Limite Penal

Cada vez mais, o processo penal é invadido por fakes de todas as formas

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

27 de abril de 2018, 9h00

Spacca
Acontece nesta quinta e sexta-feira (26 e 27/4), em Curitiba, o V Congresso Internacional do Observatório da Mentalidade Inquisitória. O evento reúne professores e estudantes que procuram pensar o processo penal em tempos cada vez mais invadidos por fakes das mais variadas formas. São fakes julgadores, acusadores, defensores, acusados, delatores, enfim, toda a gama de táticas vencedoras descoladas da realidade. Daí a importância de se reunir para que se possa pontuar e estabelecer os limites do jogo limpo — fair play — em tempos de jogadas ilícitas.

A luta pelo estrito respeito às regras do jogo, considerando que o processo penal é um ritual de exercício de poder, reforça a máxima de que "forma é garantia, forma é limite de poder".

Cada vez mais o processo penal estratégico ganha força, com jogadas ocultas, de bastidores, esperteza e leituras bizarras da normatividade, instrumentalizadas em nome do bem, do justo e da perseguição de fantasmas que perseguem cada um de nós.

Alguns, aliás, deram-se conta de que a prisão de A ou de B, no fundo, não preenche o vazio constitutivo de sua absoluta falta constitutiva. Prender gente para tornar a pessoa melhor ou é ingenuidade ou é perversão. Não há preenchimento possível de se fazer com a prisão de ninguém. Todos os ditos injustiçados reclamam da mesma coisa: não adiantou prender justamente porque se procura a coisa no lugar errado. De qualquer forma, toda a tentativa de retomar o lugar e o limite do processo penal como mecanismo de apuração de responsabilidades penais, das quais somos partidários — não somos abolicionistas, vide Marielle Presente —, exige a superação do mecanismo manifesto e/ou latente da vingança.

Punir é necessário e civilizatório, sob pena de retorno à barbárie. O Estado surge justamente para dizer as responsabilidades de um lugar imparcial no limite do possível. Sempre importante recordar as três perguntas: Quem punir? O que punir? Como punir? Para nós, desde o processo penal, o "como punir" remete para a máxima do nulla poena sine iudicio, o processo enquanto caminho necessário para se chegar na pena, maximizando a importância das regras do jogo enquanto legitimadoras desse poder.

Mas, quando os salvadores não respeitam regras em nome do resultado (consequencialismo), cabe sublinhar a lição histórica de que o mundo gira, e quem tem poder hoje, amanhã pode não ter. E, como o mundo gira, somente o julgamento hoje e amanhã, dentro das regras do jogo, pode salvar, evitando perseguições fakes. O perseguidor fake de hoje não pode reclamar amanhã. Em um mundo em que a cegueira probatória deliberada se alimenta de fakes provas que corroboram as certezas lancinantes do imaginário, dadas as múltiplas narrativas suculentas, juristas que só acreditam no que reafirma suas crenças, estão fadadas a serem consumidos, em futuro próximo, pelo monstro fake que ajudaram a construir.

O amor pelo contraditório, debatido em procedimentos democráticos e imparciais, capazes de superar a cegueira e a surdez de quem pensa o contrário, estará em discussão no evento. O problema é que quem está cheio de certezas acha isso bobagem. Todo cuidado é pouco, porque o processo penal, que tinha como objetivo a informação qualificada, tornou-se o processo penal da desinformação ou da informação seletiva, a saber, a que corrobora as certezas de quem diz, com evidente sacrifício do próprio processo e do valor justiça que se persegue.

Terminamos com Dostoiévski: quem mente para si e escuta suas próprias mentiras chega a não distinguir nenhuma verdade, nem em si, nem ao seu redor. É claro que o cínico ficará irado e dirá o mesmo. Faz parte do modo fake de agir. Um abraço de verdade aos nossos adversários, jamais inimigos.

Autores

  • é doutor em Direito Processual Penal, professor titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

  • é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

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