Opinião

Sustentação oral feita por estagiário com registro na Ordem é ato ilícito

Autor

  • Roberto Beijato Junior

    é advogado doutor e mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo professor do curso de Direito do Ibmec-SP e autor de diversos artigos e obras nos campos da Filosofia e do Direito.

15 de abril de 2018, 7h00

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal autorizou no dia 7 de fevereiro a realização de sustentação oral por uma estagiária inscrita nos quadros da OAB, nos autos da Apelação Cível 0004403-81.2016.807.0001, tendo o fato sido noticiado pelo próprio órgão jurisdicionam em questão[1].

Diante da inusitada situação, fica a pergunta: o estagiário regularmente inscrito nos quadros da OAB pode realizar sustentação oral em sessão de julgamento de um tribunal?

A banca de advocacia integrada pela estagiária em questão alegou inexistir norma impeditiva a tal atuação, bem como que, supostamente, nos termos do parágrafo 2º do art. 3º do Estatuto da Advocacia e da OAB — (EAOAB) Lei 8.906/94 —, os estagiários poderiam praticar qualquer ato privativo de advogado, desde que acompanhado por este e, sob sua responsabilidade pessoal. Pois bem, vamos transcrever o dispositivo cuja análise fora trazida à lume:

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
(…) § 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste.

Vemos, primeiramente, que o dispositivo invocado delega ao Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB (RGEAOAB) a tarefa de disciplinar, especificamente, o modo por meio do qual o estagiário poderá praticar os atos privativos de advogado que são previstos no art. 1º co EAOAB, entre eles e, mais importante, a postulação perante órgãos do Poder Judiciário.

Por sua vez, é o art. 29 do RGEAOAB especifica quais atos pode o estagiário praticar em conjunto com o advogado, trazendo, após, em seu parágrafo 1º um rol numerus clausus de atos que o estagiário pode praticar isoladamente. Vejamos:

Art. 29. Os atos de advocacia, previstos no Art. 1º do Estatuto, podem ser subscritos por estagiário inscrito na OAB, em conjunto com o advogado ou o defensor público.
§ 1º O estagiário inscrito na OAB pode praticar isoladamente os seguintes atos, sob a responsabilidade do advogado:
I – retirar e devolver autos em cartório, assinando a respectiva carga; II – obter junto aos escrivães e chefes de secretarias certidões de peças ou autos de processos em curso ou findos;
III – assinar petições de juntada de documentos a processos judiciais ou administrativos.

Vemos que a subscrição de atos privativos de advogado, tais como, por exemplo, uma petição inicial, uma contestação, recursos, etc., por um estagiário deverá, regra geral, ser realizada em conjunto com o advogado, não se admitindo, sob cominação de nulidade a prática isolada pelo estagiário[2].

O rol trazido pelo parágrafo 1º do art. 29 do RGEAOAB, acima transcrito, além de consistir em rol taxativo, possui uma lógica própria bastante nítida, qual seja: todos os atos permitidos ao estagiário praticar isoladamente se tratam de atos de índole não postulatória, ou seja, atos por meio do qual não se formula qualquer requerimento e não se aduzem razões perante o Poder Judiciário. Para que o estagiário possa praticar um ato de tal natureza dependerá da subscrição conjunta do advogado.

Por óbvio, não se inclui entre os atos que o estagiário pode praticar isoladamente a formulação de sustentação oral perante órgãos do Poder Judiciário.

Primeiramente, porque tal ato não se encontra entre as exceções taxativas previstas no parágrafo 1º do art. 29 do RGEAOAB. Em segundo, porque a realização de sustentação oral é, por excelência, um ato postulatório. Se trata da oportunidade conferida ao advogado para aduzir presencial e oralmente perante os julgadores, as razões por meio da qual o pleito defendido deve ser atendido, ao final, requerendo expressamente a concessão do pedido.

Trata-se, assim, de um ato essencialmente postulatório e que, por sua natureza, descabe o exercício isolado pelo estagiário.

O fato, ademais, de o advogado responsável se posicionar ao lado da estudante enquanto esta realizava a sustentação em nada altera a ilicitude da prática. Isto porque a sustentação oral é ato único, indivisível, não sendo possível cogitar da "subscrição conjunta" da mesma a teor do caput do art. 29 do RGEAOAB. O que se teve, em síntese, foi a formulação de uma sustentação oral, ato privativo de advogado, por pessoa não inscrita como advogada na OAB e, portanto, um ato nulo, consoante art. 4º do EAOAB.

Ademais, a admissibilidade do TJDFT destoa da jurisprudência pacificamente construída até então, que uniformemente inadmite a realização de sustentação oral por estagiário. Transcrevemos:

HABEAS CORPUS. SUSTENTAÇÃO ORAL. ATO PRIVATIVO DE ADVOGADO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PREJUÍZO DA IMPETRAÇÃO.
1. Não é permitida a prática de sustentação oral por estagiário de advocacia (art. 124, parágrafo único, do RI/STF).
2. A superveniência da sentença condenatória altera o título da prisão preventiva. Precedentes.
3. Habeas corpus prejudicado.
(STF, 1ª T. HC nº 118.317/SP. Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 22.10.2013).

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. SUSTENTAÇÃO ORAL. DIREITO DO RÉU. ATUAÇÃO DE ESTAGIÁRIO EM SESSÃO DE JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO PARA O ATO. ORDEM CONCEDIDA.
1. É defeso ao estagiário de Direito a prática de ato privativo de advogado.
2. A denegação da sustentação oral do recurso viola o direito à ampla defesa, assegurado aos réus pela Constituição Federal.
3. Ordem concedida
(STJ. 6ª T. HC nº 47.803/GO. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 15.02.2007).

Ainda, no âmbito do próprio TJ-DF:

(…) NÃO SE ADMITE QUE A SUSTENTAÇÃO ORAL SEJA FEITA POR ESTAGIÁRIO DE DIREITO, POIS ELE É UM ADVOGADO EM POTENCIAL, MAS NÃO É UM ADVOGADO. NÃO PADECENDO O ACÓRDÃO QUE SE PRETENDE RESCINDIR DE QUALQUER VÍCIO A JUSTIFICAR A SUA RESCISÃO, JULGA-SE IMPROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA E PREJUDICADA A MEDIDA CAUTELAR. (TJDFT. 3ª Câmara Cível, Ação Rescisória nº 20050020107763/DF, Rel. Des. Lécio Resende, j. em 20.11.2006.

Feitas tais colocações, nossa concluímos por ser vedado ao estagiário inscrito na OAB a realização de sustentação oral em sessão de julgamento, violando o parágrafo 2º do art. 3º, 34, incisos I e XXIX do EAOAB, bem como o art. 29 do RGEAOAB.


[1] http://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/decisoes-em-evidencia/9-2-2018-2013-tjdft-permite-sustentacao-oral-de-estagiaria
[2] Neste caso, além da nulidade do ato, por força do artigo 4º do EAOAB, o estagiário ainda estaria sujeito à pena de censura pela prática da infração definida no artigo 34, XXIX do EAOAB.

Autores

  • Brave

    é advogado, mestre e doutorando em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e coordenador e professor do curso de Direito da Faculdade Escola Paulista de Direito (EPD).

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