Segunda Leitura

A fidelidade como elemento de sucesso nas profissões jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

15 de abril de 2018, 9h59

Spacca
Quando eu era um jovem estudante de Direito, olhava para os profissionais de sucesso e me punha a pensar como teriam conseguido chegar àquela posição. O tempo me mostrou que isto não era fruto do acaso, de origem social ou de inteligência excepcional, mas sim o resultado de muito esforço e de algumas virtudes pessoais. E, entre elas, a fidelidade.

Registro as experiências vistas e vividas em 52 anos de atividades jurídicas, nos mais diversos palcos do mundo do Direito.

a) Estágio. Rica experiência na vida do estudante de Direito, muito se aprende nesta fase. Os escritórios de advocacia são os locais mais disponíveis aos acadêmicos de Direito. Neles se aprende não só Direito na vida real, como gestão do escritório, realidade judiciária, recursos humanos, captação e manutenção de clientes e outras atividades. Relacionando-se com os clientes, o estagiário pode, deles, tornar-se próximo. E, ao formar-se, aliciar alguns para o seu escritório. Prática condenável, infidelidade flagrante, pode custar-lhe o rancor dos prejudicados e a divulgação de seu mau caráter.

b) Professor e a faculdade. Chega a vida adulta. E, com esforço, consegue lecionar em uma Faculdade de Direito. Ainda que por vezes a remuneração seja baixa, a profissão dá-lhe status, auxilia na captação de clientes, aumenta a rede de relacionamentos e impõe-lhe a aquisição de mais profundos conhecimentos jurídicos.
Ainda que esta relação por vezes seja fria e exclusivamente profissional (caso das grandes redes espalhadas pelo Brasil), a saída, voluntária ou fruto de um enxugamento dos quadros em razão da crise econômica, não deve transformar-se em momento de vingança. Por isto ou por aquilo ingressar na Justiça do Trabalho, esquecendo-se do que lucrou e transformando um relacionamento amistoso em recordações de ódio.

c) Associações. As carreiras jurídicas têm o seu órgão de classe, que pode ser a Ordem para os advogados e as associações para os demais. Esses grupos defendem os interesses corporativos e, espera-se, também o público. Os que ocupam as posições de direção têm um dever de fidelidade com os filiados. Este se traduz em ações concretas, que começam com a defesa da classe, mas que vão além. Cabe-lhe a defesa dos interesses da categoria e não os seus, privados.
É dizer, a associação não deve ser o trampolim para alcançar-se outras posições de destaque, por vezes, até, com sacrifício dos interesses da classe. Da mesma forma, obriga total respeito ao dinheiro arrecadado dos sócios, não tendo o menor sentido, por exemplo, jantares com caros vinhos estrangeiros ou pagamento das despesas da esposa ou acompanhante em congressos. Tais atitudes são flagrante infidelidade e levam ao total descrédito o autor.

d) Eleições e Ministério Público. No Ministério Público dos Estados todos os membros da instituição votam em uma lista tríplice, que será submetida ao Governador para que escolha o procurador-geral da Justiça. No Ministério Público Federal há também eleição, muito embora o presidente da República não esteja obrigado a escolher um dos três indicados. Pois bem, esse sistema, que visa tornar mais democrática a administração, não pode ser transformado em satisfação de interesses corporativos.
Assim, não faz o menor sentido promessas de campanha oferecerem aos eleitores designações para outras comarcas, possibilitando o recebimento de diárias, convocação na capital, pagamento de passagens aéreas em primeira classe ou outras vantagens inadequadas à realidade social brasileira. Aí estará uma infidelidade ao juramento de bem cumprir a Constituição e as leis do país, feito por ocasião da posse.

e) No Poder Judiciário. Na magistratura muitos se sentem injustiçados, não reconhecidos pela cúpula ou vítimas disso ou daquilo. Ao aposentar-se, não são poucos os que saem se lamentando e atribuindo à falsidade da humanidade a solidão que experimentam ao deixar a toga. Tais pessoas, contudo, não valorizam o que têm ou tiveram. Não percebem o quanto a função lhes abriu portas através da posição social, a estabilidade funcional conquistada, as férias em dobro e outros benefícios. Este posicionamento não é apenas um ato de infidelidade ao muito obtido, como é, também, falta de saber bem levar a vida.
Na ativa ou na aposentadoria, as relações de cordialidade, de entrosamento, amenizam as dificuldades da vida. Nos tribunais de Justiça do Paraná e de São Paulo, e certamente em muitos outros, juízes e desembargadores aposentados participam de mediações e conciliação, colaborando com a Justiça e sentindo-se úteis.

f) Bolsas e licenças. No serviço público e nas universidades são concedidas bolsas ou licenças para estudos no Brasil ou no exterior. E lá se vai alguém a Portugal, Espanha (os preferidos) ou outro país, adquirir conhecimentos. Esta dádiva não é concedida para que o beneficiado volte com título acadêmico. O objetivo é que ele se aprimore e, ao retornar, preste melhor os serviços a seu cargo. Assim, constitui manifesta infidelidade retornar sem ter conquistado o título (ao meu ver, caso de cobrança judicial) ou procurar, logo após, outra atividade ou carreira.

g) Nomeação com auxílio de políticos. Ninguém chega aos mais importantes cargos de cúpula sem apoio político. Disso resulta, entre o beneficiado e o seu padrinho, para usar uma expressão popular, uma relação de gratidão. Esta gratidão, todavia, de forma alguma significa atender aos múltiplos desejos do benfeitor e, muito menos, beneficiá-lo em eventuais acusações de práticas criminosas. O reconhecimento deve limitar-se à solidariedade nos momentos difíceis da vida, a um telefonema no Natal, no recebimento de um jovem parente que deseja conselhos sobre a vida profissional, coisas deste tipo, enfim.
Confundir isto com uma dívida a ser quitada seja qual for o assunto é agir nos moldes da Máfia siciliana, onde o compromisso, lavrado com sangue, é eterno e absoluto. Fidelidade deve, sim, o nomeado, aos milhões de brasileiros que pagam seus vencimentos com os impostos.

Aos exemplos citados, a vida adiciona outros tantos. Fidelidade deve o formado em uma Faculdade de Direito à instituição, com a qual deve colaborar sempre que possível, da forma que se apresente razoável. Fidelidade deve o aposentado à amizade sincera de seus colegas, sendo grave erro servir-se da proximidade que o passado lhe proporcionou para tentar obter tratamento privilegiado.

Cultivar a fidelidade, lembrá-la aos atores durante suas ações, cobrá-la quando se está em posição de mando, são formas de melhorar o sistema, melhorar o Brasil.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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