Diário de Classe

Urgente: professor de Direito tem prisão decretada após segunda instância!

Autores

  • Emerson de Lima Pinto

    é professor advogado pós-doutorando em Direito doutor em Filosofia e mestre em Direito Público pela Universidade Feevale. Também é membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

  • Giovanna Dias

    é graduanda em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

  • Frederico Pessoa da Silva

    é graduando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

14 de abril de 2018, 8h05

Durante uma manhã de sábado, em uma escola de Direito tão… Tão distante, deu-se a seguinte discussão acerca de um tema há muito esquecido pelos juristas do país: os perigos de se ter um Direito predado pela Política… Eis que, de súbito, enquanto o professor dialogava, os alunos se permitiram questionar:

Aluno: Professor, não são raras as vezes em que me deparo com decisões judiciais aparentemente justas, com efeitos políticos e sociais belíssimos, mas há quem diga que, à luz do Direito, devam ser consideradas equivocadas. Por que não é correto um juiz fundamentar sua decisão em argumentos políticos, mesmo que seu objetivo final seja satisfazer um ideal justo?

Professor: Você acaba de trazer um ponto importantíssimo, que servirá bem como partida para uma boa discussão. Estruturemos nosso pensamento inicial: afinal, estamos em uma Escola de Direito ou em uma Escola de Justiça?

Aluno: Em uma Escola de Direito, professor.

Professor: Evidente! Assim, partimos do pressuposto de que o Direito seja o nosso objeto de estudo, e não a Justiça, concorda?

Aluno: Talvez… Isso me causa estranheza… Sempre vi o Direito atrelado a um ideal de Justiça…

Professor: Perfeito! Essa estranheza é normal, e arrisco dizer que boa parte dos estudantes de Direito entra na universidade com essa visão acerca do seu objeto de estudo, uma visão extremamente consequencialista e pragmática.

Aluna: Professor, está usando termos que não conheço…

Professor: Vou explicar: consequencialismo e pragmatismo, de forma bem resumida, no âmbito da decisão judicial, são dois termos utilizados para nos referirmos a posicionamentos que dão mais valor e importância aos efeitos sociais de determinada decisão do que propriamente aos seus fundamentos… E isso, meus caros alunos, nada mais é do que dizer que os fins justificam os meios…

Aluna: E não justificam, mestre?

Professor: Não em um Estado que se pretenda Democrático e de Direito… Se permitimos que magistrados assumam posturas consequencialistas no momento da decisão, sob a justificativa de que ela produzirá efeitos que concordamos serem justos, o que faremos quando o magistrado assumir posições que concordamos serem injustas? Se permitimos uma coisa, também permitimos a outra… Veja, o que ocorre é que teremos excluído do 'jogo' os critérios comuns a todos os 'jogadores'…

Aluno: Se o magistrado não pode usar justificativas políticas como forma de fundamentar, então ele não deve se atentar aos efeitos políticos de suas decisões?

Professor: Cuidado. Um não exclui o outro. O problema não reside no fato de um juiz se utilizar de argumentos políticos, atento aos efeitos sociais de sua decisão. O problema surge quando os fundamentos políticos vêm desacompanhados de qualquer base legal, e muitas vezes indo contrários à própria lei! O magistrado pode encontrar no Direito fundamentos que assegurem a estabilidade política do país, por exemplo. Veja a seguinte situação: se eu disser que determinada postura institucional não deva ser assumida pela autoridade X, pois viola o princípio da separação de Poderes, bem… Estarei arguindo questão extremamente jurídica, ao mesmo tempo que política.

Aluna: Tudo bem, professor, compreendi o ponto do senhor até aqui, mas quais as fronteiras entre uma fundamentação de cunho político para uma fundamentação genuinamente jurídica?

Professor: Existem vários limites que devem ser respeitados e levados em consideração pelo julgador no momento da decisão. Se eu desrespeito entendimentos advindos da jurisprudência, desrespeito as leis, e a minha justificativa para isso é, por exemplo, a de que os 'valores sociais' sofreram mudanças, ou de que assim exige o 'clamor público', bem, temos uma decisão totalmente baseada em argumentos políticos. O que acontece, nesses casos, é que o magistrado esquece da sua responsabilidade perante a coerência do Direito.

Aluno: Mestre, seguindo esse raciocínio, é possível, por exemplo, dizer que decisões aparentemente injustas do ponto de vista político de uma maioria possam ser consideradas juridicamente corretas?

Professor: Isso. É exatamente esse o ponto central! O que é uma 'boa decisão', ou 'má decisão', no sentido da sua pergunta, não pode partir do entendimento individual do magistrado, mas, sim, a partir da perspectiva do Direito. O magistrado, inserido dentro de um contexto institucional democrático, deve dar ao caso concreto as respostas que o Direito tem, e não a resposta oferecida pela sua própria concepção política, ou a de uma maioria de momento. Seu papel institucional não é o de representação popular, ele não tomou posse de seu cargo em razão do voto do povo. O magistrado tem uma responsabilidade política totalmente diversa da do legislador.

Aluna: Tudo bem, professor. Acho que estou entendendo. Teria como nos dar uma situação real, para exemplificar?

Professor: Claro! Em uma discussão judicial acerca da possibilidade de que um réu cumprisse pena a partir de sua condenação confirmada pelo segundo grau de jurisdição, mesmo ainda havendo possibilidade de recurso, a maioria do tribunal, em favor da tese, ignorando o preceito constitucional do artigo 5º, LVII, da Constituição que impõe o trânsito em julgado para que se possa constatar o elemento de culpa, por sua vez essencial a afirmação do crime, trouxe os seguintes fundamentos: a) existem, no nosso sistema jurídico, muitas possibilidades de interposição de recursos às sentenças, e os réus usufruem disso para postergar o processo e gerar prescrições artificiais; b) além disso, o Brasil é exceção dentro do cenário internacional, na medida em que a maioria dos países do mundo não traz o requisito do trânsito em julgado. Confesso que minha consciência se perde um pouco na busca por algo que possa conectar esses fundamentos utilizados aos preceitos jurídicos da dogmática constitucional. O que vocês acham disso?

Aluno: Bem, professor… É evidente que a quantidade de recursos passíveis de serem interpostos pelos advogados constituem um problema a ser sanado… Diante de um cenário de corrupção banalizada…

Professor: E quem deve sanar esse problema? Quem tem essa responsabilidade e competência?

Aluno: O legislador?

Professor: Exatamente… Aquilo que o julgador denominou de 'problema' da quantidade de recursos, em realidade, é um direito que o réu possui, e tais recursos estão previstos em lei. Não podemos culpar o réu por se utilizar de todos os mecanismos para o exercício do contraditório e da ampla defesa, sob único argumento de que isso gera impunidade, há de se ter uma base jurídica. Agora, se há problemas com a quantidade de recursos que a lei disponibiliza, bem, resolvamos isso por via legislativa. Esse contra-argumento que acabei de utilizar… Esse, sim, jurídico de pai e mãe. No entanto, quando formos à assembleia, não nos esqueçamos dos milhares de 'Silvas' que já se encontram apartados de suas garantias constitucionais, vivendo uma constante realidade existencial de desamparo perante a autoridade detentora do poder.

Aluno: Realmente…

Aluna: Tudo bem, mestre, mas ainda há o argumento do contexto internacional: o Brasil é um dos únicos países a exigir o trânsito em julgado para que possa ser declarada a culpa. Veja, por exemplo, os Estados Unidos. Seguindo sua linha de raciocínio, jamais deixaremos de ser o que sempre fomos, jamais venceremos a impunidade.

Professor: É preciso estarmos atentos aos álibis retóricos, ilustre aluna. Os ventos do norte ainda não movem moinhos. Estamos no Brasil, portanto, devemos trabalhar com a nossa própria legislação. Além disso, quem um dia irá dizer que o sistema jurídico de lá é melhor que o de cá?

Aluna: E quem um dia irá dizer que não é?

Professor: Em ambos os casos, precisa-se ter critérios legais para isso! Veja, do mesmo modo que os recursos de caráter protelatório podem significar um problema para nossa democracia, o fato de o Judiciário usurpar para si uma função que é natural de outro ramo do Poder, como o Legislativo, também fere os princípios de nossa sociedade política. Denunciar isso, portanto, é nosso dever perante o Estado Democrático de Direito… Minha querida aluna, permito-me citar Eduardo Alves da Costa em seu poema No Caminho com Maiakóvski: 'Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada'… Enfim, tenham sempre em mente que o 'jardim' é de todos nós.

Aluno: Engraçado… Isso me lembra o julgamento do Habeas Corpus 152.752. Será que podíamos…

Professor: Desculpe-me interrompê-lo, mas o som do alarme já soa, dizendo-nos para encerrar. Talvez falaremos disso na próxima aula, pois, de fato, merece uma atenção especial… Por hora, apenas digo o seguinte: se de algumas Rosas já conseguiram arrancar as vozes, sempre haverá a rosa de Drummond, que grita a romper o asfalto.

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  • é professor, advogado, pós-doutorando em Direito, doutor em Filosofia e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Também é membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

  • é graduanda do curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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