Primazia do mérito

A pedido das partes, TJ-SP reconhece dispensa ao duplo grau de jurisdição

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23 de abril de 2018, 18h12

Quando uma sentença é anulada, não faz sentido determinar sempre que o juízo de origem analise de novo o mérito do conflito. Se as partes querem o julgamento em segunda instância e não é mais necessário produzir provas, é possível afastar o duplo grau de jurisdição para cumprir o papel do Judiciário: solucionar conflitos, em razoável espaço de tempo.

Com esse entendimento, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo resolveu que podem coexistir no Brasil duas marcas de cerveja com nomes semelhantes: Estrella Galicia e Estrella Damm Barcelona.

A primeira empresa tentava proibir a comercialização da concorrente, mas o pedido foi rejeitado em primeiro grau, apesar da revelia da ré. O problema é que a sentença foi anulada, no ano passado, porque o colegiado viu defeito na citação da Estrela Damm — o aviso foi enviado, pelo correio, ao escritório de advocacia que representou a empresa num processo administrativo.

Com isso, o caminho mais comum seria enviar o caso de volta à primeira instância, para nova sentença. A autora, porém, solicitou análise do mérito em embargos de declaração. A ré também declarou que já havia “causa madura para apreciação do mérito”.

O relator, desembargador Cesar Ciampolini, recebeu os declaratórios com efeitos modificativos e declarou nulo o próprio acórdão. Segundo ele, perde relevância o debate sobre a citação adequada diante da conduta das duas concorrentes, interessadas em ver o impasse resolvido, com amplo contraditório e provas suficientes.

“A medida, como bem pontuou a ré, está alinhada com os imperativos de celeridade, de efetividade e de eficiência do processo”, afirmou o relator. Segundo Ciampolini, a efetiva apreciação do caso “justifica-se, sobretudo, diante do princípio da primazia da resolução de mérito”, consagrada pelo novo Código de Processo Civil.

“Não faria sentido, tal sendo a situação processual, baixarem os autos à origem para prolação de sentença de mérito para, só então, voltarem eles a esta corte, que então se pronunciaria, em grau de apelação. Seria isto manifestação de culto da forma, em detrimento do que é essencial no processo, função mesmo da Jurisdição: a solução de conflitos, em razoável espaço de tempo”, declarou.

O desembargador afirmou que, conforme a doutrina, cabe ao juiz fazer o possível para definir controvérsias. Ciampolini afirmou que o Superior Tribunal de Justiça já considerou sem sentido a “proteção desmedida ao duplo grau de jurisdição, quando ele não se mostrar indispensável à preservação do devido processo legal” (REsp 1.255.398).

Existência harmônica
Sobre o direito em si discutido, Cesar Ciampolini disse que não há motivo de impedir a existência das marcas no Brasil, já que as duas cervejas convivem em harmonia na Europa, por meio de um acordo.

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As duas cervejas convivem há mais de 100 anos na Europa. Divulgação

O relator destacou que o caso é excepcional diante do histórico centenário das marcas. Isso, segundo o relator, é essencial para a resolução do mérito, uma vez que demonstra a possibilidade de coexistência pacífica, sem impactos à livre concorrência, com baixo potencial de confusão.

Além disso, o relator observa que na Espanha, país de origem de ambas, a cerveja Estrella Damm é mais antiga que a Estrella Galícia, o que torna a pretensão irrazoável. Ciampolini acrescentou ainda que a Estrella Damm conseguiu registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), o que comprova a inexistência do risco de confusão.

Clique aqui para ler a decisão.
1079485-67.2016.8.26.0100

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