Paradoxo da Corte

Início do prazo para interposição do agravo de instrumento contra liminar

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

10 de abril de 2018, 8h00

A contagem do prazo sempre foi um dos problemas mais árduos para o dia a dia do advogado no exercício de sua profissão. Em algumas circunstâncias, chega mesmo a tirar o sono, uma vez que a perda do prazo para a prática de um determinado ato processual é de exclusiva responsabilidade do advogado.

Normalmente, as regras para o cômputo dos prazos processuais vêm especificadas, de forma um tanto clara, nos artigos 229 a 231 do Código de Processo Civil.

Observo que, sob a vigência do revogado diploma processual, apresentava-se verdadeiro dilema ao advogado o início do prazo de interposição do agravo de instrumento contra decisão concessiva de tutela de urgência, initio litis, antes mesmo da citação do requerido.

Havia, com efeito, enorme dúvida se, nesse caso, o prazo se iniciava da juntada aos autos do aviso de recebimento ou do mandado de citação e de intimação acerca do ato decisório de antecipação da tutela, ou, pelo contrário, do dia subsequente à data da intimação, a despeito do disposto no artigo 241, inciso I, do velho Código de Processo Civil.

No que se refere à contagem do prazo para contestação, não emergia qualquer celeuma. O problema se encontrava exatamente na incerteza quanto ao dies a quo do prazo para a interposição do agravo de instrumento, quando a citação se fazia em momento concomitante à intimação, sendo certo que o réu ainda não estava representado nos autos por advogado constituído. Veja-se, por exemplo, precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, da 6ª Câmara de Direito Privado, no Agravo Regimental 2205501-92.2015.8.26.0000, in verbis:

“Assim sendo, inquestionável que o prazo a ser observado para a interposição do recurso de agravo de instrumento deve ser contado a partir do dia seguinte à referida ciência, não havendo que se confundir, repiso, o prazo para contestação, cuja contagem se inicia, no caso concreto, da data da juntada aos autos do aviso de recebimento da carta de citação/intimação e o prazo para interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória, contado desde quando esteja dela ciente a parte”.

E da 5ª Câmara de Direito Privado, no Agravo Regimental 0519176-59.2010.8.26.0000, textual:

“O prazo para interposição do recurso é de dez dias (artigo 522 do Código de Processo Civil), contados da publicação da intimação ou da data em que presumivelmente a parte foi cientificada. Ré que foi intimada/citada pelo Oficial de Justiça. Termo inicial para contagem do prazo é a data do cumprimento do mandado, não da juntada aos autos”.

É certo que, para não correr qualquer risco, os advogados atendiam, quando ainda fosse possível, a essa perversa orientação pretoriana, que tinha como fundamento a “ciência inequívoca” do demandado. Perversa porque, em muitas ocasiões, até o réu contratar advogado, o prazo então de 10 dias já havia se escoado!

Verifica-se que, em boa hora, o novo Código de Processo Civil trouxe elogiável regramento, a solucionar e a imprimir manifesta segurança a essa questão.

Com efeito, da interpretação do disposto nos artigos 231, inciso I, e 1.003, parágrafo 2º, conclui-se, sem qualquer dificuldade, que, na hipótese acima descrita, quando a parte requerida ainda não estiver representada nos autos por advogado constituído, o início do prazo para a interposição do agravo de instrumento é o primeiro dia útil subsequente ao da juntada aos autos do aviso de recebimento da carta de citação e intimação ou do mandado, devidamente cumpridos (cf. artigo 224). Desse modo, resulta claro que os prazos de contestação e de interposição do agravo de instrumento têm idêntico dies a quo!

Como bem anota Flávio Cheim Jorge, “no caso de decisões proferidas antes da citação do réu, como ocorre com as medidas liminares deferidas inaudita altera parte, não tendo este ainda advogado constituído nos autos, o parágrafo 2º do artigo 1.003 determina que o prazo para recorrer seja contado na forma do artigo 231, I a VI, ou seja, a partir da data em que o recorrente for também devidamente citado, tudo a depender da modalidade da citação empregada” (Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, obra coletiva, 3ª ed., São Paulo, Ed. RT, 2017).

No entanto, é de ter-se presente que, na hipótese de litisconsórcio passivo, diferentemente do que sucede para a apresentação de contestação, cujo prazo, em regra, para todos os réus, inicia-se a partir da juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado, para a interposição de agravo de instrumento, a teor do disposto no artigo 231, parágrafo 2º, “o prazo para cada um é contado individualmente”.

Enfrentando a questão, já sob a égide do novel Código de Processo Civil, a 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao ensejo do julgamento do Agravo de Instrumento 2142868-74.2017.8.26.0000, da relatoria do desembargador Jairo Oliveira Júnior, assentou, de forma segura e precisa, textual:

“Pretende-se que seja revogada a tutela de urgência que limitou os descontos, sob o argumento de que o débito em discussão se originou da utilização do limite de cheque especial e não de empréstimo consignado…

De início, afasta-se a preliminar de intempestividade do recurso arguida em contraminuta.

Nos termos dos artigos 1.003, parágrafo 2º, e 231, inciso I, ambos do Código de Processo Civil de 2015, o prazo para interposição do agravo de instrumento é de quinze (15) dias, contados estes da data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação for pelo correio, como é o caso.

Em consulta ao andamento processual dos autos principais, vê-se que o aviso de recebimento da carta de citação postal foi juntado aos autos em 14.07.2017, daí porque tempestivo este agravo de instrumento, interposto em 27.07.2017”.

Conclui-se, pois, que esta correta exegese da legislação processual em vigor é, sem dúvida, a que passa a prevalecer na situação acima retratada, pondo fim a qualquer discussão.

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