Opinião

Parlamentar ofende a legislação ao adotar nome de referência política

Autor

  • Silvano José Gomes Flumignan

    é doutor mestre e bacharel em Direito pela USP professor adjunto da UPE e da Asces/Unita professor permanente do mestrado profissional do Cers ex-pesquisador visitante na Universidade de Ottawa ex-assessor de ministro do STJ procurador do estado de Pernambuco coordenador do Centro de Estudos Jurídicos da PGE-PE e advogado.

20 de abril de 2018, 9h53

Um fato inusitado tomou o foco do cenário político brasileiro recentemente. Dezenas de parlamentares requereram a alteração do “nome parlamentar” para a inclusão do cognome “Lula” em atendimento à determinação do político em ato anterior à sua prisão. Como resposta, outros tantos parlamentares pediram a inclusão do sobrenome do juiz “Moro”, que decretou a prisão do ex-presidente.

O desprezo a problemas crônicos do cenário político e social brasileiro para criar essa “pauta” política já seria motivo de críticas a ambos os lados. Contudo, a análise jurídica do requerimento demonstra que o resultado para todos os pedidos deve ser o indeferimento.

O artigo 12 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) estabelece os requisitos para o registro do nome do candidato e para o “nome de urna”[1]. Evidentemente, o candidato escolherá o signo que ofereça as melhores chances para o êxito nas eleições. É possível o uso da profissão, função, apelido e títulos acadêmicos, honoríficos e religiosos. Entretanto, qualquer que seja a escolha, deve haver o respeito aos requisitos legais. A escolha do candidato, no entanto, não é completamente livre. Deve guardar correspondência com a realidade e permitir a identificação do candidato.

A questão é tão importante que se estabelece até mesmo a necessidade de o candidato indicar três nomes possíveis entre prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido.

O mesmo dispositivo estabelece as limitações expressas ao prever que não pode existir dúvida quanto à identificação, nem mesmo a utilização de nome ridículo, irreverente ou que atente ao pudor. Além dessas limitações expressas, existe a já mencionada correspondência concreta à identificação social.

O “nome parlamentar” é aquele adotado no ato da posse para ser utilizado na atividade parlamentar e exercício do mandato. Dele deve constar prenome e sobrenome, apenas prenome simples ou composto, sobrenome simples ou composto ou apelidos públicos e notórios[2].

A Resolução 17/89 da Câmara dos Deputados é um bom exemplo de disciplina do “nome parlamentar” ao estabelecer a sua composição por apenas dois elementos: dois nomes, dois prenomes ou prenome e nome[3].

A regulamentação do “nome de urna”, “nome parlamentar” e até mesmo do “nome de posse” não deve destoar das regras gerais do direito ao nome e à identificação do ordenamento jurídico em geral. O Código Civil, por exemplo, estabelece duas importantes regras sobre o tema nos artigos 16 e 19. O primeiro estabelece os elementos essenciais ao nome, e o segundo estende a proteção do nome ao apelido utilizado para atividades lícitas[4].

Todos os dispositivos guardam o elemento comum de correspondência à realidade. Em qualquer situação, seja para registro, seja para alteração, é preciso que os nomes correspondam ao nome de registro ou pelo menos aos apelidos públicos e notórios utilizados para atividades lícitas.

A temática do nome também ganhou notoriedade por decisões recentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. O STF deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 58 da Lei 6.015/73 para permitir a averbação do registro de nome civil para inclusão de nome social de transexual, mesmo sem a cirurgia de redesignação de sexo[5]. O TSE permitiu a utilização e registro de nome social e a possibilidade de candidatos transexuais concorrem à vaga destinada ao gênero de identificação.

Ambas as decisões representam conquistas obtidas à base de luta e enfrentamento para se garantir uma sociedade plural, que respeita a diversidade e atende aos ditames da dignidade humana. De qualquer forma, mesmo para tais situações, o nome social deve ser de utilização concreta e verdadeira.

A ausência de correspondência à realidade tem como consequência o indeferimento do registro e da averbação. Os parágrafos 2º e 3º do artigo 12 da Lei 9.504/97 estabelecem tal consequência e são perfeitamente aplicáveis, por interpretação extensiva, ao nome parlamentar[6].

No caso dos parlamentares, há evidente tentativa de se fazer uso político de um resultado jurídico decorrente de uma conquista de grupos que historicamente enfrentaram preconceito e lutaram para garantir uma sociedade plural e diversa. É de conhecimento notório que tais parlamentares nunca atenderam pelas alcunhas “Lula” ou “Moro”. Falta, portanto, veracidade, pressuposto fundamental para o registro de tais “nomes parlamentares”.

A utilização política dessa conquista, seja para se adotar o apelido “Lula”, seja para se utilizar o apelido “Moro”, é zombar dessas conquistas recentes, desprezar os eleitores e ofender a legislação de maneira deliberada. O único resultado esperado é o indeferimento de todos os requerimentos.


[1] Art. 12, caput, da Lei 9.504/97. O candidato às eleições proporcionais indicará, no pedido de registro, além de seu nome completo, as variações nominais com que deseja ser registrado, até o máximo de três opções, que poderão ser o prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente, mencionando em que ordem de preferência deseja registrar-se.
[2] Nome parlamentar – Nome adotado pelo Parlamentar ao tomar posse do seu mandato. Compõe-se de dois elementos: um prenome e o nome; dois nomes; ou dois prenomes, salvo, a juízo do Presidente da Casa Legislativa, que poderá alterar essa regra para que não ocorram confusões (acesso on-line por http://www2.camara.leg.br/glossario/n.html em 12 de abril de 2018).
[3] Art. 3º da Resolução 17/89. O candidato diplomado Deputado Federal deverá apresentar à Mesa, pessoalmente ou por intermédio do seu Partido, até o dia 31 de janeiro do ano de instalação de cada legislatura, o diploma expedido pela Justiça Eleitoral, juntamente com a comunicação de seu nome parlamentar, legenda partidária e unidade da Federação de que proceda a representação.
§ 1º O nome parlamentar compor-se-á, salvo quando, a juízo do Presidente, devam ser evitadas confusões, apenas de dois elementos: um prenome e o nome; dois nomes; ou dois prenomes.
[4] Art. 16 do CC/02. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Art. 19 do CC/02. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
[5] Art. 58 da Lei 6.015/73. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
[6] §§2º e 3º do art. 12 da Lei 9.504/97:
§ 2º A Justiça Eleitoral poderá exigir do candidato prova de que é conhecido por determinada opção de nome por ele indicado, quando seu uso puder confundir o eleitor.
§ 3º A Justiça Eleitoral indeferirá todo pedido de variação de nome coincidente com nome de candidato a eleição majoritária, salvo para candidato que esteja exercendo mandato eletivo ou o tenha exercido nos últimos quatro anos, ou que, nesse mesmo prazo, tenha concorrido em eleição com o nome coincidente.

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