Diário de Classe

Hermenêutica tem relevante importância para a pesquisa jurídica

Autores

  • Guilherme Augusto De Vargas Soares

    é advogado mestrando em Direito Público – Hermenêutica Constituição e Concretização de Direitos – pelo programa de pós-graduação da Unisinos membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-RS membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e membro do DASEIN (Núcleo de Estudos Hermenêuticos) coordenado pelo professor Lenio Luiz Streck.

  • Thiago Fontanive

    é graduando do curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

21 de abril de 2018, 8h00

As aulas de metodologia da pesquisa frequentemente são desprezadas pelos alunos e até por alguns professores. O subaproveitamento da disciplina chega a aparecer na ementa, muitas vezes voltada ao mero o aprendizado das regras da ABNT, o que retrata o triunfo da formatação do texto em detrimento do conteúdo do trabalho.

Nessas aulas, deveríamos aprender como pesquisar no Direito, os diferentes métodos que podemos utilizar para nossos trabalhos. Mais do que isso: pouco se fala da crítica ao método (moderno) e “método” hermenêutico.

Método na hermenêutica? Sim, isso mesmo. Ouve-se, por parte dos analíticos, que na hermenêutica não há método, é tudo uma confusão, uma ausência de rigor científico. Antes de discutirmos, precisamos ajustar o que entendemos por método. Se método é um cumprimento de etapas, do tipo passo-a-passo, e que tal cumprimento garantiria a verdade do resultado, então os analíticos estão certos, não há método na hermenêutica.

Agora, se método é o comprometimento do pesquisador com a verdade da investigação, isto é, para além/apesar de um mero checklist de procedimentos, então nós, hermeneutas, temos um autêntico método.

Por que afirmamos isso? Porque a hermenêutica está para além de um mero método de pesquisa científica. A hermenêutica está mais para um modo-de-ser-no-mundo. Interpretar não está à nossa disposição. Se compreendemos, interpretamos, se interpretamos, aplicamos. Por isso hermenêutica não se faz em abstrato. Interpretar é aplicar. Para dizer que algo é fácil ou difícil nós precisamos compreender, pois as coisas não nos aparecem com rótulos — por exemplo, no direito, de easy/hard cases.

A afirmação de que a hermenêutica é um modo-de-ser-no-mundo não seria demasiado pretenciosa? Não estaríamos supervalorizando a hermenêutica? Não. Pois a hermenêutica, juntamente com a fenomenologia, nos demonstra o óbvio (e isto, demonstrar o óbvio, muitas vezes é o papel do teórico, desvendar as obviedades, mostrar o elefante que está por detrás da formiga, como afirma o professor Lenio Streck), que não somos divinos, somos seres finitos, que o mundo não começa juntamente com a nossa existência, nós entramos no curso da história, somos influenciados e moldados por ela, e não se dar conta disso é uma atitude solipsista, é ver as coisas negando a sua tradição.

Mas como a hermenêutica foi trazida para as ciências do espírito? Com o problema sobre o método. No método, esconde-se a arbitrariedade. Por quê? Porque cada método pode conduzir a um resultado diferente. Assim, já sabendo de antemão o resultado que quero alcançar, escolho um dos diversos métodos que estão a minha disposição. De acordo com Luiz Alberto Warat:

[…] As principais fórmulas de significação elaboradas pelos distintos métodos ou técnicas seriam: a) remissão aos usos acadêmicos da linguagem (método gramatical); b) apelo ao espírito do legislador (método exegético); c) apelo ao espírito do povo; apelo à necessidade (método histórico); d) explicitação dos componentes sistemáticos e lógicos do direito positivo (método dogmático); e) análise de outros sistemas jurídicos (método comparativo); f) idealização sistêmica do real em busca da adaptabilidade social (método da escola científica francesa); g) análise sistêmica dos fatos (método do positivismo sociológico); h) interpretação a partir da busca da certeza decisória (método da escola do direito livre); i) interpretação a partir dos fins (método teleológico); j) análise linguística a partir dos contextos de uso (método do positivismo fático); k) compreensão valorativa da conduta através da análise empírico-dialética (egologia); l) produção de conclusões dialéticas a partir de lugares (método tópico-retórico)[1].

Percebendo-se o sucesso do método nas ciências naturais, os teóricos das ciência do espírito importaram-no para as suas áreas de conhecimento. Inicialmente, o cumprimento do método, do passo-a-passo, era sinônimo de verdade/neutralidade. A verdade (resultado da pesquisa) estava garantida pelo método.

É como se o método fornecesse um ar científico para o trabalho. Mas, como dissemos anteriormente, o método esconde ideologias, arbitrariedades, assim, ele está(va) sendo utilizado como um álibi teórico para garantir uma escolha (resultado) de antemão tomada (almejado) pelo sujeito investigador.

Principalmente com Gadamer, a hermenêutica, até então somente utilizada para a interpretação de textos, vem demonstrar a discricionariedade que estava na escolha do método pelo sujeito investigador. Para isso, na sua obra Verdade e Método I, especificamente no tópico “2.3.2. O conceito de experiência e a essência da experiência hermenêutica”[2], o autor faz uma análise sobre o desenvolvimento das investigações científicas nas ciências do espírito, relação eu-tu, até chegar ao modo hermenêutico, que seria a experiência autêntica para investigação.

Primeiramente ele cataloga o método científico-naturalista, que obteve grande sucesso nas ciências naturais, e, tal como era aplicado lá, foi importado por Hume para as ciências do espírito. Gadamer afirma que este método é inautêntico para as ciências humanas porque promete neutralidade ao sujeito investigador (eu da relação eu-tu).

A crítica a este método está no fato de que é impossível fazer essa cisão entre tradição e sujeito investigador, pois isso é negar a sua historicidade, aquilo que o constitui. Nas palavras de Gadamer, esse modo de investigação representa “a fé ingênua no método e na objetividade”[3], pois acredita no poder de neutralidade que o método pode fornecer ao sujeito investigador, fazendo com que este não seja influenciado pela tradição em que está inserido. Ledo engano.

Posteriormente, o autor analisa o método dialético (ir)reflexivo, em que o sujeito investigador já não nega mais a historicidade que o constitui, mas, ao invés de deixar o sujeito investigado (tu da relação eu-tu) expressar-se através da sua vontade, o “eu” quer dominar o “tu” e falar por ele, isto é, quer “entendê-lo melhor que ele mesmo se entende”[4].

Dessa forma, será relevante, na “coisa” investigada, somente aquilo que o investigador entender como importante. Exemplo disso é quando, na leitura de um texto, somente procuramos a parte que nos interessa, muitas vezes, descontextualizando a ideia do autor, atribuindo-lhe um falso posicionamento somente para enquadrá-lo na nossa pesquisa. Por isso, Gadamer já afirmava que antes de dizer algo sobre o texto (que é um evento), devemos deixar que o texto nos diga algo.

Por fim, a autêntica experiência hermenêutica é aquela que propõe uma mútua abertura na relação eu-tu. Isto é, abertura do sujeito investigador para a historicidade, dando-lhe ciência de que é constituído pela tradição; e, abertura do sujeito investigador para o tu, objeto/sujeito investigado, que expressa-se naturalmente. Nas palavras de Gadamer, a experiência hermenêutica é um verdadeiro vinculo humano, ou seja, “pertencer-se uns aos outros [ou] poder-ouvir-se-uns-aos-outros”[5].

Assim, o método hermenêutico é a autêntica experiência. Porque considera a finitude do homem, percebe que ele está inserido na tradição, e que tradição não é somente os acontecimentos passados, mas também, e principalmente, linguagem.

Portanto, a experiência hermenêutica vem antes de qualquer método. Pois, além de deixar o objeto expressar-se naturalmente, reconhece todo o passado que constitui o sujeito investigador, ou seja, toda a influência que a história tem sobre ele revela ao sujeito investigador seus pré-conceitos.

Como mencionado anteriormente, o mundo não começa conosco, somos moldados pelo acontecer do tempo, por isso a neutralidade é ilusória, pois não existe um grau zero de compreensão, sempre haverá um pré-conceito, autêntico ou inautêntico. Reconhecer tudo isto e abrir-se para um diálogo autêntico é uma importante lição da hermenêutica.

Por fim, cabe destacar que a Crítica Hermenêutica do Direito (CHD, inicialmente batizada de Nova Crítica do Direito), idealizada pelo professor Lenio Streck, adaptou/importou, de forma inédita, o "método hermenêutico-fenomenológico" para o âmbito da pesquisa jurídica. Colocando uma pá de cal na algaravia existente na "metodologia" desta área do conhecimento, acostumada a trabalhar dialéticas inexistentes, deduções e induções indemonstráveis e ainda presa ao velho esquema sujeito-objeto das ciências naturais.


[1] Citado por STRECK, Lenio Luiz. Método de interpretação. In: Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito, 2017, p. 142-3.
Para saber mais sobre a aplicação do método fenomelógico-hermenêutico à pesquisa jurídica, confira-se a coluna dos professores Lenio Streck e Rafael Tomaz de Oliveira: https://www.conjur.com.br/2015-dez-26/diario-classe-indicacoes-metodo-fenomenologico-hermeneutico
[2] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997, p. 512.
[3] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997, p. 529.
[4] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997, p. 530.
[5] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1997, p. 532.

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