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Rafael Issa: PL 7.448/17 representa uma melhora institucional

16 de abril de 2018, 16h31

Por Rafael Hamze Issa

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Está aguardando a sanção presidencial o Projeto de Lei 7.448/17, que tem por finalidade incluir dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB — Decreto-Lei 4.657/42), com vistas a aumentar a segurança jurídica e a eficiência na criação e aplicação do Direito Público.

Apesar de a proposição legislativa tramitar desde 2015 (por meio do PL do Senado 349/15), as entidades e os membros de órgãos de controle somente passaram a se pronunciar contra o PL nas últimas semanas. Um dos objetos de ataque é a inclusão do artigo 28 na LINDB, que, segundo os críticos, tentaria “acabar com a Lei de Improbidade Administrativa”. Tal tentativa decorreria do quanto previsto no caput do mencionado dispositivo, que determina que “[o] agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”, o que retiraria a possibilidade de penalização dos administradores por culpa.

No entanto, um olhar mais atento para o dispositivo atacado demonstra a sua total pertinência no atual cenário, servindo como importante mecanismo para conferir segurança jurídica aos agentes públicos e membros da advocacia pública, sem qualquer prejuízo ao correto manejo da ação de improbidade administrativa.

Com efeito, a noção trazida pelo dispositivo em apreço, de que a responsabilização do agente público deve decorrer de dolo ou erro grosseiro (= culpa grave), está presente nos próprios entendimentos jurisprudencial e doutrinário a respeito do elemento subjetivo do ato de improbidade administrativa e possui por finalidade evitar que qualquer falha do agente público possa resultar na imposição das drásticas penalidades decorrentes da configuração de improbidade administrativa.

Nesse aspecto, a jurisprudência tem considerado que a configuração da improbidade administrativa depende da existência do elemento subjetivo, representado pelo dolo ou pela culpa grave, conforme é possível verificar de diversos julgados dos tribunais pátrios. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, há muito se vem afirmando que, “para a caracterização de improbidade, que a atuação do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do art. 10” (AgInt no REsp 1.615.025/PE, julgado em 8/2/2018), entendimento que pode ser verificado, entre outros, nos seguintes precedentes: AgInt no REsp 1.286.783/RS, julgado em 27/2/2018; AgRg no AREsp 409.591/PB, julgado em 7/11/2017; REsp 1.420.979/CE, julgado em 18/9/2014; REsp 1.273.583/SP, julgado em 18/4/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, julgado em 25/3/2014; AgRg no AREsp. 83.233/RS, julgado em 25/2/2014; AgRg no REsp 122.4462/MG, julgado em 15/10/2013; AIA 30/AM, julgada em 21/9/2011; REsp 909.446/RN, julgado em 6/4/2010; EREsp 479.812/SP, julgado em 25/8/2010).

Na mesma linha, pontua Fábio Medina Osório que “[a] culpa grave resulta da alta violação dos deveres objetivos de cuidado. Não tratamos, com efeito, de uma falta de observância qualquer dos deveres de uma boa administração, mas de enganos grosseiros, da culpa manifesta e graduada em degraus mais elevados, à luz da racionalidade que se espera dos agentes públicos e de padrões objetivos de cuidados”[1].

Tal entendimento possui por finalidade evitar que o administrador público fique acuado diante da possibilidade de, a qualquer equívoco posteriormente constatado por órgão de controle, ser responsabilizado com a perda do cargo público — muitas vezes obtido após disputado concurso público —, além do pagamento de multa, bloqueio de bens pessoais etc. Justamente ante a gravidade das sanções da Lei de Improbidade, a interpretação razoável propagada pela doutrina e pela jurisprudência afirma a limitação das punições desta lei para os casos em que o agente público não age de boa-fé, o que é evidenciado pela conduta dolosa ou derivada de erro grosseiro.

Percebe-se, portanto, que a redação do caput do artigo 28 somente retrata o entendimento consagrado na melhor doutrina e na jurisprudência do STJ sobre o tema, que, há pelo menos oito anos, tem exigido o elemento subjetivo culpa grave (erro grosseiro) para a configuração da improbidade administrativa.

Em complemento à regra do caput, o parágrafo 1º traz importante previsão para conferir segurança jurídica aos agentes públicos e advogados públicos pareceristas, ao afirmar que “[n]ão se considera erro grosseiro a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais”. Com tal previsão, resguardam-se os agentes e os pareceristas de punição, funcional ou de improbidade, pela emissão de pareceres ou pela decisão administrativa calcada em interpretação não acolhida por órgão de controle.

Tal previsão traz uma regra que seria desnecessária, caso não houvesse certa utilização desenfreada de ações de improbidade administrativa. Afinal, tal ação não é destinada a impor, por meio de punição ou ameaça de sancionamento, a interpretação adotada pelos órgãos de controle, mas, sim, coibir as atuações dolosas ou calcadas em culpa grave dos administradores em desfavor da probidade administrativa, o que não é feito pela simples interpretação — calcada em lei, doutrina ou jurisprudência — dissonante daquela do órgão de controle. Afinal, ante a miríade de técnicas interpretativas existentes (literal, histórica, teleológica, sistemática etc.), pretender-se a punição de agente público com base em interpretação diversa da do órgão de controle é flagrantemente descabido.

Percebe-se, portanto, que os dispositivos mencionados possuem a nítida finalidade de evitar que o poder punitivo estatal seja direcionado para os agentes públicos que, de boa-fé e calcados em interpretações fundamentadas, agiram em prol do interesse coletivo — não de interesses particularísticos e patrimonialistas —, ainda que suas ações possam ser posteriormente consideradas equivocadas. Separa-se, portanto, os agentes públicos de acordo com o elemento volitivo de suas ações, o que, a nosso ver, representa justamente a intenção da Lei de Improbidade Administrativa.

Nesse passo, os dispositivos em apreço trazem uma importante melhora no sistema de responsabilização dos agentes públicos, uma vez que, ao consagrar legalmente o entendimento da melhor doutrina e da jurisprudência do STJ, permitem que a ação punitiva estatal seja direcionada apenas àqueles servidores que não agiram de boa-fé no exercício de suas funções, evitando a punição daqueles que, agindo de boa-fé e de acordo com os recursos fornecidos pela administração pública, acabem por ter as suas ações consideradas irregulares pelos órgãos de controle.

Traz, portanto, uma importante evolução no sistema de responsabilização pública, ao separar as ideias de invalidade jurídica do ato da de punição por improbidade administrativa. Evita-se que o administrador público fique constantemente na berlinda da responsabilização pessoal, mesmo nas hipóteses em que tenha agido de boa-fé, o que tem sido uma das principais razões de inação e paralisia da administração pública.

Com efeito, a dinâmica e a proatividade, que devem ser a marca da ação administrativa em tempo de escassez de recursos e de interesses sociais conflitantes, são inibidas pela atuação intrusiva de órgãos de controle que não apenas invalidam a ação administrativa como ainda recorrem a expedientes de responsabilização pessoal, com a finalidade de impor seus pontos de vista (que se tornam a lei do caso concreto), em detrimento da ação de boa-fé do administrador. Com isso, ao contrário do que o senso comum em época de operação "laja jato" pode supor — infelizmente apregoado por agentes que deveriam zelar pela regularidade de ação das instituições públicas —, o acuamento e a intimidação dos administradores trazem efeitos deletérios sobre toda a sorte de serviços e prestações feitas pela administração pública aos cidadãos. Entre agir de boa-fé e ser penalizado pessoalmente e não agir, neste caso sem risco de penalização, a escolha do administrador parece óbvia. E você, caro(a) leitor(a), o que faria?

Em suma, os dispositivos aqui mencionados do PL 7.448/17 têm a possibilidade de permitir uma melhora tanto da ação administrativa — ao resguardar o administrador de boa-fé da responsabilização pessoal — quanto a ação dos órgãos de controle na tutela da probidade administrativa — ao direcionar esse tipo de ação apenas para aquelas situações em que efetivamente tenha havido ação de má-fé, ou seja, com dolo ou culpa grave —, de modo que a sua aprovação representará uma importante melhora institucional do país.


[1] Teoria da Improbidade Administrativa, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 246-247.