Opinião

Os efeitos da operação "lava jato" no processo eleitoral

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1 de agosto de 2018, 14h49

Os efeitos da operação "lava jato" no panorama eleitoral têm sido questionados diariamente com a proximidade do pleito. O caso retrata um momento histórico absolutamente atípico na democracia. Afinal, uma operação policial não deveria interferir de maneira tão visceral nas diretrizes governamentais de um país. Chega a ser esdrúxula a situação.

É possível afirmar com convicção — ainda que sem provas — que estamos sem o regramento seguro das diretrizes traçadas pela Constituição Federal de 1988. Os próprios questionamentos sobre os efeitos da "lava jato" nas eleições transparecem tal situação. A operação deveria gerar no panorama eleitoral — única e exclusivamente — os efeitos de qualquer outro processo penal. Mas, na prática, não é isso que acontece. Tudo isso por força exclusiva da prisão do ex-presidente Lula. Ela passa a ser considerada como potencial fator de corte para o próprio registro de candidaturas, em clara violação ao artigo 14, parágrafo 3º, da Constituição — que estabelece as condições de elegibilidade.

Os efeitos do processo penal na elegibilidade se resolvem com base em duas leis. São elas: Lei Complementar 64, principalmente em seu artigo 1º e incisos (que estabelecem as hipóteses de inelegibilidade), e a Lei 9.504/97, que regula o processo eleitoral e registros de candidaturas.

Por uma simples análise de ambos os diplomas, é possível concluir com segurança que a situação de inelegibilidade decorrente da condenação criminal em segunda instância — para específicos crimes — não impede o cidadão de requerer seu registro. Impede, sim, que tal pedido seja deferido, mas até lá o candidato poderá praticar os atos de campanha e batalhar junto ao Poder Judiciário a reversão da decisão condenatória ou, no mínimo, uma medida liminar suspensiva da causa de inelegibilidade, conforme previsão expressa no artigo 26-C do referido diploma.

Com tais considerações, salta aos olhos o fato de que se falar de inelegibilidade de candidatos antes da análise de seu processo de registro nada mais é do que mero discurso populista que em nada se ancora nos parâmetros legais para tal análise. Claro também que quem está preso pode concorrer. A lei eleitoral, de acordo com os artigos 16-A, c/c artigo 11, parágrafo 10, permite que o cidadão se candidate na esperança da reversão da decisão. Ele pode ir para a urna, mas os votos ficam aguardando a validação. Se conseguir a reversão, eleito está. Caso contrário, pode ser declarado inelegível.

Não obstante a clareza da dicção legal e do alcance constitucional de tais normas — pois direitos políticos são direitos fundamentais do cidadão —, o que se percebe no cenário é que alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, motivados pelo provável registro da candidatura de Lula, já começam a flertar com uma “nova interpretação” de tais normas, visando impedir o próprio registro de certas candidaturas.

Isso, sim, é um “efeito lava jato” dos mais nefastos. O que se viu e continua a se ver no cenário jurídico é uma espécie de ativismo judicial que sobrepõe o Poder Judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo, com base em uma pretensa moralização social e imaginada supremacia moral do primeiro em relação aos demais.

Sem dúvida, a "lava jato" trouxe à tona uma cadeia intersubjetiva de significados que está sendo mal utilizada pelo Judiciário como mola mestra deste citado ativismo. Isso porque seus principais atores souberam cristalizar dois preconceitos intrínsecos ao brasileiro: o de que todo político é corrupto e o de que todo empresário é ladrão.

Ambos os “pressupostos” são profundamente equivocados. Se todo político fosse corrupto, o próprio mecanismo de escolha de ministros para a suprema corte estaria sob suspeita. Se todo empresário fosse ladrão, os vencimentos dos funcionários públicos, pagos por meio dos impostos recolhidos, seriam sempre um valor contaminado pelo crime.

Enfim, o Judiciário esquece que mais cedo ou mais tarde essa teia de significados criada com base em hipérboles sobre o cotidiano sempre se desfaz. Quando a história olha para trás, nos deixa sem compreensão de como, em algum dia, fomos capazes de acreditar naquilo que fazíamos. Vivemos hoje um período onde a Constituição volta a ser o que era séculos atrás, na denúncia de LaSalle — um mero pedaço de papel. Não seremos poupados pelos anos vindouros, onde a “caça aos corruptos” estará nos capítulos destinados a todas as demais caças às bruxas já elaboradas pelo establishment.

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