Julgamento antecipado

Mensalão mostrou que imprensa pode condenar antes do Judiciário, diz Lula

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10 de abril de 2018, 15h23

O caso do mensalão mostrou como a imprensa pode ser usada para condenar pessoas antes do Judiciário. Para o ex-presidente Lula, foi esse o resultado da aliança feita entre veículos de comunicação e setores do Ministério Público, da Polícia Federal e da magistratura para fazer circular acusações sem confirmação, fragilizar governos e impedir a tomada de decisões.

Fernando Frazão/ Agência Brasil
Lula, que está preso desde sábado (7/4), critica aliança entre imprensa e Judiciário.
Fernando Frazão/ Agência Brasil

O ex-presidente faz sua análise no livro A verdade vencerá – o povo sabe por que me condenam (Boitempo). A obra condensa três entrevistas do líder do PT concedidas no Instituto Lula, em São Paulo, nos dias 7, 15 e 28 de fevereiro, aos jornalistas Juca Kfouri, Maria Inês Nassif e Gilberto Maringoni e à diretora da Boitempo Ivana Jinkings.

Lula está preso na sede da PF em Curitiba, cumprindo pena antecipadamente pela condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Foi preso no dia 7 de abril. Um dia antes, fez um discurso acusando o MP Federal, a PF e setores do Judiciário de terem se aliado à imprensa para criar a imagem de que ele é culpado, antes mesmo que ele fosse condenado. O método, diz no livro, é herança do mensalão, processo no qual o Supremo Tribunal Federal condenou as principais lideranças petistas, como José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha.

“Na verdade, nunca acreditei na história do mensalão. Essa foi a grande descoberta do século XXI: de como a mídia poderia ser utilizada para criminalizar as pessoas antes da Justiça. A mídia tomou a decisão de, ao invés de esperar a Justiça criminalizar, transformar alguns líderes do PT em bandidos. Eu tinha medo porque, se o Zé Dirceu não tivesse sido preso, poderia ter sido atacado por um fanático em alguma rua aqui de São Paulo e ser morto, tal era o ódio que eles disseminaram contra o Zé Dirceu”, avalia o ex-presidente, no livro.

Rota do escândalo
A tese do mensalão foi criada em 2005 pelo ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro Roberto Jefferson, presidente do PTB e opositor ao Partido dos Trabalhadores. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele disse que o PT montou um esquema de pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio às políticas do governo federal.

Rapidamente, jornais, revistas e redes de televisão de uniram esforços para desestabilizar seu governo, diz Lula. Na entrevista, Ivana Jinkings comenta que “parece que eles [os meios de comunicação] combinam, fazem reunião de pauta coletiva…”,  e o ex-presidente interrompe.

“Parece, não. Eles combinam mesmo. E é um circuito. No tempo do mensalão, eu descobri que o circuito para paralisar um governo é assim: na quinta-feira, começa a boataria; na sexta, começam a sair coisas na internet; no sábado, dá no Jornal Nacional; no domingo, vai para a imprensa escrita e, à noite, pro Fantástico. Aí, depois que eles fazem esse genocídio, perdura até a outra quinta, quando começa de novo.”

Politização da Justiça
Na operação “lava jato”, magistrados, membros do MP e policiais se aliaram a jornalistas para promover uma suposta cruzada contra a corrupção, opina Lula. Com isso, ressalta, esses agentes públicos passaram a agir como políticos.

A Justiça tem um papel a cumprir, fazer justiça. Se a Justiça quer fazer política, então o cidadão deixa sua função de magistrado, entra para um partido político e vai disputar eleições. Quando a Justiça faz justiça, o povo acredita em justiça", afirma Lula, no livro. "O defeito da ‘lava jato’ é que, ao mesmo tempo em que eles pensaram em combater a corrupção, eles construíram um pacto de se sustentar na imprensa brasileira. ‘Não importa o tamanho da mentira, eu transformo ela em verdade. O que nós temos que ter é inimigo’.

Como exemplo dessa tática, o petista cita a ofensiva contra o presidente Michel Temer, desencadeada pela delação premiada dos irmãos Batista, donos da JBS. Na visão de Lula, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, uniu esforços com a Globo para derrubar o emedebista. O objetivo de Janot, de acordo com o ex-presidente, era conseguir mais um mandato à frente da PGR. Já o da Globo, alçar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao poder. "Sou obrigado a reconhecer historicamente que o Temer soube se impor", declara Lula.

Embora alegue ser vítima de perseguição, Lula diz confiar na Justiça e pede respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência. “Se eu não acreditasse em justiça, eu não teria proposto a criação de um partido político, eu ia propor uma revolução", afirma.

"Cada instituição tem um papel e o Judiciário tem o papel de fazer justiça, de dar às pessoas o direito de se defender, à presunção de inocência e, quando provada a culpa, que as pessoas paguem por seus crimes. Eu não quero que um injustiçado seja condenado nem que um culpado seja absolvido."

Judicialização da política
Durante o livro, Lula faz diversas críticas à entrada da magistratura e do sistema de Justiça no jogo político. Mas reconhece que isso começou com a judicialização da política, em que todas as questões de interesse social passaram a ser levadas a um juiz.

"Foram os políticos que judicializaram a política", diz o ex-presidente. Nesse cenário, “é preciso fazer um reordenamento das instituições deste país”.

Em fevereiro, Lula dizia ter confiança no Supremo Tribunal Federal. “Se eu perder a confiança no Poder Judiciário, preciso parar de ser político e dizer que as coisas nesse país só vão se resolver na base de uma revolução". No dia 4 de abril, contudo, o STF negou Habeas Corpus preventivo do ex-presidente e autorizou o início da execução de sua pena mesmo com recursos pendentes de apreciação.

Mesmo com diversas derrotas na corte, Lula garante que não indicou ministros visando ser favorecido em julgamentos. Ele foi o presidente eleito que mais indicou ministros para o Supremo, com oito indicações: Eros Grau, Menezes Direito, Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli — além do ministro Luiz Fux, formalmente indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, mas que teve o processo de escolha iniciado no governo Lula.  

Mas Lula garante: "Não quero controlar o Poder Judiciário. Não quero que o Poder Judiciário seja bom para mim. Quando indiquei ministros para o Supremo, não indiquei pensando em fazerem favor para mim. Meu desejo era que eles fossem coerentes com a nossa Constituição e que cumprissem aquilo que estava na Constituição".

Conclusão do golpe
Lula é claro em defender que o impeachment de Dilma, em 2016, foi um golpe de Estado organizado pela oposição e patrocinado pela elite socioeconômica brasileira. Mas acredita que o objetivo não era apenas aquele. Para o ex-presidente, sua condenação e sua provável declaração de inelegibilidade são a conclusão natural da conspiração que saiu vitoriosa há dois anos.

"Se o golpe foi dado para evitar a progressão dos descamisados deste país, eles não podem tirar a Dilma e deixar o Lula voltar dois anos depois", avalia. “Com todas as reclamações que nós fizemos, eles nunca deram a menor importância para qualquer argumento da defesa. Foi nesse instante que comecei a perceber que não era o Lula pessoalmente que estava sendo julgado. Era o governo que estava sendo julgado. Era a forma e o jeito de governar.”

Não é a primeira vez que acontece um golpe de Estado no Brasil. A diferença, diz Lula, é que foram depostas as armas para se tomar o poder "pela via jurídica". "No Brasil, lamentavelmente, a democracia não é regra, é exceção."

"Civilizaram o golpe, modernizaram o golpe", diz o ex-presidente Lula. "Antes você tinha guerra civil, agora não precisa mais ter guerra civil. Não precisa de um golpe militar. Você faz dentro da lei: constrói a maioria, consegue ganhar a opinião pública, tem a imprensa para prestar o serviço. A imprensa presta o serviço, você, então, cria uma maioria da sociedade contra o governo, cria uma maioria de parlamentares contra o governo e dá legalidade a tudo. E acontece o que estamos vivendo no Brasil."

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