Opinião

Lei de regularização fundiária da Amazônia Legal resolve problemas importantes

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30 de abril de 2018, 6h25

A regularização fundiária, felizmente, no decorrer desta década, ganhou importante robustez normativa. Não foram poucas as leis que trataram da temática, principalmente as leis 11.952/2009 (regularização rural e urbana sobre áreas da Amazônia Legal), 11.977/2009 (regularização de imóveis urbanos) e, de arremate, a 13.465/2017, que, além de tratar de institutos jurídicos novos, como direito de laje, alterou diversos diplomas legais, com o fim de ultimar a questão fundiária no Brasil.

No caso da regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, regida pela Lei 11.952/2009, foi um divisor de águas no tratamento da região amazônica, em que se reconheceu que ela deve ser tratada de maneira especial, sob pena de ser inócua qualquer medida progressista, sem antes cuidar de questões estruturantes, no caso, o aspecto fundiário.

Em que pese as críticas deferidas ao programa de regularização, inclusive objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.269), a qual tramita perante o Supremo Tribunal Federal, patrocinada pela Procuradoria-Geral da União, a regularização, apesar de tímida, tem trazido números positivos, seja porque tem em certa medida abastecido o caixa da União Federal com o produto obtido com a alienação dos imóveis, ou, ainda, porque o governo passou a ter um controle mais rígido e abrangente das ocupações.

Conforme extensivamente noticiado por seus canais oficiais, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, competente para implementação do programa, divulgou importante pesquisa entabulada pelo Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio, realizada por Dimitri Szerman, juntamente com o também doutor em Economia Juliano Assunção, e que revela que a cobertura florestal dos imóveis, que são titulados pelo Terra Legal, aumenta em média dois hectares nas áreas de aproximadamente 47 hectares. O número representa 4% a mais de florestas vivas dentro dos terrenos, sem contar as áreas já preservadas devido às legislações ambientais[1].

Ainda segundo o estudo, que avaliou 44.614 requerimentos feitos ao programa nos anos que vão de 2009 a 2014, o efeito da titulação nas glebas federais, quanto à redução do desmatamento, é ainda maior em grupos específicos. São eles: os requerentes que ocupam a terra há mais de 10 anos e que possuem lotes menores que 100 hectares, ou seja, pequenas propriedades — dentro dos parâmetros da Amazônia Legal, na qual o módulo costuma ser maior —, os que não possuem como atividade principal a pecuária e, também, quando são mulheres. As características vão de encontro ao público-alvo do programa, que representa 95% dos titulados, os agricultores familiares.

Dessa forma, esses números oficiais reforçam o nosso posicionamento inicial de que a regularização é salutar, principalmente em razão da rigidez das condições resolutivas impostas, dentre elas a preservação ambiental. Para nós, as condições resolutivas exigidas na Lei para Regularização Fundiária Rural são dignas de nota e, se bem entendidas, chega-se à conclusão por meio delas de que o governo tratou com seriedade o problema e não quis vilipendiar a floresta, mas preservá-la, ao passo que se cercou de medidas para regularizar sem estimular a grilagem ou o desmatamento[2].

Uma questão que se impõe é: com as alterações trazidas pela Lei 13.465/2017, que alterou significativamente a Lei 11.952/2009, o Programa de Regularização da Amazônia Legal ainda possui o escopo auspicioso inicial ou é um presente troiano que traz perigo de fulminar com a floresta, como temem os ambientalistas?

Precisamos, a priori, entender quais foram as principais mudanças introduzidas pelo novo diploma e pelo decreto que a regulamentou (9.309/2018), a saber:

1. Marco temporal de ocupação
Na redação original, o beneficiário deveria comprovar o exercício de ocupação e exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anterior a 1º de dezembro de 2008, sendo que tal termo, agora passou a ser 22 de julho de 2008.

A dilação do prazo mostra-se razoável, pois é compatível com o termo final no qual se permitia o desmatamento, sem autorização de órgão ambiental, na esteira do que dispõe o Código Florestal.

Então, se o Estado aquiesceu com o desmatamento até tal período, por que não regularizar e impor condições para o cumprimento da função social?

2. Prazo inferior a 10 anos para negociar o imóvel
As condições resolutivas previstas no artigo 15 da lei são o ponto fulminante da garantia da seriedade da regularização, sendo que os títulos, dentre outras obrigações, deverão ter cláusulas que determinem, pelo prazo de dez anos, sob condição resolutiva, além da inalienabilidade do imóvel.

Ocorre que o novel diploma permite que tal prazo venha a ser alongado, na hipótese de pagamento por prazo superior a dez anos, em que a eficácia da cláusula resolutiva relativa ao pagamento estender-se-á até a integral quitação.

Mas, também, aqui reside contundente crítica, pois permite a extinção das condições resolutivas na hipótese de o beneficiário optar por fazer o pagamento integral do preço do imóvel, respeitado o período de carência de três anos.

É importante pontuar que tal regramento estava previsto no Decreto 6.992/2009, revogado pelo Decreto 9.309/2018, e, ao contrário do alardeado, não é novidade, já que apenas se integrou ao texto da lei.

3. Áreas de até 2,5 mil hectares
A reclamação mais eloquente no tocante à lei é sobre a ampliação do tamanho de áreas que podem ser regularizadas. Antes da alteração, seriam regularizadas as ocupações de áreas de até 15 módulos fiscais e não superiores a 1,5 mil hectares, respeitada a fração mínima de parcelamento. Agora, serão regularizadas as ocupações de áreas não superiores a 2,5 mil hectares.

Critica-se o alargamento, posto que se estaria beneficiando os grandes latifundiários. No entanto, é preciso ressaltar que a regularização é “legalização” de uma situação fática. Titulando ou não, os latifúndios continuarão a existir. Não é a limitação a 15 módulos que resolverá esse problema. Talvez seja preferível ajustar o tamanho ao teto constitucional e impor sérias condições, como preservação ambiental e o cumprimento da função social, do que fazer de conta que, como por toque de mágica, a readequação agrária irá se operar.

4. Pagamento de indenização em caso de resolução por descumprimento
O descumprimento das condições resolutivas pelo titulado implica resolução de pleno direito do título de domínio ou do termo de concessão, declarada no processo administrativo que apurar o descumprimento das cláusulas resolutivas, assegurados os princípios da ampla defesa e do contraditório.

A análise do cumprimento das cláusulas resolutivas recairá, estritamente, sobre o período de vigência das obrigações contratuais, tomando-se a mais longa como termo final, sendo que o descumprimento das obrigações, após o período de vigência das cláusulas contratuais, não gerará o efeito previsto no caput deste artigo.

Não havia previsão legal de pagamento de indenização no caso de resolução. Agora o tem, sendo que, resolvido o título de domínio ou o termo de concessão na forma do caput desse artigo, o contratante: 

I – terá direito à indenização pelas acessões e pelas benfeitorias, necessárias e úteis, podendo levantar as voluptuárias no prazo máximo de cento e oitenta dias após a desocupação do imóvel, sob a pena de perda delas em proveito do alienante; 

II – terá direito à restituição dos valores pagos, com a devida atualização monetária, deduzido o percentual das quantias abaixo: a) 15% (quinze por cento) do valor pago a título de multa compensatória; e, b) 0,3% (três décimos por cento) do valor atualizado do contrato por cada mês de ocupação do imóvel desde o início do contrato, a título de indenização pela fruição.

Tal dispositivo parece fazer justiça, até porque o ordenamento não tolera o enriquecimento sem causa. Além do mais, é importante pontuar que a lei deixa clara que o descumprimento, por parte do beneficiário, acarreta não só a resolução, mas, também, a reversão da posse em favor da União.

5. Tutela ambiental
Houve uma maior rigidez na observância do cumprimento das obrigações ambientais, sendo que a lei textualmente exigiu o respeito à legislação ambiental, em especial quanto ao cumprimento do disposto no Código Florestal (artigo 20, II, do Decreto 9.309/18).

A comprovação do cumprimento dessa cláusula ocorrerá por meio da juntada das certidões negativas de infração ambiental ou instrumento similar, em nível federal e estadual e inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Porém, não se operará a resolução do título por descumprimento, caso seja firmado termo de compromisso de ajustamento de conduta ou instrumento similar com vistas à reparação do dano.

Como dito alhures, com o programa em razão da identificação dos ocupantes, está havendo uma diminuição nos números do desmatamento. Talvez esse dado, por si só, já justificaria a regularização.

É importante pontuar que, uma vez proprietário, o beneficiário terá outras obrigações ambientais, como a recuperação ambiental das áreas cujo passivo estiver defasado, na esteira do que determina o Código Florestal.

Considerações finais
A despeito das críticas gizadas à lei, algumas delas materializadas através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.269, mesmo com as pontuais alterações colecionadas pela Lei 13.465/2017, ainda podemos vislumbrar um proveito da regularização fundiária.

Em verdade, a Lei de Regularização longe está da plenitude, mas, pela urgência que o problema sugere, ela atende a contento, pois possibilita um procedimento célere com alguma segurança, procurando de todas as formas instrumentalizar a tutela ambiental.

A lei, a um só tempo, resolve dois importantes problemas: regulariza as irreversíveis ocupações nas áreas da União localizadas na Amazônia Legal e exige que o possuidor beneficiário, sob a pena de perder a área legalizada, cumpra as observâncias ambientais e de relação de trabalho, isto é, que seu imóvel atenda à função social da propriedade.


[1] http://www.mda.gov.br/sitemda/noticias/regulariza%C3%A7%C3%A3o-fundi%C3%A1ria-no-combate-ao-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia
[2] SANTOS, Marcos Alberto Pereira Santos. Amazônia Legal e Regularização Fundiária. Comentários à Lei 11.952/2009. Editora Nuria Fabris. p. 139.

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