais um motivo a reforçar o cumprimento da política de atendimento de percentual mínimo de mão de obra oriundo ou egresso do sistema prisional, nas licitações da administração pública, como obrigação contratual, e não como requisito de habilitação.

Por fim, dispõe o parágrafo 5º do artigo 40 da Lei 8.666/93 que a administração pública poderá, nos editais de licitação para a contratação de serviços, exigir da contratada que um percentual mínimo de sua mão de obra seja oriundo ou egresso do sistema prisional.

A Lei 8.666/93, em seu artigo 6º, incisos I e II, define e distingue obra e serviço. Assim:

Obra – toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;
Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.

Em vista da distinção constante na Lei 8.666/93, exsurge a indagação: quando o objeto da contratação for a execução de obra, estará a administração pública liberada da exigência de cumprimento da obrigação, em face do parágrafo 5º do artigo 40 da Lei 8.666/93 aludir, tão-somente, à prestação de serviço?

O artigo 6º, parágrafo 6º, do Decreto 9.450/18 preceitua que em caso de subcontratação de obra ou serviço, desde que admitida no edital e no contrato, a subcontratada deverá providenciar às pessoas presas e ao egressos contratados: transporte; alimentação; uniforme idêntico ao utilizado pelos demais terceirizados; equipamentos de proteção, caso a atividade exija; inscrição do preso em regime semiaberto, na qualidade de segurado facultativo, e o pagamento da respectiva contribuição ao Regime Geral de Previdência Social; e remuneração, nos termos da legislação pertinente.

O termo obra, previsto no artigo 6º, parágrafo 6º, do Decreto 9.450/18, realça que o cumprimento, pela contratada, de percentual mínimo de mão de obra oriundo ou egresso do sistema prisional também alcança esse objeto (obra). E não poderia ser diferente. A política de ressocialização de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional só será efetiva se alcançar a incorporação dessas pessoas no mercado de trabalho, seja ele direcionando à prestação de serviço ou à execução de obra, indistintamente.

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