Opinião

Federalismo brasileiro e a insegurança jurídica dos licenciamentos ambientais

Autores

  • Luciana Lanna

    é advogada especialista em Direito Ambiental pós-graduada em Regime Jurídico dos Recursos Naturais e coordenadora da área Ambiental e Sustentabilidade do Lemos Advocacia para Negócios.

  • Paula Meireles Aguiar

    é advogada especialista em Direito Ambiental e conselheira representante do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) no Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais.

11 de abril de 2018, 12h58

Enquanto a Lei Geral de Licenciamento Ambiental tramita no Congresso há alguns anos, estados têm aprovado mudanças legais que racionalizam o referido processo. O objetivo é otimizar os serviços públicos com vistas a acelerar a análise e decisão de processos de licenciamento ambiental e, assim, atrair mais investimentos ao país.

São medidas importantes para uma maior eficiência da máquina pública em atendimento aos pleitos da população. Algumas dessas mudanças, porém, vêm sendo questionadas pelo Ministério Público, conflito este que gera insegurança jurídica aos empresários. Em um país com alta carga tributária e um déficit gigantesco em infraestrutura, os novos negócios carecem de uma maior segurança jurídica para atrair de fato os investidores.

É certo também que a lei geral, como está redigida, não apaziguará situações em que se questiona a flexibilização dos processos. Em cumprimento ao seu papel, é esperado que a mesma apenas estabeleça critérios gerais para que os estados possam definir seus próprios parâmetros de classificação dos empreendimentos, assim como eleger aquelas atividades sujeitas a um procedimento mais simples, como o licenciamento por adesão e compromisso. Há casos como o da Bahia, onde foi adotado o licenciamento eletrônico para atividades como agricultura e pecuária.

Diante do imbróglio estabelecido, o presente artigo pretende tecer algumas considerações em matéria de competências ambientais dos entes federativos à luz do ordenamento brasileiro.

O texto constitucional de 1988 atribui competências legislativas e administrativas privativas, comuns e concorrentes aos diversos entes governamentais, sem que o legislador constituinte tenha tido a preocupação de delimitar com precisão onde começa e onde termina a competência de cada um.

A Lei 6.938/81, conhecida como a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, define que a competência concorrente da ação governamental (federal, estadual e municipal) deve ser feita de forma coordenada, harmônica e integrada, na manutenção do equilíbrio ecológico.

No âmbito das competências concorrentes, essencialmente legislativas, à União compete editar normas gerais, e aos estados, normas supletivas ou suplementares, editando também normas gerais nos vazios da legislação da União (artigo 24 e seus parágrafos). Em outras palavras, os estados e o Distrito Federal podem editar normas gerais em matéria ambiental se a lei federal for omissa, o que também pode ocorrer com os municípios se inexistir norma geral federal ou estadual sobre o mesmo tema.

É importante destacar que, ainda que seja em forma de resoluções — como é o caso da Resolução Conama 237, que trata do licenciamento ambiental federal —, os estados e os municípios, em sua maioria, têm respeitado as normas gerais da União. Assim, norma administrativa do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, tem sido considerada para fins de competência concorrente, norma geral da União tanto quanto a lei federal que autorizou tal regulação, como é o caso da Resolução 237/97, do Conselho Nacional do Meio ambiente (Conama). Esse entendimento tem sido questionado judicialmente, uma vez que as normas administrativas têm se tornado uma ferramenta de substituição da lei em sentido stricto sensu, ferindo-se diretamente princípios constitucionais importantes, como o da legalidade formal.

Já no âmbito das competências comuns, substancialmente administrativas (que conferem ao Poder Público o exercício de determinadas atividades concretas), o parágrafo único do artigo 23 da CF/88 exige a edição de lei complementar para regular a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios nessas matérias.

Diante dessa exigência, em 8 de dezembro de 2011, foi publicada a Lei Complementar 140, cujo escopo fundante é garantir uma atuação administrativa eficiente, através da harmonização das políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federados.

Antes prevalecia, de forma distorcida, a competência comum entre os entes federativos, uma vez que não havia uma aplicação efetiva do princípio da subsidiariedade, o que certamente contribuía para aumentar o número de conflitos.

A LC 140/11 consagrou o princípio da subsidiariedade, que determina a descentralização, estabelecendo que “as decisões serão tomadas ao nível político mais baixo possível, isto é, por aqueles que estão, o mais próximo possível, das decisões que são definidas, efetuadas e executadas. Está, assim, o princípio, relacionado com o processo de descentralização política e administrativa, em outras palavras, associado ao fortalecimento do poder local” (FARIAS, 1999, p. 319).

O certo é que, nas três esferas da federação, as normas gerais editadas pela União devem ser observadas em todos os procedimentos de licenciamento ambiental. Os estados e municípios também estão vinculados às diretrizes traçadas no plano nacional, sendo inconstitucional qualquer tentativa de flexibilizar as regras estabelecidas para todo o país, desde que para estas tenha sido respeitado o devido processo legislativo.

A prática, entretanto, é bem mais tortuosa, a saber, estabelecer o liame entre a regra constitucional de competência comum e seu principal mote: a realização material do pacto federativo, em que, para um melhor governo, a tomada de decisão nas três esferas de poder deverá, sempre que possível, ser praticada mais próxima dos fatos que a originaram e dos seus destinatários e a prevalência da norma que melhor defenda o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, tutelado pelo artigo 225 da CF/88 (in dubio pro natura).

No sistema federativo, a autonomia dos entes políticos pressupõe uma adequada partilha de competências para o exercício de funções legiferantes e administrativas, o que se faz sem qualquer vinculação hierárquica, através da reserva de poderes às pessoas jurídicas de direito público interno.

Essa repartição de competências em matéria ambiental abrange não apenas o poder de legislar, mas também de regulamentar, executar e especialmente aplicar a legislação, com vistas à função primordial de proteger o meio ambiente, conforme determina a Constituição Federal de 1988. Essa função deve ser feita por órgãos específicos do poder público municipal, estadual e federal, de forma coordenada e eficaz.

Apesar do grande número de publicações sobre o tema, não existe ainda uma doutrina consolidada sobre os limites das competências ambientais entre os entes públicos e a função de cada um quando o assunto é a proteção ao meio ambiente.

Por essas razões, nos é imperioso conhecer como vem se consolidando o modelo federativo no Brasil e qual o papel que efetivamente está reservado aos entes federados. A existência de várias esferas de poder com competências e atribuições compartilhadas faz com que sua compatibilização seja uma tarefa submetida a constantes conflitos entre os diferentes entes políticos que coexistem em uma federação.

Nesse contexto, o papel do Poder Judiciário se reveste de grande importância, pois será ele o árbitro e o solucionador dos problemas que se apontam quando se discute os limites e o papel de cada aplicador do Direito Ambiental no Brasil.

É preciso insistir no fato de que nem sempre a norma a ser aplicada em cada caso é aquela mais benéfica ao meio ambiente, fundamentando-se essa alegação em princípios da prevenção, precaução, e outros similares comumente utilizados na defesa dessa tese.

O STF tem se posicionado no sentido de que a técnica da norma mais protetiva não é a mais aconselhável. Em casos conflituosos, o adequado é que, em um primeiro momento, seja analisada de qual ente federativo seria a competência formal para tratar sobre o tema.

Na ADI 1.086-7/SC, o critério do STF para declarar a inconstitucionalidade da lei estadual que dispensava o estudo de impacto ambiental foi exatamente o critério formal da delimitação de competência da União para editar normas gerais e dos estados para dar normas específicas à proteção ambiental, entendendo-se ausentes, na hipótese, as peculiaridade locais. Ou seja, não utilizou-se o critério material da norma mais protetiva (in dubio pro natura).

O critério da norma mais restritiva também não foi a fundamentação utilizada no julgamento da Medida Cautelar em ADI 3.252-6, por meio da qual se questionou a lei do estado de Rondônia pela qual o licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras deve ocorrer após autorização prévia da Assembleia Legislativa do estado. O argumento trazido em sede da ADI 3.252-6 refere, dentre outros, haver infringência às normas constitucionais ambientais presentes no artigo 24, inciso IV, pelos quais compete à União estabelecer normas gerais, consistindo a mesma na Lei Federal 6.938/81.

Por tudo isso, é forçoso o entendimento de que, em um país de dimensões continentais, enorme diversidade biológica e social, é imperioso reconhecer sua legitimidade e dotar os municípios e estados de condições para o exercício pleno de suas competências em matéria ambiental.

Serão as peculiaridades e costumes locais, as novas técnicas e tecnologias adotadas e os interesses de cada comunidade — expressos legitimamente através de leis, com respeito estrito às normas federais de caráter geral — que determinarão os parâmetros e padrões ambientais de cada região e sua evolução ao longo do tempo.

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