Opinião

Patologia e embargos nos embargos no processo criminal

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13 de abril de 2018, 14h40

Recentemente, foi dito por uma autoridade judiciária que os embargos em embargos são uma “patologia protelatória que deveria ser eliminada do mundo jurídico”.

Às vezes, são protelatórios. Outras, não. Normalmente prestam um favor à Justiça, pois buscam aperfeiçoar a decisão, corrigindo suas falhas, na medida em que objetivam o esclarecimento de obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão. É recurso que está a dispor de ambas as partes e, por consequência, é um excelente meio para aprimorar a Justiça. Embargos em embargos são indispensáveis quando a decisão deste último persiste com defeito.

A patologia não está, em verdade, na repetição dos embargos, mas na solução que vem sendo dada pela jurisdição criminal quando eles são protelatórios. O entendimento jurisprudencial é o de que os pressupostos dos embargos declaratórios se encontram no artigo 619 do Código de Processo Penal e devem ser observados. Ausentes os requisitos legais e evidenciado o caráter protelatório dos embargos, o recurso não deve ser recebido, é certificado o trânsito em julgado do acórdão embargado e determinada a baixa dos autos para execução. Considera-se que os embargos, por serem incabíveis, não produzem o efeito de interromper o prazo para outros recursos.

A solução é inadequada. Gera incerteza e insegurança jurídica. O que é protelatório para o tribunal pode não ser para o defensor da parte, que transporta crenças, humanas convicções. Falíveis, algumas vezes, mas que de qualquer maneira possui o dever de dar o melhor de si no exercício defesa, ou não cumprirá com sua obrigação constitucional.

Melhor que sejam adotados critérios objetivos, como o fez, a propósito, o CPC de 2015. Razões pelas quais entendemos aplicável para regular a questão, por analogia, o parágrafo 4º, do artigo 1.026, do novo CPC, segundo o qual “não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios”. Dessa maneira, se a parte interpuser dois embargos tidos expressamente como protelatórios, e vier a colocar um terceiro, estará perdendo o prazo para eventual recurso. Os dois primeiros embargos, mesmo sendo considerados protelatórios, possuem o efeito de interromper o prazo para outros recursos. É recomendável que o juiz criminal, ao reconhecer protelatórios os primeiros embargos, esclareça expressamente que está aplicando o artigo 1.026 do CPC, de forma a que a parte tenha conhecimento com que normativo e efeitos está lidando.

As decisões que vêm sendo adotadas na jurisdição criminal são mais do que simplesmente autoritárias, são arbitrárias e ilegais. São duas convicções em jogo. Aquele que manda tem a pretensão de excluir do jogo processual o que contraria suas convicções. Sem qualquer embasamento legal, já que não há previsão expressa para a certificação do trânsito em julgado. Melhor dizendo, contrariando a lei, pois quem possui direito de inadmitir os recursos especial e extraordinário — que por vias transversas está sendo impedido —, em um primeiro momento, não é o tribunal, mas, sim, os presidente e vice da corte e, em um segundo momento, os ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Não pode, portanto, o tribunal, concluindo que são protelatórios os embargos, retirar o direito, repentinamente, como que aplicando uma sanção, da parte de recorrer às instâncias superiores. Se assim fosse, a utilização dos embargos se transformaria em uma espécie de jogo de azar. A parte ficaria em dúvida quanto a os utilizar ou não. Haveria ocasiões em que eles seriam indispensáveis, mas a parte ficaria com receio de exercer seu direito, inclusive com fins de prequestionamento necessário, pois exercendo poderia perder o direito ao recurso seguinte, vale dizer, fazer uma má aposta: 36… Banca! A situação é paradoxal. O senhor da decisão recorrível decide irrecorrivelmente que sua decisão não é recorrível. Ou na versão infante zangado: “A bola é minha. Terminou o jogo”.

Não tem como adequar essa insensatez patológica à ordem jurídica sem, atropelando a ampla defesa, afrontar o princípio recursal. E o curioso é que essa estranha jurisprudência, pacífica na jurisdição criminal, vem sendo tolerada pela doutrina resignadamente. Uma prerrogativa que pertence, dependendo do tipo de recurso, exclusivamente aos ministros do STF e do STJ — a de dar a última decisão quanto ao cabimento do recurso —, passa a ser exercida, pelos magistrados de 2º grau. Mas não só por eles, dado que pelo atual sistema o juiz de 1ª instância também pode fazer uso da mesma “faculdade”.

Nessas decisões costuma-se afirmar que, não sendo o caso de embargos declaratórios por ausência de seus “requisitos legais” — obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão —, não é conhecido o recurso e, por consequência, não se verificou a interrupção do prazo para os demais recursos. Trata-se de raciocínio embaralhado. Há troca de cartas. Para dizer se há ou não obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão, é necessário o exame do mérito dos embargos declaratórios. Ora, como dizer se há omissão sem antes conhecer do recurso? Se há ou não omissão, é mérito, não requisito de admissibilidade de recurso. Além do mais, o artigo 1.026 do CPC estabelece que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso, sem estipular qualquer condição relativa a seu recebimento ou não.

Contra decisões dessa espécie, não obstante declararem a perda do prazo para outro recurso e decretarem o trânsito em julgado, cabe recurso especial alegando, além de outras eventuais violações específicas do caso concreto, contrariedade ao artigo 619 do CPP (por negar o direito aos embargos declaratórios), e por violação do artigo 1.026 do CPC (por negar a interrupção do prazo processual). Cabível, também, recurso extraordinário com fundamento em negativa de prestação jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV da CF).

Conforme expomos, melhor que se adote para o processo criminal os critérios objetivos do CPC de 2015 para lidar com o problema dos embargos declaratórios protelatórios: “Não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios” (artigo 1.026, parágrafo 4º do CPC). Há ocasiões, no entanto, que o processo penal exige mais celeridade em relação ao processo civil. Como se está empregando analogia, não há o que impeça que a analogia (semelhança) seja empregada “semelhantemente”, e não “identicamente”. Em outras palavras, nada obsta ao magistrado que diante dos primeiros embargos declaratórios manifestamente protelatórios lance decisão em que torne claro, expresso, transparente e imperativo, que não receberá novos embargos declaratórios, e que a eventual apresentação desses importará na perda de prazo para os demais recursos e no trânsito em julgado do processo. É isso. O processo precisa funcionar de maneira clara. As partes não podem ser surpreendidas. De qualquer maneira, é preciso deixar claro, essa opção só seria cabível no caso de: (1) embargos manifestamente protelatórios; (2) especial e justificável necessidade de celeridade do processo.

Com a solução que apresentamos, resolve-se assim, creio, dois problemas: (1) evita-se que a parte seja surpreendida com a perda de prazo para recorrer quando da repetição de embargos; (2) a repetição de embargos deixa de representar um elemento a prejudicar a celeridade do processo.

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