Opinião

Decisão de colocar Sérgio Cabral na solitária não foi tomada por promotor

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1 de agosto de 2018, 11h29

*Este texto é uma resposta à coluna E o promotor do Rio de Janeiro virou carcereiro! Que coisa, não?, de Lenio Streck, publicada em 26/7/2018.

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Prezado professor Lenio,

Escrevo na qualidade de advogado do promotor de Justiça André Guilherme Freitas, a respeito de sua coluna do dia 26, na qual replica notícias da imprensa sobre um episódio ocorrido na carceragem do presídio Bangu 8, no Rio de Janeiro, no momento em que o promotor de Justiça, no exercício de suas funções, cumprindo dever institucional, inspecionava a unidade.

Tal como os demais redatores das notícias que se espalharam nos jornais e redes na internet, vossa senhoria afirma de maneira incisiva que o promotor determinou que o preso “fosse colocado na cela de isolamento”, daí resultando uma decisão judicial, na qual ele teria sido criticado, com a anulação do ato.

Devo dizer, de pronto, que o incidente não ocorreu inteiramente conforme propalado e replicado nos meios de comunicação. O que parece acontecer, atualmente, é que a imprensa não se preocupa em apurar por inteiro os fatos que lhe chegam ao conhecimento, contentando-se em repetir comodamente o que leram em outro veículo, acrescentando uma ou outra expressão mais impactante, como acontece neste episódio.

Assim, por exemplo, segundo o site G1, o promotor de Justiça teria determinado a colocação do preso em cela de isolamento por ter este “demorado a sair da cela”, bem como “não se colocou em posição de respeito, como é de praxe”, ou ainda, segundo o veículo Extra, o preso “foi parar na solitária”, tendo outros veículos da imprensa afirmado que, segundo o relato do advogado do presidiário, o promotor de Justiça “teria entrado na unidade e dito aos detentos que abaixassem a cabeça e se voltassem para a parede”.

Tendo o promotor de Justiça comunicado à administração penitenciária da unidade a realização da inspeção — como é feito rotineiramente — os agentes penitenciários (não o promotor de Justiça) comunicaram aos detentos que saíssem de suas celas individuais ou “comarcas” (no caso de celas coletivas) e se colocassem em “posição de confere”, significando dizer que deveriam se colocar em fila, juntos e virados para a parede, de cabeça baixa e com as mãos nas costas, fora de seus cubículos.

Esta “posição de confere” é rotineira em qualquer vistoria, seja do juiz, do promotor, ou de outra autoridade com atribuição para fiscalizar unidades prisionais. Tal acontece, aliás, diariamente, duas vezes por dia, de manhã e à noite, quando o agente penitenciário faz a contagem dos presos e à qual o detento rebelde que causou toda aquela confusão sempre acatou, sem qualquer reparo.

A “posição de confere”, com o objetivo de manter a disciplina e a segurança no interior dos presídios, constitui procedimento padrão e de atribuição dos agentes penitenciários, acatada de ordinário pela massa carcerária, salvo raras ocasiões em que internos pretendam causar tumultos ou rebeliões.

Neste caso, a reação dos agentes é isolar de imediato os provocadores, retirando-os do local, para que a rebeldia de um ou de poucos não acarrete consequências mais sérias, com a adesão de outros presos, tornando a situação incontrolável, como também, para viabilizar o prosseguimento do trabalho de fiscalização que eventualmente esteja ali sendo desempenhado.

Acredita o signatário — velho promotor de Justiça aposentado, que acabou de festejar 44 anos de ingresso no Ministério Público do antigo estado da Guanabara — que vossa senhoria, professor Lenio, haverá de ter conhecido as cadeias de sua unidade federativa, no exercício de suas funções, de modo a compreender o peculiar universo dos presídios, onde é inimaginável admitir uma negativa pública e abusada de um preso ao cumprimento de uma ordem legal oriunda de um agente penitenciário, sem consequências disciplinares, já que, se não houver punição, todos os demais presos se sentirão em condições de refutar os comandos dos agentes.

No caso, depois de estar toda a unidade em “posição de confere” por ordem dos agentes penitenciários, começou a inspeção pela galeria onde se encontrava o preso rebelado, juntamente com outros, cada um no seu cubículo.

Ingressando na galeria o promotor de Justiça; sua equipe composta de seis pessoas; o chefe do plantão e o chefe de turma, estes da própria unidade (o diretor ainda não se encontrava na unidade), constituída por um estreito corredor, estavam já os detentos em “posição de confere” (assim como todos os demais daquela unidade, encontrados nas demais galerias), exceto aquele que se rebelou e que se negou por longos minutos a sair de sua cela individual. Após ser convencido a sair da cela, postou-se no meio do estreito corredor, ao ponto de dificultar a saída do promotor de Justiça e dos demais, negando-se a se colocar na “posição de confere”, aos gritos de estar sendo “desrespeitado”, principalmente quando foi chamado de interno, epíteto que é utilizado rotineiramente na cadeia, parecendo desconhecer que sua antiga condição social não o exime de seguir as regras impostas aos demais presidiários, como ele.

O que se viu, então — a par de constituir grave infração disciplinar, pois todo o coletivo se encontrava em silêncio e os gritos do prisioneiro rebelado ecoavam pela unidade —, foi a atitude do prisioneiro impedindo a realização da inspeção programada e mesmo a saída da equipe da galeria, já que se colocava, de forma agressiva, na passagem.

Restava, por força do impasse, isolar o foco do problema, retirando o preso do local, como regra padrão de disciplina e segurança, o que o promotor de Justiça solicitou aos agentes penitenciários e foi atendido, tendo ele sido convencido a se retirar e colocado por iniciativa dos agentes numa cela vazia, sem qualquer violência física, ali permanecendo até o encerramento da diligência.

Ao final da inspeção, não se preocuparam o promotor de Justiça e sua equipe com o destino do interno, eis que não lhes competia qualquer providência administrativo-disciplinar, sendo certo que o diretor já lá se encontrava, tendo sido informado de todo o ocorrido; ao que parece, decidiu impor ao preso um “isolamento preventivo” (medida disciplinar prevista na lei, como sabemos), instaurando um procedimento administrativo para apuração dos fatos, agindo dentro de sua esfera de atribuições.

O diretor da unidade, formalizando decisão que tomou, impondo a medida cautelar, encaminhou ofício ao juiz da Vara de Execuções Penais, informando-o das providências adotadas pela direção da unidade, quais sejam, a instauração de processo administrativo disciplinar e a inclusão do preso no “isolamento preventivo”.

Em razão disso, é possível concluir que, ainda que tivesse o promotor de Justiça ordenado o isolamento como medida punitiva, esse fato (inexistente) poderia caracterizar uma medida arbitrária, mas não teria o condão de desqualificar o procedimento posteriormente desfechado pelo diretor, que, se verificasse que os fatos passados não mereciam tal isolamento, onde o preso foi colocado pelos agentes penitenciários, certamente ordenaria o retorno dele à sua cela. Além do mais, se tivesse constatado que o interno não houvera praticado falta disciplinar, muito menos teria instaurado o processo disciplinar em seu desfavor.

Uma das publicações no calor dos acontecimentos, do jornal O Dia, em edição eletrônica, traz duas informações importantes: a primeira, de que a Secretaria de Administração Penitenciária informou que havia sido instaurado um procedimento disciplinar, o que significava que a medida de isolamento preventivo determinada pelo diretor foi considerada adequada. A segunda dá conta de que o juiz Rafael Estrela, da Vara de Execuções Penais, determinou a um juiz auxiliar que comparecesse ao presídio para “ouvir” o preso. É louvável a atitude de Estrela, ao pretender apurar os fatos como realmente aconteceram, para que não se cometam injustiças, esperando-se que medidas semelhantes sejam determinadas em relação às notícias que envolvam todos os presos.

Mas, ao que tudo indica, o juiz que lá compareceu, ou não verificou irregularidades ou não conseguiu convencer o diretor da unidade de revogar a decisão tomada, tanto que a ordem de liberação do interno da medida preventiva só foi tomada posteriormente por Estrela, ao final da tarde. Vale ressaltar que o magistrado poderia ter solicitado ao promotor de Justiça André Guilherme informações sobre o incidente, por telefone ou mesmo por intermédio do emissário que enviou ao presídio, para que pudesse ouvir outra versão do fato, o que lamentavelmente não ocorreu.

Como já foi referido, o afastamento do preso do local do tumulto, em casos que possam comprometer a segurança e o regular funcionamento da unidade (de grave insubordinação), é providência padrão nas cadeias, o que ocorreu na oportunidade, sempre através dos agentes, que não poderiam deixar o preso — tomado pela cólera — solto pelas galerias, gritando que estava sendo desrespeitado e que não iria cumprir ordem legal pacificamente respeitada por todos os demais internos.

E assim, prezado professor Lenio, com base apenas em leituras apressadas, não é justo nem moralmente válido concluir e propalar que o promotor André Guilherme seja um contumaz fazedor de diabrites e arbitrariedades, desrespeitando direitos e agindo contra a Constituição. O promotor de Justiça rejeita o juízo desfavorável que lhe faz no malsinado artigo e ressalta que sempre observou a lei e respeitou a dignidade alheia, dispensando os seus conselhos e admoestações.

Temos convicção de que da serena apuração emergirá a plena realidade dos fatos.

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